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domingo, 7 de setembro de 2008

Meu rugido dominical


Na última semana, de domingo para cá, metade dos dias foram consumidos em sono: dormi mais nos últimos dias, proporcionalmente, do que o ano inteiro. Como tive febre por três dias consecutivos (não, não foi uma febre de 72 horas porque, se fosse, eu não estaria mais aqui, e sim em coma convulsivo ou qualquer outra coisa), de repente, me dei conta de que o universo de uma pessoa febril, quase inconsciente, é um mundo completamente diferente.


Vivi, esses dias, entre a realidade (telefone, necessidade de trabalhar, de escrever) e um estado de torpor absoluto (sono, febre) onde me pareceu que o cérebro entra em um estágio de atrofia. Fiz duas entrevistas sob esse estado e mal me recordo sobre o que falei e o que ouvi. Me senti com muita preguiça física e mental. Eu pegava um livro para ler e colocava de lado. Eu dormia com o sol e acordava com a noite.

Creio que todo mundo que teve gripe forte sabe do que falo. Você fica meio desconectado do mundo real: sons soam longínquos; as vozes, meio fantasmagóricas; suas reações são pura letargia. Enquanto o corpo combate o vírus, o cérebro se refugia em outro universo e você acaba por não ter controle.

Não sei como é a morte, mas, quando a febre atinge níveis muito altos, me sentia como se não estivesse nesse mundo: tudo era mais gelatinoso, lento, com toques de surrealismo. Não cheguei a ter delírios. Mas, a realidade me escapou várias vezes.

E, ao olhar sob o ângulo de um cérebro com parca atividade, me questiono sobre o que acontece nesses momentos em que nos perdemos, pelo menos por instantes, de nós mesmos. Para onde vamos? Que mecanismos são ativados para nos fazer vagar feito espectros? Será que o corpo prefere se refugiar em camadas desconhecidas e apagar os picos de dor?

É como um resquício de sonho: você não sabe exatamente o que viu, fez e sentiu. Tem apenas vagas lembranças que nunca se traduzem no que realmente ocorreu. Um estranhamento me atinge: o que somos quando, aparentemente, não lembramos de nada? Estou no meio da leitura do livro "Kafka à beira-mar" e um dos personagens, num dado momento, perde a consciência por algumas horas e quando retorna a si, está com marcas de algumas ações estranhas. Porém, é incapaz de recordar com clareza, ou mesmo de forma obscura, o que fez nas horas em que esteve inconsciente.

Não digo que fiquei inconsciente quando com febre, mas, houve momentos em que pensei ter feito alguma coisa ou falado com alguém e depois o registro se foi, sem possibilidade de ser verificado. Dizem que aproveitamos muito mal a capacidade do cérebro. Imagino que são essas regiões mal-aproveitadas que escondem as atividades das quais não temos lembranças. Tive, durante a gripe, conversas longas ao telefone. Mas, de fato, me recordo muito pouco do conteúdo. Lembro que o meu maior desejo, em todas as horas, era dormir: havia em mim uma força que me empurrava ao sono. Calculava dormir duas horas e quando acordava, haviam passado cinco horas.

É tudo muito estranho. É o equivalente do "branco" da bebida, ainda que muitos refutem essa inconsciência. Mas, é fato. Muitas vezes, tive "brancos". Creio que não foram graves a ponto de atingir terceiros, mas, foram esquecimentos de coisas triviais: o caminho percorrido, as conversas, as últimas observações.

O cérebro torna-se, de repente, um completo estranho. Não mais um aliado na busca de respostas. Ao contrário, me vejo vítima de mim mesmo. Para onde vão parar essas horas perdidas para a inconsciência? Em que arquivos ficaram inscritos esses momentos nebulosos? Será que dá para fazer um restore disso tudo? E por que o cérebro esconde os subterfúgios da dor, da inconsciência e das coisas imprecisas?

Geralmente, valorizamos o estado racional das coisas. Tomamos cuidado com cada passo, palavras, gestos. Quando você vê uma pessoa cujos níveis de inconsciência estão altos (por bebida, mais frequentemente), você deve ter imaginado que não gostaria de ficar daquele jeito: "Ai que medo de ficar assim!", diria um professor meu. Sim, tentamos nunca ficar assim. Mas, a maior parte de nós tem seus momentos de inconsciência, de privação momentânea da razão. E a emoção, ou qualquer outro sentimento, hostil ou não, emerge, de pronto. Quem é a pessoa real? Aquela que, por alguns instantes, surge da falta de consciência ou a outra, a velha conhecida, dominada por racionalidades?

