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domingo, 24 de janeiro de 2010

Meu rugido dominical

No dia 25 de janeiro de 1554, que estava, presumo, úmido e chuvoso como está hoje, foi fundada, oficialmente, a Vila de São Paulo de Piratininga. Os fundadores foram os padres jesuítas José de Anchieta, Manoel da Nóbrega, Manoel de Paiva e mais nove religiosos, da Companhia de Jesus, fundada 20 anos antes para se contrapor, principalmente, à reforma protestante liderada por Martinho Lutero. A Companhia de Jesus foi, ainda, o braço do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição na então colônia Brasil, quando foram presas 1.076 pessoas e assassinadas 29, duas das quais condenadas à fogueira, símbolo extremo da Inquisição.





A fundação de São Paulo de Piratininga foi modesta: um barracão de taipa feito pelos jesuítas para ensinar o catecismo e as primeiras letras aos filhos dos colonizadores. Foi criado, na ocasião, o sítio do Colégio de São Paulo de Piratininga, entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú. A Vila fazia parte da Capitania de São Vicente, primeira cidade brasileira, fundada em 1532, cujo donatário era o português Martim Afonso de Souza. Seis anos depois, em 1560, a Vila São Paulo tinha 80 habitantes. E, 86 anos depois, em 1640, os jesuítas foram expulsos da Vila São Paulo e dos arredores.


Note o uso dos nomes indígenas: piratininga é, em tupi, "peixe seco"; tamanduateí, também em tupi, significa "rio de muitas voltas"; e anhangabaú, do tupi-guarani, quer dizer "rio dos malefícios do diabo" porque os índios acreditavam que as águas do então ribeirão Anhangabaú (atualmente soterrado sob o vale do mesmo nome) provocavam doenças físicas e espirituais.


Registre também a adição de santos: São Vicente, São Paulo, São José dos Campos, São Pedro do Turvo, Santa Catarina, Terra de Santa Cruz (segundo nome dado ao Brasil). Todos veem do catolicismo trazido pelos portugueses ao desembarcarem na costa brasileira.


O nome "Paulo", segundo a origem dos nomes, é latim (Paulus) e foi dado ao apóstolo Saulo após sua conversão ao cristianismo, o que o tornaria Paulo de Tarso. "Paulo" quer dizer pequeno, de baixa estatura, e indica uma pessoa com muita disposição e otimismo contagiante. Teoricamente, Paulo nomina pessoas que encaram cada dia como um novo degrau para obter o desenvolvimento material e social. Pessoas que têm esse nome têm, hipoteticamente, ambição inata e planejam cuidadosamente os passos em direção ao sucesso.


O santo que dá nome à cidade de São Paulo é considerado, dentro da ótica católica apostólica romana, o mais importante discípulo de Jesus e, depois do próprio Jesus, a figura mais importante no desenvolvimento do cristianismo. Há uma outra corrente, dividida entre teólogos, estudiosos, críticos e filósofos (inclusive Nietzsche) que acusam Paulo de Tarso de haver mutilado os ideais cristãos e de ter transformado a mensagem libertária de transformação individual e caridade, originalmente concebida por Jesus e demais discípulos, numa religião de culpa carregada de padrões rígidos. Ou seja, a culpa judaico-cristã.


A cidade de São Paulo completa amanhã, dia 25 de janeiro de 2010, 456 anos de fundação. A primeira parede de taipa (técnica à base de argila), feita pelos jesuítas, ainda permanece conservada, protegida por espessas paredes de vidro no Pátio do Colégio, onde podem ser observadas por qualquer pessoa.


Os jesuítas, expulsos do Brasil no século XVIII, nunca deixaram o País, de fato. Atualmente, estão presentes em quase todo o território nacional, principalmente no ramo da educação, das quais a instituição mais conhecida é a Pontífica Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).


Não consegui encontrar a informação sobre qual era a população indígena da então Capitania de São Vicente, da qual a Vila de São Paulo fazia parte. Mas, acredite, existem índios guarani na cidade de São Paulo de 2010: são 1,1 mil pessoas que vivem em três terras indígenas na capital paulista: Krukutu e Barragem, ambas na região de Parelheiros, extremo sul da zona sul de São Paulo e Jaraguá, na zona oeste da capital.


Dos dois rios - Anhangabaú e Tamanduateí - que, juntos com o Páteo do Colégio (a grafia era assim, na época), formavam o triângulo do qual São Paulo se ampliou, o primeiro nem rio é. É ribeirão. Quer dizer, um ribeirão subterrâneo porque nenhum de nós que habitamos essa cidade, ao que me consta, jamais se recorda de tê-lo visto: o ribeirão Anhangabaú nasce entre os bairros da Vila Mariana e Paraíso, passa sob a avenida São João e desagua no rio Tamanduateí, próximo ao Mercado Municipal. Talvez os índios tivessem razão e o Anhangabaú fosse mesmo um malefício dos diabos. Mas a iniciativa de canalizar o ribeirão e fazê-lo subterrâneo, por certo, deu ao diabo motivos ainda maiores para fazer malefícios e, de quebra, uma moradia discreta. Temo que um dia desabemos sobre nós mesmos ante tanta água que corre no subsolo dessa cidade.


O outro rio, o Tamanduateí, que tem 35 Km de extensão, é um rio morto de tanta poluição. Também foi aprisionado pela cidade e, de vez em quando, suas águas revoltam-se ante a clausura e ousam alagar a horrorosa avenida do Estado que liga a Marginal Tietê ao centro de São Paulo e também faz a ligação com os bairros da zona sudeste da cidade e com os municípios vizinhos - Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, o ABC dos três santos.


