Meu rugido dominical
"É um ambiente hostil e potencialmente mortal para seres despreparados. Altas temperaturas causam perda rápida de água devido ao suor e à ausência de fontes de água para recuperar o líquido perdido, o que pode resultar em desidratação e morte em poucos dias. Os seres humanos desprotegidos também ficam sujeitos ao risco da insolação. Os humanos podem ter de se adaptar às tempestades - e não apenas nos seus efeitos nocivos para o sistema respiratório e olhos -, mas também nos efeitos prejudiciais sobre os equipamentos como filtros, veículos e outros."
O texto acima faz parte de uma descrição rápida do deserto do Saara, na África. Mas poderia se referir à cidade de São Paulo que, desde a semana passada, sofre sob um inclemente clima que fez a umidade relativa do ar chegar a 10% (em agosto do ano passado). No deserto do Saara, a umidade relativa média varia entre 5% e 15%. Em São Paulo, tivemos 13%, 15% na mesma semana.
Isso significa que vivemos numa cidade que, ora por conta dos fatores climáticos, ora por iniciativas políticas, praticamente está à mercê de grandes catástrofes. Eu sempre temi a possibilidade de São Paulo sofrer um terremoto. E, sim, temos registro quase anuais de tremores na zona central da cidade. Pequenos abalos que são registrados por moradores no lustre que se balança, na sensação de enjoo e de tontura. Mais: tenho certeza de que, em algum momento, nos próximos anos, registraremos a primeira ocorrência de neve na cidade. É questão de tempo.
Mas essa não é uma questão local. São Paulo é apenas mais um exemplo do que acontece no mundo: dos mais de 40 graus centígrados na Europa aos deslocamentos cada vez mais rápidos de icebergs vindos do Ártico, é um fato que a temperatura média na Terra se eleva em patamares jamais vistos antes.
Em geral, não sou catastrofista, predisposto a pregar o fim do mundo, com choro e ranger de dentes que se somam às gigantes catástrofes naturais que assolam regiões como New Orleans, os países orientais devassados pela tsunami, os tremores que soterram centenas e milhares na América Central e na China.
Contudo, a sensação que tenho é que seremos solapados por eventos cada vez mais frequentes e precariamente previstos. E, de forma ainda pior, jamais estaremos, pelo menos por aqui, no Brasil, preparados para tais eventos.
Como morador de São Paulo por um período razoável, registro, por minha conta, uma mudança no clima da cidade. Onde havia, nas manhãs brilhantes, uma nuvem branca de neblina que dava uma coloração juvenil à cidade, hoje temos faixas de poluição a tomar conta da linha do horizonte. Ao pôr do sol, equivoca-se quem pensa que o amarelado/alaranjado do céu é poético. Está mais para profético, com os prenúncios de um mundo em colapso.
Neste domingo mesmo mal consigo respirar. As narinas fremem, doem. A pele está seca, feito o leito de um rio extinto. Toma-se água, um litro, dois, três. E nada é capaz de conter a sensação de secura, de mal-estar.
Olho para as árvores ao redor de casa e tudo o que vejo são galhos esturricados. Pobres árvores. Pobres aves que as habitam. Pobres de nós que, inclementes, continuamos a persistir com nossas individuais emissões poluentes.
Na última sexta-feira, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), pediu que os motoristas deixassem os respectivos carros em casa para ajudar na melhoria do ar da cidade de São Paulo. Nesse mesmo dia, eu estava agendado para fazer a inspeção veicular do meu próprio automóvel (que, casualmente, eu não uso para trabalhar; vou de ônibus e, graças à gentileza de uma colega e vizinha, volto de carona). É o programa de inspeção ambiental veicular, o Controlar, que tem como mote ajudar a melhorar o ar de São Paulo. Na minha opinião, é apenas mais um meio de sacar dinheiro do bolso dos paulistanos. Na prática, veja só: em São Paulo, o rodízio de veículo - a cada dia, dois finais de placa são proibidos de circular no centro expandido (um perímetro entre 7 a 10 km a partir do centro da capital) das 7 às 10 horas e das 17 às 20 horas - não resolveu nada em termos de poluição, motivo pelo qual foi implantado. Na semana passada, o rodízio completou 15 anos e não resolveu nem o problema ambiental e tampouco o congestionamento no trânsito, que passou a ser o principal motivo para mantê-lo.
Nunca soube de nenhuma medida ampla que, por exemplo, incentivasse o plantio (e manutenção) de árvores pelos moradores. Vi na TV, também na semana passada, uma experiência de um edifício em Tóquio que é, literalmente, atravessado pelo verde: na fachada e também no interior, onde existem verdadeiras lavouras e jardins. Magnífico. Tenho cerca de dez plantas dentro de casa. Valorizo o verde. Nasci no mato, no meio do verde, e vivi esse verde por mais de 15 anos. Quando estou no interior, não tenho problemas de respiração, meus olhos não congestionam e não sinto como se estivesse num Paris-Dakar. Reparei agora mesmo que no meu ambiente de trabalho, pelo menos à minha volta, há apenas uma planta. Para mais de 40 pessoas! Nem mesmo eu tenho uma planta na minha mesa!
Você pode sugerir que eu volte para o meio do mato. OK! Mas isso é uma solução individual, paliativa. Com o tempo, a continuarmos assim, estaremos todos, urbanos e rurais, no mesmo deserto. Sem oásis.
2 Comentários:
As tuas preocupações são reais e não se registam essas alterações apenas em S.Paulo, mas em todo o mundo.
Ontem estiveram 42ºC aqui em Lisboa e o que se nota é que quase desapareceram as estações intermédias.
Para onde caminha o mundo?
Para onde está o Homem a conduzir o mundo?
Pois é, João, hoje, domingo, faz uma semana que escrevi este post e, olhe só a incoerência: de ontem para hoje, aqui em São Paulo, a temperatura caiu de quase 30 graus para quase 15 graus. Ou seja, desabou, de uma hora para outra. Se ontem estava impossível respirar por conta da falta de umidade (14%) e do calor, hoje estamos encapotados, com frio. Até mesmo o Brasil, de tropical a temperado, está mais estações fixas, duras, sem intermediárias. Alguma coisa está errada, é óbvio. Beijo!
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