Se penso a fundo nessa questão, creio que nas áreas de sombra do cérebro convivem ambas as criaturas - a primitiva, liberada por álcool ou pela febre, e a condicionada, engessada por uma série de condições sociais. Se fossemos, todos, liberados em febre ou alcoolizados, com a perda momentânea das faculdades dita normais, seríamos bichos?

Talvez seja por isso que o cérebro oculte esses "passeios". Para que não nos vejamos como somos na mais alta essência. Creio que isso me conecta diretamente ao mais primitivo dos animais da natureza: no momento da perda da consciência social, sou livre de uma forma que não nos é permitida. Porque, no limiar dessa permissividade, quem sabe, sejamos apenas irracionais e, portanto, nos é interditado o território oculto que a dor e o álcool liberam. Ai que medo de ficar assim!

3 Comentários:

Anônimo disse...

permita-me discordar do raciocínio, tantas e tantas vezes repetido sob as mais diversas vestes. o erro está sempre lá, a meu ver, claro, e o erro é este: Quando sob efeito de alcool (não estamos a falar de coma alcoolico)a "essência" que libertamos, o bom e o mau, as emoções e as desrazões, tantas vezes pensamentos muito lógicos, - está igualmente condicionada por tudo, pela sociedade, pela memória, por todas as referências construídas até então, incluindo "saber que estamos alcoolizados"! Somos igualmente HUMANOS e nada próximos do ANIMAL. O animal-natureza não é o "bicho" como eu o entendo. O bicho é a não.natureza no humano, que a nossa razão construiu. Sob o efeito do alcool, posso ligar-me mais às emoções, sim, mas às minhas e são bem humanas elas, não são primitivas ou animalescas, a não ser, talvez, neste aspecto: reflectem a necessidade de estar bem, em harmonia com o ambiente (interno e externo). Não vou terminar a divagação. não posso agora.

Redneck disse...

Red Herring, meu caro. A você (e a todos) é permitida a discordância sempre. Claro que não pensamos da mesma forma. Olha como as coisas me chegam. Como eu disse no post, estou na leitura de "Kafka à beira-mar". Eis que, de repente, sou confrontado com o seguinte trecho: - Red herring - diz Oshima. A mulher de nome Soga se mantêm em silêncio com a boca rigidamente entreaberta. - Em inglês, existe essa expressão, red herring. Refere-se a coisas usadas para desviar a atenção do tema central da discussão. Arenque vermelho. Não sei a razão da expressão porque não sou especialista no assunto, mas ... Arenque ou cavalinha, o que me importa! O fato ee que o senhor está se esquivando. - ... falando com mais precisão, estou substituindo uma analogia por outra - completa Oshimsa. Aristóteles já dizia que este é um dos recursos de retórica mais eficazes." Então, meu caro, creio que estamos ambos a praticar uma retórica red herring o tempo todo, nos esgrimindo de um lado e outro, com os mesmos ou diferentes objetivos. Ainda que eu não concorde com a sua visão sobre o que discorro, aceito a retórica. Se a repito ad infinitum é porque nada me foi dado em resposta e por isso tenho que escrever, escrever e escrever. Assim como você. Mas, não se furte ao diáologo intracontinental. Repito: a retórica me agrada. Abraço, Arenque Vermelho!

Anônimo disse...

caro extra-continental: temo discordar de novo... se me disser em que estou a usar da "manipulação" (tradução mais óbvia para red herring), terei todo o gosto em ouvi-lo, pois cada vez mais convencida que é a mim que tentaram desconcertar, desviando do real a atenção, para o acessório. A mim sim, resta-me a retórica, aqui, o "diálogo" por assim dizer, mas já empreguei muito tempo, razão e emoção, a "confrontar" as pessoas com perguntas, pessoalmente. Com muito descaramento, algumas, assobia para o lado e lançam-me areinhas para os olhos pequenos. Já me disse aqui que sabe coias que eu não sei, sobre mim (?!), com estas ou parecidas palavras, o que não me parece uma afirmação "intelectualmente honesta" (digmos que o antónimo de red herring). O facto de assinar como anónimo e ser reconhecido é prova do que afirmo, e por tal não me dou ao trabalho de me identificar mais do que isto.

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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