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domingo, 6 de dezembro de 2009

Meu rugido dominical




Tem uma senhora de quase 80 anos da qual sou amigo há alguns anos. Essa senhora é de origem estrangeira e vive no Brasil há mais de 40 anos. Casou-se no seu país e, para fugir à guerra e a perseguições políticas, emigrou para o Brasil e aqui se estabeleceu. Posso dizer que ela é mais brasileira do que estrangeira. Aqui estão suas raízes, embora ainda mantenha ramificações no seu país de origem.


Na maior parte do tempo, nos damos muito bem. Por vezes, temos nossos conflitos porque somos, ambos, de opiniões bastante firmes. Ela costuma me definir como um dos piores expoentes da sua própria origem - de fato, tenho ascendência - porque sou, muitas vezes, irascível e finco pé em algumas questões que a ela lhe parecem bastante radicais.


Embora tenhamos esses conflitos, isso nunca foi suficiente para nos afastarmos e, no geral, temos um convivência bastante pacífica. Ontem eu estava em casa dela e testemunhei uma conversa telefônica entre ela e uma pessoa que vive no seu país de origem. Em dado momento, ambos se alteraram (eu, inclusive, pude ouvir alguns fragmentos que vinham do outro lado da linha) e ela comentou que mesmo num país de terceiro mundo como o Brasil, aquilo (um determinado comportamento) não era assim. Ao que ele retrucou que não era terceiro mundo, e sim quarto mundo. Emendou e referiu-se a um terceiro país como de quinto mundo (esse país é latino-americano).


Quando ouvi isso, senti minhas faces queimarem. Fiquei até mesmo indignado. Não sou nacionalista. Ao contrário, acredito, por princípio, que o mundo, guardadas as questões legais, políticas e fronteiriças deve, na medida do possível, ser passível de ser palmilhado em toda a sua abrangência por qualquer pessoa que viva neste planeta. Gostaria demais de levar ao pé da letra a expressão 'cidadão do mundo' e poder viajar sem barreiras por toda esta Terra que nos acolhe.


Depois, quando ela encerrou a conversa telefônica, abordei o assunto e disse (e fui, tenho certeza, bastante polido) que a conotação de 'terceiro mundo' que ela tinha atribuído ao Brasil era de um significado denotativo: encerra uma opinião, geralmente, bastante preconceituosa sobre o país que a acolheu e do qual ela extraiu, para o bem e para o mal, tudo o que tem. E não materialmente. Ao contrário, de família, amigos, vida em sociedade etc.


Já faz algum tempo que me incomoda ser referido como cidadão do 'terceiro mundo'. Essa divisão do mundo em mundos serve a interesses outros e ajuda, creio, a disseminar mais do que uma divisão territorial: consolida uma visão de que seremos fadados sempre a sermos a franja do mundo, a borda, aquele tipo de subúrbio que nunca, de fato, chegará a lugar nenhum, condenado que está a ser permanentemente periferia do mundo grande, dos adultos, do 'primeiro mundo'.


Prefiro, na minha escassa diplomacia geopolítica, dividir as nações mundiais em Antigo Mundo (Ásia, África e Oriente Médio, que são as primeiras civilizações humanas das quais se têm notícia), Velho Mundo (Europa, que refinou o conhecimento humano a níveis antes nunca registrados) e Novo Mundo (Américas, Austrália e Nova Zelândia, que formam os países mais novos do mundo em termos de 'civilização' como a definimos cultural e historicamente).


Os conceitos de 'primeiro', 'segundo' e 'terceiro mundo' fazem parte da Teoria dos Mundos, designação dada para diferenciar as nações conforme suas grandezas econômicas. Mas essa teoria valeu entre 1945 e 1990 e era, a essa altura, para ter caído em desuso porque não define com precisão esse mundo globalizado. Agora, usa-se 'países desenvolvidos' e 'países subdesenvolvidos', teoria igualmente criticada porque também não retrata a realidade. Por fim, classificam-se - o Brasil entre eles - alguns países como 'emergentes'. Que também é imprecisa: parece que estávamos submersos nos últimos 500 anos (caso do Brasil) e somente agora, nos últimos 15, 20 anos, viemos à tona.


A Teoria dos Mundos nasceu para classificar as nações desenvolvidas, o 'primeiro mundo', e as diferenciar do antigo bloco socialista liderado pela ex-União Soviética, o 'segundo mundo'. As demais, Brasil incluso, seriam o 'terceiro mundo'. Com a queda do regime comunista - exceto na Coreia do Norte, China e em Cuba -, as denominações mudaram e passaram a outras: 'desenvolvidas', para nações industrializadas, ricas, democráticas e com alto IDH (Índice de Desenvolvimento Humano); 'emergentes', industrializadas mas que apresentam problemas estruturais; 'subdesenvolvidas', que são as nações pobres, de baixo IDH e que sobrevivem com economias primárias.


Ainda conforme a Teoria dos Mundos, existem, sim, o 'quarto' e o 'quinto mundos': nações como a Palestina e o Tibete, internacionalmente reconhecidas mas não independentes, seriam o 'quarto mundo' e as micronações, que são territórios como a Tchetchênia, os curdos e parte de chineses, que querem proclamar a independência da nação-mãe (Rússia, Iraque e China, no exemplo citado, respectivamente), são chamadas de 'quinto mundo'.


