Meu rugido dominical
Existem algumas ondas que, de tempos em tempos, estouram nas praias brasileiras, vindas sabe-se lá de que mares! Essas ondas começam com brisas fracas, crescem em volume na medida em que são alimentadas por ventos e algumas tempestades e, por fim, arrebentam. No mais das vezes, acabam em espuma, como, de resto, todas as ondas. Todo mundo acha que conhece o secret point (onda secreta). De fato, se todo mundo acha isso, de secret, o point não tem nada, não é? Mas o fato é que o swell (sequência de ondas perfeitas) depende mais do acaso do que de doutrinas, isso sim!
Uma das mais apreciadas ondas neste momento pelos surfistas que se dizem antenados com as melhores práticas para alisar em boa formação é a política da sustentabilidade. Acho isso tudo tão inconsistente que, no final, todos - quem acha que conduz a prancha e quem assiste - acabam por tomar um bom caldo.
Assim, ao invés de entubar a onda, o surfista é por ela entubado e acaba em banco de areia ou, pior, no inside (arrebentação). Todo cuidado é pouco para evitar tanto as marolas quanto as tsunamis porque, para furar a onda e ir além dela, é preciso um pouco mais do que marketing e conceitos sem consistência.
Por definição, sustentablidade é um conceito relacionado à continuidade de aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais da sociedade. Ao mesmo tempo em que as pessoas precisam preencher suas necessidades, têm que preservar a biodiversidade e os ecossistemas naturais. Ou seja, se você consome - qualquer coisa - deve fazê-lo de forma consciente. Os requisitos da sustentabilidade são a prática da ecologia, viabilidade econômica, justiça social e práticas culturais aceitas.
Agora, transposto esse conceito para o ambiente corporativo, que é o que tem feito um sem-número de empresas, percebe-se, como sempre, que os surfistas nadam, nadam e nadam para morrer na areia. Ocorre que o conceito, na essência (e no qual eu não acredito nem um pouco), ao ser assim usado, se banalizará da mesma forma que a qualidade prevista pelos padrões ISO (International Organization for Standardization ou Organização Internacional pela Padronização). Tantas e as mais inúmeras empresas correram atrás de certificados de qualidade ISO que mais ninguém dá a menor bola para isso e, tenho comigo, o ISO se flexibilizou tanto a ponto de a qualidade ser apenas uma palavra solta. Basta observar algumas empresas de call center que têm certificações de qualidade ISO e ser atendido(a) por elas para confirmar, na prática, que tal qualidade, certificada ou não, é uma ilusão.
Da mesma forma, quando as empresas fazem marketing sobre sustentabilidade disso e daquilo, eu olho e ignoro. É apenas uma onda. Que será furada em breve pela banalização a pretexto de venderem mais e mais. Vender. Esse sim é um conceito legítimo porque é para isso que foram criadas as empresas e seus produtos e serviços. Por enquanto, alguns grommetts (surfistas jovens, iniciantes) acreditam nessa onda.
Eu, como haole (surfista de fora, forasteiro), duvido muito dessa e de outras ondas que desaguam todas em todas as praias. Espumas, todas elas. Apenas espumas. Escrevi antes que não acredito na essência do conceito de sustentabilidade e explico porquê: como ser sustentável se nem ao menos temos, a maior parte de nós, sustentação financeira para sobrevivermos?
Odeio as campanhas, como a atual, de uso de sacolas de tecido ou qualquer outro material em oposição ao uso das sacolas de plástico dos supermercados. Gente! Isso é nada! E o lixo que separo, semanalmente, na minha casa? É um engodo! Separo o lixo orgânico do lixo reciclável há anos apenas para saber que a cidade de São Paulo, no meu caso, não tem capacidade para processar o lixo reciclável e, portanto, mistura tudo nos mesmos lixões dessa cidade! Isso é sustentabilidade? E vêm as cadeias de supermercado me ensinar a trocar a sacola de plástico por outra, que vendem? Bulshit!
As mesmas redes de supermercados que poluem com barulho e sujeira e vendem uma série de produtos vencidos (caso do Extra da Brigadeiro Luis Antonio) para trouxas que compram de imediato essas ideias de sustentabilidade! É de causar indignação!
Por isso, faço minhas as palavras de um colega que disse que, se uma empresa precisa fazer campanha de seus projetos sustentáveis, muito provavelmente esses projetos não se sustentam sobre si mesmos. Se você precisa vender a ideia ao invés de colocá-la em prática e obter adesões voluntárias, é porque sustentabilidade, em si mesma, acaba de, como a qualidade (e ISO 9000, 14000 e outras certificações), tornar-se mais um selo para apor no produto ou no serviço na hora de, adivinhe!, vendê-lo. E é só isso.
Portanto, read my lips: é a economia, estúpido! É só isso que move o mundo, nada mais. No surf, a crista da onda chama-se lip. Na vida real, lip é lábio e a frase "Ready my lips: it's the economy, stupid!" serviu para alavancar a campanha de Bill Clinton e levá-lo à Casa Branca nos EUA. No nosso caso, particularíssimo, é apenas lábia. Uma onda quebra-côco, oca, que não dá ao pobre surfista a menor chance de entubá-la, quanto menos de surfá-la.
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