No Natal eu venho me buscar
Ainda que eu não seja uma ave de arribação, tenho uma tendência migratória: faço, anualmente, o caminho de regresso para casa. Convenciona-se chamar de casa, ou pelo menos eu mantenho essa convenção, àquela a partir da qual fomos gerados para o mundo. De fato, casa é onde se está. Mais: casa sou eu mesmo, ao modo das tartarugas que carregam o próprio lar nas costas.
Mas empreendo todo ano uma espécie de romaria ou, para situar no período, uma via sacra. E é praticamente um hábito religioso que repito todos os anos, com raríssimas quebras. Assim, aponto meu bico de ave que não é ave para a região Oeste do Estado e vou. Sim, embora ave não seja, meio que voo. Depois, as multas voam atrás de mim.
E, mais uma vez, chega a hora da migração periódica. Todo ano prometo me fazer mais presente lá na casa da minha mãe. É lá que está a maior parte da minha família. Todo ano não cumpro a promessa. Este ano estive lá no começo de janeiro, na beira dos estertores de 2008, e depois em julho. E foi tudo. São quase 400 quilômetros de distância mas não é a distância física uma barreira, e sim a forma como levo a vida. De julho para cá, trabalhei todos os dias, de domingo a domingo, e apenas na semana passada houve um alívio.
Estou bastante cansado e estressado. Andei a reclamar por aqui vez ou outra desse esforço e sempre li de volta palavras que dão alento. Embora eu pareça refratário, afirmo que não sou e, para fazer ainda a analogia com as aves, mais vale uma palavra de incentivo aqui escrita por um(a) leitor(a) do que atitudes que não chegam a se concretizar e pairam feito penas ao vento, sem direção, a flutuar no espaço cada vez mais rarefeito da vida cotidiana.
Nesses cinco meses, entre julho e agora, passei, das 24 horas do dia, ao menos 16 horas colado à tela do computador. Por tudo: por trabalho, pelo blog, pelas redes sociais e, por fim, para me dedicar aos social games, os jogos atrelados às redes sociais que, como a milhões de outras pessoas no mundo, me fizeram um viciado diário.
Tenho uma relação mal resolvida com o mundo virtual: amo e odeio e isso pode ocorrer nas mesmas proporções. Amo porque se me abriu não apenas janelas, mas um portal inteiro, um imenso mar de pessoas, um universo pelo qual transitam seres deste planeta - quiçá de outros, nunca se sabe - e que estão, numa ilusão de ótica, simultaneamente tão perto e tão longe. Amo porque todo o ambiente da internet me fez conhecer pessoas novas. Que eu amaria ainda mais conhecê-las pessoalmente. Pois que me acompanham por aqui de uma forma que nem as pessoas reais, que me estão próximas, por vezes conseguem me acompanhar.
Odeio exatamente pelo mesmo motivo: por não poder trespassar a tela, atravessá-la como se um portal fosse e conhecer e me dar a conhecer às pessoas (OK, me dar é mais exato, admito). Que tudo que tenho desses seres que se encontram nessa massa esfera binária que, em combinações 011011001100110110, nos transformam, a todos, em pessoas de carne e osso, para além de nossos avatares, nicknames, fotografias e metáforas de todas as formas, são, por enquanto, relâmpagos de vidas que riscam essa estratosfera virtual.
Portanto, eu coloco de lado a virtual life, que acho, sim, uma second life tão rica quanto a first life pode ser, e vou para a real life. Vida real. Volto, uma vez mais, filho pródigo, para os meus.
Deixo a FarmVille em que planto e realizo colheitas virtuais para a terra que me viu nascer.
Deixo a famiglia do Mafia Wars e vou para a família a qual eu pertenço.
Deixo o Café World para tomar café de casa, feito na hora.
Deixo o Happy Aquarium para alimentar os peixes reais do açude do sítio em que nasci.
Assim, este blog e blogueiro pedem arrego e entram ambos em recesso. Que o gene recessivo do ano foi completamente coberto pelo gene dominante. E que, embora eu tenha tido excelentes resultados em muitas coisas, noutras predominou um certo desalento que, por fim, me abateu mais do que eu previa. Mas é para isso que voo em sentido contrário. Para me recompor. Para trocar as penas. Para sentir a vida real mais do que a virtual.
Formo fileira com aquelas pessoas que não têm muito apreço ao Natal. Nunca gostei da data, mesmo antes de identificá-la com o significado comercial que tem atualmente. Não sei nem explicar porque. Talvez seja porque não fui formado com um espírito natalino, de um papai noel que trouxesse presentes e me encantasse. Talvez porque nunca houve neve. E talvez porque no fundo eu era um incrédulo desde sempre.
Mas eu gosto do período em si que antecede e precede o Natal. Do fato de podermos, na minha casa, finalmente nos juntarmos a todos. É a única ocasião que acontece isso por mais que nos prometamos uns aos outros o contrário. O tal do espírito natalino ao menos tem o mérito de nos por em torno de uma mesa, uma casa e fazer daqueles instantes um mundo particular.
