Meu rugido dominical
Eu vim de lá pequeninho... diz a música. Digo que vim de lá pequeno, não em idade ou tamanho, mas em pequenez ante a vida. Sabia pouco, muito pouco para o tanto daqui. Hoje, a curva se inverteu e sei menos de lá do que daqui.
Lá é a minha cidade de origem, São Pedro. Aqui é a minha cidade de vertigem, São Paulo. Entre uma e outra, além dos óbvios quase 400 Km que as separam, há uma vida. Algo meio antes e depois.
Aqui, me profissionalizei, amadureci, pastei mais do que lá que tem pastos verdes. Lá, era verde tanto quanto os campos. Aqui, senti a solidão literal, daqueles que a relatam pungentemente. Lá, também fui sozinho na minha interioridade.
Cá, me fiz, de uma forma ou de outra e sou o que sou por ter passado por transformações que só uma cidade pode operar. Mas, sem lá, não teria eu a menor possibilidade de ser o que sou, dado que genuinamente, foi lá que a semente germinou e alguns galhos remanescentes brotaram e amadureceram.
Algumas folhas caíram entre um e outro local. Outras vicejaram. Flores, botões. Que caem e se renovam. Entre uma e outra localidade, alguma água rolou por debaixo de pontes. Que foram várias as pontes que tive de estender.
Talvez algumas pontes caíram entre lá e aqui. Mas a maior parte eu consegui recuperar. E uma grande ponte me conecta entre aqui e lá. Lá é a mina, aqui o manancial. Lá, a cristalina água, dura que perfura. Aqui, pode ser, acredite!, menos dura, mas também perfura.
Dois pontos que se conectam na maior parte da minha vida. Que se alargaram a ponto de ficarem retesados e quase se romperem. Mas que se relaxavam, sempre. Nunca que chegou a se romper, de fato. Hoje, os dois pontos formaram laços.
De um preciso para sentir o cheiro da fonte nascente. Do outro, para beber a vida. Um e outro se completam. Não concebo um sem o outro e seria, aposto, um ser pela metade se não tivesse ambos.
Estive lá por quase duas semanas e, uma vez mais, me embebedei de provisões que, porquanto estejamos no final do inverno, os invernos daqui sucedem-se sem racionalidade. Lá, se tive invernos, os foram tão quentinhos que nem os percebi. Aqui, as estações bruscas pedem fisiologia de camaleão. Lá também, claro. Mas, garanto, o processo é outro.
Uma e outra, as cidades, que não são invisíveis feito as de Italo Calvino, podem me oprimir, cada qual a seu jeito. Podem até mesmo ser invisíveis no registro do dia-a-dia. Mas não abro mão nem de uma e tampouco da outra.
Também não estou com um pé num barco e outro no alheio. Conduzo ambos conforme os rios se me apresentam e mergulho mais ou menos segundo as correntezas. Na medida, se for pesar, creio que consigo encontrar o fio do equilíbrio justamente porque ambas as cidades se me completam e eu com elas.
Não se dizer de força, dureza, aspereza e confronto. Não sei se é a cidade que me dá isso ou sou eu que atiro isso de volta para a cidade. Mas, reafirmo, preciso de ambas. Se vim de lá pequenininho, temo que posso me apequenar de forma irrevogável se uma das duas eu abandonar. Portanto, uno dois santos - São Pedro e São Paulo - e faço com ambos uma linha, talvez um rosário imaginário cujas contas estão aqui, na palma da minha mão.
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