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domingo, 25 de abril de 2010

Meu rugido dominical



Hoje, 25, não chegou a fazer um mês desde que começaram a recapear a minha rua, a Alameda Joaquim Eugênio de Lima. Para quem não conhece (ou até para quem conhece) a cidade de São Paulo, a alameda é uma das mais importantes e movimentadas conexões entre as zonas central e sul da capital paulista. Quando saio de manhã, o trânsito já está congestionado em frente de casa. Ao voltar, mais de 12 horas depois, ainda permanece congestionado e assim fica quase até a meia-noite quando, finalmente, a cidade meio que respira aliviada por mais um dia. Ou menos um.


Bem, o recapeamento ainda não acabou. Fizeram muito barulho por nada, eu diria, se Shakespeare fosse. Como não é o caso, digo que fizeram muito barulho por pouco ou quase nada. Ainda falta derramar sobre o asfalto cru aquele creme cinzento, o piche. E, depois, fazer a sinalização para que a via retome cara de rua.


Mesmo assim, parece um tapete ante a peneira que era antes. E, não decorridos os tais 30 dias, eis que neste mesmo domingo, 25, a poucos metros (uns 20, no máximo) do meu prédio, onde há um outro monstro-prédio em construção, chegaram os homens do domingo e se puseram a cavar e esburacar a rua recém-asfaltada com tratores, caminhões e britadeiras que, juntos, fizeram da tarde de domingo um ruído de bateria de guerra equivalente ao que os soldados norte-americanos do seriado "The Pacific" fazem com os soldados japoneses quando ambas as linhas se defrontam.


Em questão de horas - e foram longas, essas horas - deixaram no asfalto outrora reto dois vermes. Sim, parecem dois vermes que cavaram areia do deserto e deixaram atrás de si a inconfundível marca de seus corpos. Duas valas, prontas para receber cadáveres. Meio tétrico mas descreve à perfeição o que ocorre com esta querida e complicada cidade.


Não consigo entender embora tente porque cargas de ferro, de água ou de qualquer outra coisa, não existe uma sincronia de movimentos entre poderes público e privado. Veja: se vão (os privados) perfurar uma via, por que não entrar em acordo antes com os 'arrumadores' (os públicos) dessas tortuosas vias que cortam, recortam e nos fazem perder-nos em suas curvas a todo momento?


A primeira coisa a se criticar é a total falta de educação das construtoras privadas que insistem em trabalhar aos domingos, feriados e depois da meia-noite e interromper os breves momentos de silêncio a que todos temos direito. Embora eu não concorde com os métodos da minha vizinha do andar acima, que se pôs a crocitar feito gralha com os homens porque eles atrapalhavam seu mavioso sono às 14 horas (e ainda que a gralha em questão não se intimida em chegar às 5 da manhã e fazer o prédio inteiro tomar conhecimento da sua penosa e fosforescente chegada), devo concordar quando ela reclama de um direito elementar: o de termos, ao menos, os domingos livres de barulho de obras e construções que, certamente, passam por sistemas de corrupção.


Não fosse assim, se existe a tal lei do silêncio que nos obriga, pessoas físicas, a nos calarmos em vias públicas após as 22 horas, creio que essas empresas privadas jamais se atreveriam a inundar nossas casas com seus dentes de britadeiras. Tenho certeza que entre o poder público e o privado dessa cidade corre um rio inteiro de dinheiro, drenado, entre outras coisas, pelas valas que se abrem a todo instante nas ruas, alamedas, vias, avenidas e vielas desta São Paulo mais sinuosa do que os rios do Amazonas.


A segunda crítica diz respeito a essa falta de entrosamento entre as empresas privadas (todas as que interferem em vias públicas, notadamente as construtoras) e públicas (que deveriam cuidar para que um aslfalto recém-colocado não fosse imediatamente arruinado para atender a um prédio). Pois mais informatizados que sejam sistemas públicos e privados, de novo, deve haver um imenso cipoal que faz de tudo para atrapalhar que A (público) encontre a agenda de B (privado) e um não atrapalhe o outro ou, no mínimo, ajudem-se mutuamente de forma a não acabar com a vida de C (nós outros, habitantes e teoricamente cidadãos).