O que me incomoda é que essas classificações, que servem apenas para definir um cenário geopolítico do mundo, nos diferenciam, eventualmente, como povo. O Brasil, em grande parte, é formado pelo Antigo Mundo (africanos), Velho Mundo (portugueses e outras nações, inclusive das quais eu descendo) e Novo Mundo (os índios, nativos desta terra). Não vejo, contudo, o que há de tão diferente entre eu mesmo, como humano, e um europeu, um asiático, árabe, africano ou australiano. Não é porque alguns teóricos me chamam de 'terceiro mundo' que sou, cultural e intelectualmente, diferente dos 'primeiro' e 'segundo' mundos.


E, de novo, ainda de forma diplomática, fiz ver à minha amiga europeia que nossas diferenças são, fundamentalmente, geográficas: as grandes bases de pensamento, as pensamos de forma bastante semelhante, não obstante termos entre nós séculos de formação como povo e nação. Eu lhe disse, inclusive, que a visão 'primeiro-mundista' sobre os 'terceiro-mundistas' significava que ela enxergava a mim mesmo como parte de um mundo ainda sob o domínio clássico do Velho Mundo.


Claro que ela refutou a minha tese. Mas, no final, concordou que era uma grande bobagem essa distinção porque, em alguns momentos, a despeito das nossas diferentes 'civilizações', temos, em comum, o que, imagino, todos os seres humanos têm: queremos, ambos, sermos felizes dentro do que nos é permitido, sejamos 'primeiro' ou 'terceiro' mundos.


Atrevo-me a ir além e dizer que o mundo sou eu (sem analogia com o Rei Sol) porque encerro em mim mesmo o intercâmbio de todos os cruzamentos culturais que me deram origem. Creio que passou da hora de acabar com essas fronteiras ideológicas que insistem em separar em camadas um mundo que, afinal, é um só. Porque eleger o 'primeiro' implica em colocar abaixo o 'segundo', o 'terceiro', o 'quarto' e o 'quinto'. E, enquanto prevalecer essa concepção, seremos, os de baixo, apenas suporte para os de cima. Ou, conforme uma expressão que me agrada: somos todos iguais mas alguns somos mais iguais do que outros.


6 Comentários:

João Roque disse...

Eu no teu lugar também teria ficado indignado; detesto esses adjectivos de desenvolvimento.
E, não estou a dar graxa, pois quando foi da Maitê, também me indignei, eu acho que embora o termo emergente seja infeliz, há realmente hoje no mundo, uma série de países, poucos, que devido ao seu potencial de recursos e à sua grandeza populacional, poderão estar, dentro de pouco tempo, a dar cartas na geografia mundial: destes claro que há dois que se distinguem, de longe - o Brasil e a China.
Abraço.

Redneck disse...

Pinguim, obrigado por compartilhar esse sentimento comigo. É que esse tipo de atitude - bem como (ainda) a da Maitê e outras emissões, seja de políticos, jogadores de futebol ou de gente da arte - não leva a nada, a não ser a um recrudescimento de rancores entre povos e países. Felizmente, não é o nosso caso. Abraço!

Anônimo disse...

Completamente de acordo consigo, Redneck. Sei na pele o que é essa segregação. Nasci na Europa, tinha 2 meses quando me levaram para África e regressei à Europa aos 30. Durante anos era visto como um sub-produto da tal divisão dos mundos, porque claramente eu dizia (e digo) que era 'africano'. Esta palavra, em Portugal é (agora já não é tanto) imediatamente associada à cor da pele negra. Como a minha pele é branca, imagine-se o resto.

Bela lição de história e dos sentimentos manifestados.

Abraço.

Ricardo disse...

Concordo em parte com você, ter o título de terceiro mundo é ruim. Porém a falta de ética e excesso de corrupção que imperam no Brasil nos fazem terceiro mundo. O fato de políticos desonestos estarem no poder através de eleições, é prova suficiente que nossas diferenças não se limitam pela geografia e tempo de desenvolvimento, são estilos de vida da população (há exceções, e muitas mas este fragmento é apenas um comentário) diferentes, mesmo compartilhando de objetivos básicos, a essência cultural é diferente.

Redneck disse...

António, é como eu disse: uns somos mais iguais do que outros. E você usou o termo certo: também nós, sul-americanos, somos, na Europa (sei por mim mesmo e por amigos) vistos (e muitas vezes tratados) como sub-produtos. A sensação é das piores como você mesmo já constatou. No Japão, onde há uma grande massa de brasileiros, os dekasseguis - descendentes que fizeram o caminho inverso de avós e bisavós - sei de casos que os auto-falantes alertam para a presença de brasileiros nos locais para informar aos japoneses para terem cuidado com suas coisas. Quer dizer, somos uns ladrões a princípio. Abraço!

Redneck disse...

Ricardo, concordo com você em parte também. A corrupção e falta de ética são humanas, e não regionais. Há falta de ética no Brasil, EUA, Japão, Iraque, França, Itália. Onde você quiser, haverá, sempre, políticos desonestos. A essência cultural que você cita está mais ligada a determinadas classes do que um povo especificamente. Abraço!

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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