Gosto também da passagem de ano. Já passei sujo, no sentido estrito de não me banhar horas antes, descalço, sem camisa. Tive o maior prazer porque passei, um ano, a altas gargalhadas. Por tudo e por nada. Livre de qualquer outro pensamento. Acho que somente pelo prazer de estar onde estava com as pessoas que importavam. Antigamente, lembro que eu costumava me preparar cerimoniosamente para a passagem do ano: roupa branca, nova, um banho de purificação, um preparo para o que viria. Isso acabou. E não faz falta. São besteiras. Agora, o que importa são outras cerimônias, mais intangíveis porém mais importantes.
Se tenho algum sonho para 2010? Sonhos os tenho todos os dias. Sonho acordado inclusive. Sonho muito para mim mas não sou do tipo que acorda e acredita que a vida é pesadelo. Embora eu creia que a vida não é sonho, também não é pesadelo, certamente. Prefiro dizer que alimento perspectivas. Porque os sonhos pertencem ao universo dos sonhos e é lá que ficam, no reino do inconsciente. As minhas perspectivas para 2010 são muitas. Mas tem uma, particularmente, que a mim me daria muito prazer efetivá-la: gostaria de ir para Portugal e conhecer uma porção de pessoas que me visitaram o ano inteiro e que dialogaram comigo neste espaço. Não vou nominá-las porque sempre que se procede assim ou se peca por falta ou por excesso. Essas queridas pessoas, ao me lerem, se saberão citadas.
Durante este ano de 2009, alimentei, para o regozijo dos amigos, uma ideia fantasiosa: a de que iria me casar. O detalhe é que existe apenas uma pessoa nessa história: eu. A não ser que eu me casasse com um poste ou um boneco inflável, nunca existiu essa possibilidade. Durante o ano inteiro, esvaziado que foi pelo término da faculdade de gastronomia que fiz entre 2007 e 2008, não conheci praticamente ninguém (na vida real, quero dizer). Dos conhecidos, são todos amigos e, a não ser por um desatino, não me vejo casado com ninguém que conheça atualmente. Portanto, a ideia de casamento foi, essa sim, uma fantasia - não cultivada, devo frisar - que pertence ao tal universo dos sonhos. O ano termina e eu não estou casado. Se estou infeliz? Não. Mas não estou feliz também. Estou a meio caminho entre perspectivas e sonhos. E que ambos se realizem, a despeito de eu acabar de desmerecer os sonhos. Sei lá. Vai que...
Desejo a você, amado(a) leitor(a), muita coisa. Mas não vou repisar os cumprimentos habituais que se fazem nessa época. Não gosto disso. Só quero dizer que desejo mentalmente que cada um de vocês, amigos(as), conhecidos(as) e anônimos(as), realize suas perspectivas e, porventura, eventuais sonhos, na medida em que acreditam nas primeiras ou nos segundos.
Este é, assim, o último post do ano. Porque no Natal eu mesmo venho me buscar e me levarei para a outra dimensão, a real. Nos vemos - modo de dizer, né! - no ano que vem. Abraço, beijo e o que mais você quiser. Que tudo o que quiser lhe será concedido (eu repito isso para mim mesmo até acreditar). Até logo!
20 Comentários:
só vou "responder" agora pois não tenho resposta alguma, palavra nenhuma serviria para concretizar este meu sonho: te explicar o que SORVI (acho que é o termo mais preciso)ao longo da leitura deste seu "post"... terminou?!... é isso, acho que parecia que não ia acabar. Bom, depois eu te "respondo" como deve ser. que coisa isso! bjpronto e a gente te aguarda no portugáu!!!! (hoje teve abano)
bendita moderação de comentários! não publica meu anterior. Deixa eu me expressar melhor!
Feliz Natal a você... me despedi de Farmville ha um tempo
agora já publicou, perdeu a graça... fica o não dito pelo dito, pravariar! boas férias!
A Internet não oferece o calor humano. E esta altura é a melhor para o dar e receber. Abraço
Unitrapped, o "não-dito pelo dito" diz mais do que o dito, efetivamente, neste tempo em que nos correspondemos. Creio que já "sorvi" sua resposta em grandes taças. Mas, atenção, que não me embriaguei delas não. Sempre estou pronto para a próxima dose. By the way, obrigado por me aguardar em Portugal. Quem sabe não demora eu eu desembarco nas lusas terras, quem sabe. Eu coloquei a moderação de comentários porque não passa um dia sem que entrem comentários escritos em mandarim e que vendem desde Viagra até asiáticas menores de idade e travestis tailandeses. Como seria uma overdose misturar tudo isso, tive que passar a moderar os comentários para não morrer sufocado por tanta oferta de sexo. Obrigado pelo desejo de boas férias. Nos reencontramos neste espaço (humpf!, preferia que fosse em outros terrenos) em janeiro. Beijo!
Mauri, te desejo um excelente Natal e um 2010 ainda melhor. Quanto ao Farmville, talvez por eu ser natural da terra, no sentido estrito do termo, não consigo me desvencilhar da roça, nem que seja a virtual. Abraço!
Speedy, pois ao comentar isso você acabou de me fornecer o calor humano, pode acreditar. Um ótimo ano novo para você. Abraço!