Estou na lua com o descaso dessa péssima administração do horrível prefeito Kassab. Não o escolhi. Foi eleito por uma maioria da qual não faço parte. OK. Mas é essa maioria, e eu com ela, que sofremos esse vaivém que faz desta cidade uma tresloucada capital mundial imersa num caos que se avoluma mais e mais.


Em pouco mais de quatro anos, seremos uma das cidades-sede da Copa do Mundo. Tenho pavor de pensar pelo que passaremos até chegarmos lá. Tenho pavor de saber que os automóveis crescerão ainda mais em volume. Que as obras - profundas ou de perfumaria - serão incontáveis. Num verdadeiro escambo entre o mercado privado e o poder público, creio que teremos uma série de escavações e coberturas a se sucederem mal e porcamente para satisfazer a ganância de empresas e de administrações públicas corruptas. Quisera eu ter uma escavadeira moral para fazer estrilar nessas mentes criminosas o mesmo barulho ensurdecedor a que nos obrigam naquela que poderia ter sido uma afável tarde de domingo.


Como não o foi, a bela tarde, me fui eu em busca dessa placidez. Me retirei de casa e a ela retornei somente à noite para me livrar da:


- Gralha que, belle du jour, a esta hora (são quase 22 horas) se prepara para a revoada noturna, muito provavelmente;


- Britadeira que me corroía cérebro e me deixou com acessos de fúria;


- Cidade que, encerrada neste pequeno universo da minha rua, foi a conjunção de moradores estressados em embate com máquinas superdimensionadas.


Escrito isso, vou assistir "The Pacific" para me pacificar.

8 Comentários:

João Roque disse...

Para mim seria absolutamente impossível viver numa cidade assim; já me está faltando a paciência e cada vez prezo mais a calma...
Beijo.

Quanta gentileza disse...

Muito bom post, Sergio! Entende perfeitamente a sua revolta...é de lascar!

La V. disse...

Red,

Dias depois de ter lido seu post, vi a foto da cratera na rua onde vc mora. De fato, eh desolador nao somente pela falta de comunicacao entre o setor publico e privado, mas especialmente pelo barulho, sujeira e transito que tudo isso deve ter causado. Definitivamente, eh uma lastima!

Entao, forca na peruca e passa la em casa quando o negocio ficar feio demais por ai.

Bjo
La V.

Três Egos disse...

Hey, indiquei um meme para você no meu blog! Não sei porque mas me veio você na cabeça... rs. Enfim, estou passando para avisar, sinta-se a vontade de retribuir o meme ou não. É que tem gente que não gosta, enfim... rsrsrs

Grande abraço!

Redneck disse...

João, saudade de você. O tempo tem rugido para mim mais do que eu gostaria de ouvir e eu não tenho conseguido rugir de volta. Um dos motivos é exatamente o que está descrito neste post. Meu dia corrompeu-se sem que eu pudesse controlar as horas. Uma pena. Prezo demais a calma também e o estado conturbado desta cidade, talvez, esteja pouco a pouco a tirar um pouco do que eu sou. Um abraço imenso para você!

Redneck disse...

Tammy, você que migrou desse caos para uma paz relativa, mais do que ninguém, entende o que digo. Beijo!

Redneck disse...

La V, essa cidade não é para as pessoas. Ou, talvez, seja apenas para nos acomodar de forma falsa por entre aquilo que convencionamos chamar de casas e ruas. Beijo!

Redneck disse...

Eros, eu sei porque eu fui à sua cabeça (hehehehe, o convencido!). É claro que corresponderei ao meme, ainda mais vindo de você. Passarei hoje ainda no seu blog. Beijo!

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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