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domingo, 1 de agosto de 2010

Meu rugido dominical



Há um projeto de lei do presidente Lula em andamento, enviado ao Congresso Federal em julho, cuja proposta, basicamente, "estabelece o direito da criança e adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante." Em resumo, é a lei da Palmada, que proíbe os pais de punir os filhos com palmadas, beliscões e castigos físicos.


Pesquisa do Instituto Datafolha feita com 10.905 pessoas revelou que 54% dos entrevistas são contra esse projeto e 36% são a favor. Outros dados da pesquisa mostram que os meninos apanham mais e as mães (69%) batem mais do que os pais (44%). Dos entrevistados, 72% sofreram, quando crianças e adolescentes, castigos físicos e 16% apontaram que essas punições aconteciam continuamente.


Não sou pai. Não sei dizer se puniria meus filhos com castigos físicos. Eu mesmo apanhei na infância. Bastante. Hoje, não tenho elementos para afirmar que apanhei necessária ou desnecessariamente. Me lembro de algumas surras mais doloridas do que outras e me recordo também de que o castigo físico era uma incógnita: quando achava que estava a salvo, apanhava. E quando havia cometido algo muito grave, tremia feito vara verde de medo da própria que se converteria em objeto da surra e, alívio, o castigo não acontecia. Portanto, era como um mercado de risco: ora em alta, ora em baixa, as ações que levavam ao ganho equivalente em punição física eram muito instáveis e nunca estavam ancoradas em um determinado padrão.


O projeto de lei, evidentemente, é polêmico: envolve o poder pátrio que dá aos pais encargos de vida (concepção) e morte (em casos de agressão extrema que levam filhos ao falecimento) sobre a prole. Sempre haverá os dois lados: um, de filhos rebeldes que, a determinado momento, podem lançar a indefectível bravata "eu não pedi para nascer" (eu mesmo fiz uso dessa frase algumas vezes, ora com algum efeito, ora como apenas mais um resmungo no colar de adolescentes que se acham espertos). O outro lado é o dos pais, que, atualmente, tenho para mim, estão perdidos entre dois extremos: ser pais e profissionais e conciliarem as duas atividades e ser pais pela metade ao franquear aos filhos uma série de liberdades numa espécie de "moeda de troca" da afetividade ausente pela liberalidade compensadora do dinheiro, dos limites (esgarçados a se perder de vista) e até mesmo do sexo (fazer sexo no quarto de casa, com a mais completa aquiescência dos pais).


Venho de uma geração a meio do caminho entre a zona rural e a zona urbana. Fui criado numa área rural onde os valores são, sim, mais brutos. Por tudo: pela falta de informação, pela ascendência dos mais velhos, pela rotina dura do labor da roça. Ao mesmo tempo, a transição para a cidade, se trouxe mais acesso à informação, perdeu, no meio do caminho, uma pureza que havia no meio rural. Alguns valores, na minha casa, independentemente se rural ou urbana, permaneceram os mesmos até os dias de hoje. Outros tiveram que ser revistos e absorvidos por influência da própria sociedade, dos tempos e das novas gerações que chegam.


Ainda não sei se sou a favor ou contra as palmadas mas posso afirmar, pela minha própria experiência, que não carrego, ao menos conscientemente, quaisquer traumas que sejam por ter sofrido punições físicas na infância e adolescência. Também não sei, por não ter tido a experiência, de como seria a minha vida se não tivesse levado palmadas e outros castigos físicos. Portanto, qualquer avaliação de minha parte carece de fundamento.


Por enquanto, minha rejeição vai mais além. Sou contra a ampla e irrestrita interferência do Estado dentro do âmbito familiar. Ao Estado cabem exceções, e não regra. Portanto, não cabe uma lei que diz ao cidadão como conduzir cada fiapo da vida privada. Isso muito nos aproxima da supressão das liberdades individuais que se abateram sobre as pessoas nos EUA depois do 11 de Setembro. Uma série de proibições e novas obrigações (como a horripilante revista nos aeroportos mundiais em que temos que nos quedar quase nus no portão de embarque) cerceou como nunca antes (talvez apenas na Idade Média) as liberdades e garantias individuais. Essa intromissão do Estado na vida privada me preocupa e a vejo em fase expansionista, no Brasil e no mundo.