Redneck
Irei procurá-lo no Facebook... quem sabe se seremos vizinhos de farm.
Desejo-lhe umas Festas Felizes e um excelente ano de 2010.
Happy holidays and best wishes for 2010!
Abraços
António
P.S.: Também vou estar ausente do meu blogue e da blogoesfera durante uns dias.
Todo fim de ano faço a mesma coisa que você, me desligo de tudo e volto ao único lugar onde tenho a certeza de que, o que quer que eu faça, o que quer que eu seja, serei sempre bem vinda e amada. Regarrega minhas energias.
Feliz Natal, e que o próximo ano seja ainda melhor que todos os que já passaram.
Possivelmente já não venho a tempo de te desejar que passes esses dias bem na companhia da tua Mãe e restante família (melhor..que tu recebas esses votos, pois a tempo vão sempre).
Eu também peco do mesmo, prometo e não cumpro uma maior assiduidade junto a minha Mãe, mas estarei com ela de 23 a 26...
Nesse teu texto - estupendo, como sempre - falas da importância que a vida virtual tem na tua vida real e na vontade de por vezes querer partir o visor e abraçar alguém do "outro lado" (no meu caso, por razões óbvias o caso agudiza-se)!
E fico muito feliz de incluíres uma tua visita a este cantinho´da Europa, que também é teu, nos teus desejos do próximo ano; como seria bom abraçar-te, meu amigo...
Quanto ao casamento, e se descobrires alguém por aqui que te agrade, até poderás eventualmente efectuá-lo de imediato, caso as coisas evoluam bem no caso do casamento entre pessoas do mesmo sexo, como parece tudo indicar, eheheh...
Mas acredito que isso seja um sonho, que é legítimo, mas que não te obceque...
Como dizes, e bem, nem estás de todo feliz, mas também não és infeliz; mas não haverá na terra brasileira alguém que te cative (ai "O principezinho") e que seja cativado por uma pessoa com os teus méritos????
Um 2010 cheio de coisas boas, meu amigo do coração.
Beijão.
Olá Meu amigo, te desejo um Feliz Natal e um Feliz Ano Novo pra você e sua Família até 2010!!!
Este mês o Ó Com Copo comemora 1 ano e é muito bom ter seu Blog fazendo parte desse nosso vórtice de palavras...
"Todo indivíduo possui um potencial criador incomensurável. Um vórtice de idéias e ideais que se misturam ao acaso. Letras, palavras, sons e silêncio. Escrever é compartilhar sentimentos. Então, façamos desse vórtice um devorador de emoções. Escrevam e compartilhem."
Boas Festas!
E que 2010 seja um ano de muitas inspirações!
Roberto Ney ( Blog Ó Com Copo).
Paso para decirte que concentres toda la energía positiva que tienes, en algo que anheles y desees mucho, ya verás como poco a poco todo se va a ir transformando en tu entorno y se hará realidad todo lo que mereces.
Ese es mi deseo.
Feliz año 2010.
Muchos besos.
António, já somos vizinhos de blogosfera, o seremos também na fazenda. Obrigado e tenha um excelente 2010. Beijo!
Angel, essa sensação de conforto que a gente encontra ao retornar é que faz com que recorramos ao eterno retorno. Antes, eu não dava importância para isso. Mas, o bom da experiência é a mudança de perspectiva do que realmente importa. Desejo que para você também 2010 seja mais e melhor do que os anos anteriores. Beijo!
Oi João, confesso que me ressenti (sou dolorido feito uma ferida, por vezes) da tua ausência nas despedidas de ano. Queria ter falado (virtualmente) com você antes de ir. Mas olha só o tempo e já estou aqui de volta. Fiquei sem acessar a internet, por alguns dias desliguei o telefone móvel e me interiorizei no grotão mesmo. Por vezes, preciso bater em retirada e nem é dos outros. É de mim mesmo. Volto renovado. Com algumas pretensões. Casamento? Pedi o poste em namoro e ele ficou mudo. Sim, a minha auto-estima fica na sola do pé (nem sempre). Bem, desejo imensamente ir a Portugal. Vai que aconteça. Sempre tenho esperanças. Sobre todas as coisas. Também te desejo um maravilhoso 2010. E que continuemos juntos nessa jornada em que o oceano nos divide mas a qual um mar mais imenso nos reúne. Para você e para o Déjan, desejo tudo de bom e mais um pouco. Beijo imenso!
Daniel, meu caro, o natal já foi mas ainda está em tempo de retribuir o ano novo: torço para que 2010 seja uma sucessão de 10 em todos os quesitos que você desejar. Abraço!
Roberto, e que esse vórtice nos envolva a todos mesmo! Porque já tenho a alma mais do que compartilhada no blog. É meu confessionário com ressonância. Feliz 2010. Abraço!
Victorysilcana, yo creo en esto "hacer" las cosas que queremos que ocurra. Creo que las palabras tienen el poder de tomar exactamente donde nosotros queremos. Me encantó tu deseo y haigo del mi propio desejo y ya cuento que volverás a tu. Muchas gracias. Que tu tengas un año maravilloso, seguro. Beso!
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