Meu rugido dominical
Pai vem do latim patre (padre) porque costumava-se chamar os membros do clérigo de pai. Mas acho que essa definição é redutora e pode associar um manto de rigidez e disciplina eclesiástica a uma figura que extrapola os contornos da rígida estrutura religiosa.
Pai é o pilar, assim como a mãe, no qual se funda o tripé - pai, mãe e filhos. O pai colabora com a mãe na gestação do filho e, geneticamente, transmite os cromossomos de que somos formados, os filhos, e, culturalmente, os princípios (ou falta de) de que somos feitos.
Hoje mesmo li um artigo no jornal sobre os filhos que desconhecem os pais e que sofrem por portar, na certidão de nascimento, um sinal (* - asterisco) no lugar do nome do pai. Entendo essas pessoas. Foram amputadas de um dos tripés e são, portanto, mancas, deficientes da figura paterna.
Coloquei no cabeçalho do blog a mensagem aos eventuais pais e a falta que esses fazem quando inexistentes. O meu não está conosco há pouco mais de cinco anos e, embora os pais (alguns) tendam a ter um relacionamento algo complexo com os filhos, a ausência deles é extremamente penosa. E só damos por isso (pelo menos eu) quando não mais os temos.
Embora eu não acredite na instituição tradicional do casamento como se convenciona, creio que filhos precisam das figuras masculina e feminina na mesma proporção.
Em outro artigo, li sobre os pais que acompanham a gestação da mulher, as primeiras ultrassonografias, o coraçãozinho que bate ("como uma pedra de anel de brilhante", segundo a feliz descrição de um pai), e que aprendem a dar banho, embalar e fazer dormir o filho. Outros pais mal sabem o que se passa no pré-natal e tampouco se esforçam para entender o que é o processo de gravidez.
Qual é o correto? Não sei. Cada um, pai e mãe, pensam o mundo diferente. Mas o filho desse pai que o assistiu desde o nascimento, por certo, será muito mais íntimo do que aquele pai que torce para que o filho cresça para acompanhá-lo ao estádio.
Enquanto mãe é flexibilidade, pai é rigidez. Mãe pede, pai manda. De repente, é muita generalização da minha parte, mas, na média, do que conheço da vida, funciona mais ou menos assim. A um pai, o filho atende pelo assobio. Meu próprio pai costuma assobiar para chamar meu irmão e a mim. De forma semelhante a animais que o fazem, ao emitir os mais diferentes sons, sempre sabíamos que o assobio era para nós, e vinha do pai, e não de outra pessoa.
Pai é biológico, de adoção, de criação. Pode ser mãe também. Pode ser amado e odiado, assim como fazemos com a mãe. Dizem que repetimos, feito espelhos, nossos pais. Antes, eu refutava essa ideia. Hoje, quanto mais maduro, tanto mais eu acredito que é assim que funciona.
Embora eu não seja pai, vejo meus irmãos a repetirem com os filhos reflexos - ora pálidos, ora vívidos - do meu pai e da minha mãe. Princípios os mais arcaicos que os considerava extremamente conservadores, advindos do meu pai e da minha mãe, talvez eu os aceite mais naturalmente agora.
A presença paterna sempre me fez supor que, de uma forma ou de outra, fecha o anel que circunda a família. A ausência da metade da aliança, na maior parte das vezes, desestrutura a família, seja de natureza matriarcal ou patriarcal. Não estou a fazer uma defesa da tradição e família. Ao contrário. Minha tese é a da adição, da conjunção dos lados masculino e feminino e da importância dessa soma na formação de qualquer ser humano.
Profissional e pessoalmente, não foram poucas as vezes em que constatei o quanto a ausência de um dos dois - pai ou mãe - é capaz de provocar nos filhos. Na adolescência, minha relação com meu pai foi dura. Creio que não nos entendíamos, cada um com ideias completamente opostas ao outro. Depois, com alguma maturidade, isso passou. E foi com amarga surpresa que descobri o seu repentino desaparecimento.
Nós, seres humanos, somos provisórios. Não duramos, com raras exceções, sequer um século. E, ainda que passemos os 100 anos, sentimos as perdas de uma vida inteira. E nos lamentamos. Não quero fazer desse post um lamento, e sim um alento para os pais, todos os pais, que podem, na sua figura, transmitir genes para as gerações futuras e ver sobreviver nos descendentes restos de si mesmos. Mas podem passar também as filigranas desse mundo tão complexo, de ensinar, de alguma forma, conscientemente ou não, de como ser homem ou mulher num universo de homens e mulheres.
Espera-se muito de pais e mães e há, inclusive, no conflito de gerações, momentos (desprezíveis, de resto) em que os confrontamos com o fatídico "não pedi para nascer". Besteira. Isso passa. O que não passa, seja genético ou social, é o sentimento, o poder que ambas as figuras, pai e mãe, nos imprimiram e que carregaremos, queiramos ou não, como tatuagens em toda a extensão de nossos corpos e mentes. É a herança.
Ainda que eu não concorde inteiramente com essas datas comerciais, desejo a todos, pais, filhos e mães, não dia, mas dias felizes de pais, papais, pápis. Que, assim como as mães, sem eles não existiríamos, eu que estou aqui a escrever, e você, que lê esse post-homenagem.
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