O que sei é que vejo pais da minha geração num constante conflito em prender (limites) ou soltar (liberdades) o cabresto e, conforme a prole, sofrer mais ou menos com isso. Posso dizer que há pais que conseguem se equilibrar na tênue linha que separa os dois mundos - do limite e da liberdade - e apenas afrouxam ou apertam mais os freios conforme o momento. Outro os há que pendem por completo de um lado (limite) ou de outro (liberdade) e perdem o controle nos dois casos.


Vejo casos de pais que algemam os filhos em casa por causa dos vícios, drogas, sobretudo. Há extremos em que a mãe matou o filho porque estava na iminência de ser morta por ele. De novo as drogas. Em outros casos, a história se repete: filha de 13, 14, 15 anos fica grávida, não obstante o acesso à informação e à proteção. No caso, isso ocorre independentemente de classe social. Acontece em todas. Em outros, filhos de 16, 14 anos transam na frente das câmeras na internet para atrair seguidores no Twitter. E há casos, ainda, de adolescentes que se valem do Estatuto da Criança e do Adolescente (que é genérico sobre o tema 'castigo físico') para enquadrar os pais quando se sentem ameaçados. Conheço um caso particular de um adolescente de 16 anos que processa o pai por omissão (de presença).


Já sob o risco de ficar sobre o muro nessa questão, ao invés de "Filhos, melhor não tê-los. Mas, se não os temos, como sabê-los?", prefiro "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa (humanidade) miséria". As citações são, respectivamente, do poeta Vinícius de Moraes (em 'Poema Enjoadinho') e do escritor Machado de Assis (em 'Memórias Póstumas de Brás Cubas'). E você, é Vinícius ou Machado?

4 Comentários:

J. Gabriel N. disse...

Estou com Machado e — apesar de ser a favor da lei (pois concordo com isto aqui http://is.gd/dXr9p) — devo dizer que o direito dos cidadãos maiores de idade aplicarem e receberem palmadas uns nos outros, nas melhores e mais pervertidas das intenções, jamais deverá sofrer intervenção do Estado!

Redneck disse...

Gabriel, valeu o comentário. Um dos maiores prazeres de se ter um blog é a possibilidade de, com ele, interagir. Para mim, basicamente, é a função de um blog: estabelecer contato. Também estou com Machado e, como eu escrevi no post, o assunto é polêmico e ainda não estou bem resolvido sobre isso tudo. Agora, quanto à segunda parte do seu comentário, defendo ardentemente o direito às melhores e piores perversões, inclusive a de que se aplique e se receba as palmadas conforme a vontade de um lado e outro. Claramente, sem a interferência do Estado, do papa ou de qualquer outro juízo, moral ou imoral. Sou pela liberdade de costumes, taras e perversões. Sou praticamente um adepto!!!

João Roque disse...

Como tu, apanhei umas palmadas quando crianças, quase sempre maternais, mas na altura devida e nunca dolorosas fisicamente, mas sim psicologicamente, como era decerto intenção de quem as aplicava.
Não sou apologista disso, mas também não o condeno, desde que seja feito da forma como eu as "sofri".
Não reconheço a nenhum Estado autoridade para me impedir de educar os meus filhos da forma mais conveniente, exceptuando, como é óbvio, quando o excesso de rigor é condenado social e legalmente.
Não tenho filhos, mas se os tivesse (como eu gostava), acho que pouco usaria esse método, pois tenho formas bastante convincentes de fazer ver a uma criança que errou, sem ser o uso de qualquer violência física.

Redneck disse...

João, o assunto é bastante delicado e está relacionado ao universo familiar de cada um de nós. Mas também eu acho que, se pai fosse (nunca quis sê-lo), o seria sem o uso de punições físicas porque, em toda a minha vida, jamais levantei a mão para quem quer que fosse, embora tenha sido, mais vezes do que gostaria, agredido fisicamente. Não acredito na violência, física ou de qualquer outra forma. E nem é por formação. É por princípio mesmo. Sou totalmente contrário a agressões. Mas estou longe de ser passivo a agressões. Isso não significa revide. É complicado de qualquer forma e torno a afirmar que o Estado não tem nada que ver com a vida privada. Beijo!

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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