A intenção de se dar nome de santo àquela que seria, 456 anos depois, a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo, talvez se deva ao fato de carregar, junto do nome, a benção do santo. Como Paulo de Tarso, na minha opinião, também cometeu seus equívocos, essa intenção foi para aquele outro lugar, o qual está cheio delas, das boas e más. E por certo o significado de "Paulo" não tem nada a ver com São Paulo: a cidade é gigante, de uma estatura colossal!


Todo esse arrazoado de culturas - jesuítas, índios, crenças católicas e indígenas - e de intervenções - rios que foram escondidos, aldeias indígenas que foram relegadas à extrema periferia -, talvez tenha gerado o que somos hoje como cidade: entre moderna e arcaica, a São Paulo atual ora, oficialmente, segundo o sagrado, mas professa, na prática, o profano. Profanamos diariamente São Paulo. Uma São Paulo que amamos e odiamos na mesma proporção: pesquisa revela que 47% dos moradores estão muito satisfeitos com a cidade e que outros 47% estão pouco satisfeitos com São Paulo.


São Paulo tem um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 388 bilhões (US$ 213 bilhões), o que significa 12% do PIB total do Brasil. Esses recursos, no entanto, não foram suficientes para conter os principais problemas que fazem com que 41% das pessoas pensem, efetivamente, em deixar a cidade. São as enchentes (que, em um mês, mataram mais de uma dezena de pessoas na região metropolitana), o trânsito (cujos congestionamentos se estendem de 87 Km a 121 Km, em média, todos os dias), a segurança (são 11 homicídios para cada 100 mil habitantes; foram 1.305 homicídios em 2008) e o emprego (a taxa de desemprego era, em 2008, de 13,23% da população economicamente ativa).


Somos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 11.037.593 habitantes. Entre a taipa que cobriu as primeiras paredes e a imensa massa monolítica de concreto, vidro e aço que fazem dessa cidade uma floresta de prédios, somos um povo que não sabe se fica ou se parte, se ama ou se odeia essa cidade. Cidade sobre a qual já escrevi loas. Mas que, no momento, somente me inspira tristeza. Sim, tristeza porque parece um gigante destrambelhado, que cambaleia em passos incertos e não tem objetivo ou rumo. Não estou entre os que a querem deixar. Mas também não vejo motivos para me juntar àqueles que estão a celebrar, hoje e amanhã, esses 456 anos. No momento, sou a cidade: úmido, frio e cinzento. Nem de longe ardo em fogueiras por viver aqui. De concreto, por ora, estou com o coração cimentado demais para te cumprimentar, São Paulo querida!

3 Comentários:

João Roque disse...

Realmente as condições adversas destes últimos tempos não têm dado tréguas à tua cidade que hoje está de parabéns de aniversário.
É uma urbe imensa, que eu, que não conheço o país, devo confessar que não estaria nas minhas prioridades numa primeira visita, embora não a exclua de ser uma cidade a conhecer.
A beleza do Rio, a curiosidade imensa de visitar Salvador da Baía, e mesmo Manaus é superior.
Mas o Brasil é um mundo e visitar esse país não é o mesmo que visitar qualquer país europeu, que em 2 semanas se fica a conhecer quase na sua totalidade. Ir ao Brasil, para mim, e visitar o que quero, significa um grande investimento monetário e de tempo.
Tenho um irmão que viveu durante um breve tempo em S.Paulo e não conseguiu adaptar-se ao ritmo de vida daí: trabalhava longe do local onde morava, os tempos eram outros e a mobilidade talvez mais difícil, e ele saía de casa quase de madrugada para regressar à noitinha e não aguentou, dizendo que trabalhar para viver sim, mas viver para trabalhar, não.
Talvez fosse um extremo, e as condições de hoje tenham mudado, mas acho que eu também não me adaptaria...
Abração.

Redneck disse...

João, mais três dias e replicaremos o dilúvio moderno em São Paulo: serão 40 dias consecutivos de chuvas. No Estado, mais de 20% dos municípios foram afetados de alguma maneira pelas chuvas e quase 80 pessoas já morreram devido a uma infinidade de acidentes: de soterramentos a afogamentos, há de tudo. Em São Paulo, os problemas são maiores porque a população maior eleva tudo à grandeza equivalente em problemas. Quanto às cidades que você cita - Rio, Salvador e Manaus - as conheço, as três. O Rio é maravilhoso, um cenário de luxo. Mas em termos de trabalho, para nós, é limitado. Salvador, na minha opinião, é tão particular, tão cultural. Respira musicalidade e uma sensualidade que nem o Rio tem. Adoro Salvador. E Manaus me decepcionou: a cidade é bastante pobre em algumas regiões e a proximidade da floresta, que o mundo tanto venera, não quer dizer que a capital do Amazonas seja saudável. Longe disso: há milhares de pessoas que moram em palafitas, ainda hoje. Quer dizer, são pessoas que apenas migraram do coração da floresta e agora moram em condições tão ou mais precárias. Em defesa de São Paulo, devo dizer que é, reconhecidamente, a capital mais 24 horas da América Latina: excelente centro gastronômico e, para os que gostam da vida noturna, tem toda sorte de opções. Eu gosto demais de SP e sou suspeito. Sim, temos o problema das grandes distâncias e aqui ter um carro é prioridade. No entanto, isso, apesar de incomodar, não muda a minha opinião sobre SP. Eu, que vim do interior, onde almoçava em casa todos os dias, creio que qualidade de vida é onde se está bem, com ou sem trânsito ou quaisquer outros problemas que as metrópoles tenham. Abraço!

Redneck disse...

Tati, está divulgado o seu blog. Beijo!

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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