Uma breve história do tempo
Antes que as cinzas viessem a mim, fui eu mesmo às cinzas. Entrei em recesso sem me dar conta de que, ao Carnaval, procede a quarta-feira de cinzas, em que tudo o mais é abafado pelo pó. Mas antes que a quarta-feira, que não foi cinzenta, e sim de cinzas, se me pegasse pela testa, a precedi e me despluguei. Parcialmente, mas me desconectei. Me dei um período sabático aqui no blog. Sabático é modo de dizer porque, na escala blogosférica, dois, três ou quatro dias sem postar tornam-se um período longo.
Mas eu queria, ao preceder as cinzas, o sol. A água. E tomei banhos consecutivos de sol e água. Foi um Carnaval diferente em que passei metade do tempo submerso pelas águas e a outra metade encoberto pelos raios solares ricos em emissões de UVA e UVB. Sem protetor que sou cascudo e macho pra caramba!
Raios que me partam - e não me partiram, não obstante eu me quedar na água sob um festival de relâmpagos - se sou cascudo o suficiente para não descascar. Sou como camarão exposto à água fervente (e aquecida era a piscina): a casca sai facilmente.
Nesse pequeno período de tempo em que estive ausente, coisas breves aconteceram: um lindo sobrinho nasceu (e hoje já faz uma semana!). Tive notícias anteriores ao Carnaval que farão com que eu tome outras direções. Nada muito traumático ou dramático. Mas são mudanças e, na maior das vezes, eu as acho, as mudanças, bastante produtivas.
Tive, ainda, preguiça. Uma preguiça que se estendeu da languidez dos dias quentes às noites ainda mais quentes talvez por falta de calor que as fizessem se acalmar. Se passa que à temperatura cotidiana se une a minha própria febre e eis que delírios costumam misturar-se à paisagem.
Estou calmo, ao contrário do que podes imaginar. Foi bom permanecer arisco e arredio. Não me isolei, o que já conta para mim mesmo como um alento. Costumo me enclausurar e fazer de conta que não é comigo. Que o mundo e eu mesmo não somos comigo. Coisas de leonino ensimesmado.
Tive por companhia pessoas agradáveis. Livros lindos que estou a devorar desde antes do Natal e cujas linhas percorro feito estradas que me ligam a outros mundos. O tempo é breve. É longo. Depende. Tem dia que é de uma brevidade que chega a soar falsa. Outro, parece que a linha que demarca as horas não cede a pressão alguma.
Falei muito por esses dias e talvez por isso me calei cá. Ouvi muito. Ando bastante analítico comigo mesmo. De um desnudamento que ainda persigo e que mais cedo ou mais tarde me mostrará alguma indicação. Estou certo disso. Não tenho vergonha da nudez, corpórea ou espiritual. Se eu puder me ver do jeito que sou, o tempo livre gasto nesse empreendimento não terá sido consumido em vão. E não serão apenas cinzas.
A história do tempo se faz assim, de pequenos retalhos, de grandes fios. De uma vida que floresce. De outras que fenecem. De conversas telefônicas que transmitem mais do que ruídos estáticos. Chamo de breve esse particular registro da história do tempo porque foram, olha só, apenas pouco mais de 100 horas. São apenas gotas no universo particular de cada tempo, o meu e o seu.
Na quarta-feira de cinzas, propriamente dita, releguei o sol a outros corpos e retomei o trabalho. Sempre me é árdua essa retomada porque, para cair no ócio, basta um recorte. Para sair do ócio, há que se escalar montanhas. E o tempo urge, ainda que breve. E lá se foi mais um Carnaval. Que pedi que não me levasse a mal porque sabia que ia me retirar em preguiçosa e malemolente alegoria de não ser nada, não fazer nada, não pensar nada.
O niilismo, no entanto, é fictício. Fiz sim. Bebi, comi, dormi, li, vi, fui visto. "Não me leve a mal, vou beijar-te agora, hoje é Carnaval", diz a marchinha. Reclamei que não beijei. Foi a cinza na profusão de tanta luz solar. Que, se não chegou a obscurecer os meus dias, também não os iluminou. Mas eis-me aqui. Fui pó, no sentido de retirar-me, e do pó volto, algo refeito (e talvez rarefeito também).
4 Comentários:
Olá! Td bem?
Também me ausentei por estes dias de Carnaval, estava precisando me desligar do mundo, mas não me desliguei do mundo da Internet, pelo contrário, ele foi meu grande companheiro neste Carnaval... rs
Parabéns pelo seu sobrinho!
Abraço
Um dos textos de que mais gostei no últimos tempos: sempre gostei desses desnudar pessoal, em termos de alma e pensamento, que nem todos têm coragem de exibir. O tempo de Carnaval, aqui em Portugal, não tem todo o envolvimento do Carnaval brasileiro, claro, mas mesmo assim compreende um período de esquecer o mundo e gozar, o que para mim, não acontece, pois o Carnaval nada me diz. É apenas um tempo de descanso...
Mas aí, será difícil abstrair-se duma realidade tão visível e viver de algum modo, para dentro de nós, que me parece ter sido o uso preferencial (não exclusivo) destes últimos tempos.
Parabéns pelo sobrinho, que sejam positivas as perspectivas profissionais e acima de tudo um bom regresso à blogosfera, que não é a mesma sem ti, e que, mesmo antes do Carnaval; tens "maltratado" um pouco...
Abraço apertado.
Oi Eros! Faz tempo que não vou ao seu blog, bem como aos demais. Mal tenho frequentado o meu próprio blog. Me desliguei do online e fui ao offline, ao mundo real. Foi bom, como eu disse no post, mas ainda não o suficiente. E quando é suficiente, afinal? De qualquer forma, de volta à realidade... virtual. Obrigado. Meu sobrinho é lindo (não sou coruja não, já tenho outros quatro). Abraço!
João, obrigado pelo seu comentário carinhoso. Como bem captastes, estou sim a maltratar a frequência por aqui e nem sei te dizer o real motivo, afora algumas razões bem objetivas que mais à frente eu lhe falarei, em particular. O Carnaval, acredite, para a imensa maioria, serve apenas como feriado prolongado. E, sim, a despeito da invasão midiática do evento, muitos de nós, creio que até a maior parte, está cansada dessa festa cada vez mais comercial e repetitiva. Como você viu no post, o feriado serve mais para nos conectarmos às pessoas do que realmente para viver o carnaval. O que você vê de imagens e textos na internet e na TV é apenas aquilo mesmo: um número limitado de pessoas que participa, seja no envolvimento direito com as escolas (como aqui em SP), no Rio ou Salvador. De resto, a não ser pelo feriado comprido, o Carnaval pode ser passado em brancas nuvens. Obrigado novamente por conta do comentário e do sobrinho. Volto aos poucos mas ainda lento por outras razões. Grande abraço!
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