Meu rugido dominical
No primeiro ano da primeira série escolar, digo, na primeira semana, chorei a cada vez que vi a minha mãe se afastar e me deixar. Tenho fama de chorão na tenra infância. Ainda bem que também tenho memória seletiva e, portanto, não me recordo dessa fase. Tenho apenas o testemunho da minha mãe e, talvez, da minha primeira professora mas como ambas não têm permissão para serem coautoras desta postagem, o que vale é apenas o que eu escrevo.
Bem, segundo minha mãe, portanto, chorei. Chorei por ter ficado, por ser deixado para trás, por ser abandonado a um mundo novo, entre pessoas estranhas e, assim, à minha revelia, me vi circunscrito a um novo universo. Universo considerado, diga-se, hostil. Olhares de esgueio, prontos para definir fortes/fracos. Universo de deslumbramento, contudo, porque totalmente novo.
Foi a primeira semana do resto da minha vida. Foi a primeira cisão entre um universo que me continha, o ninho doméstico cercado apenas pelos familiares e parcos muros invisíveis que, de verdade, não me retinham. Outras dissidências viriam mais tarde. Mas as lágrimas (conforme a minha mãe, eu já disse) vertidas não poderiam supor tantas e tão mais importantes quebras de elos.
Há duas semanas, eu mesmo provoquei uma nova ruptura. Pouco mais de 40 dias passados numa nova casa, há 15 dias que estou de casa nova profissional. Voltei à redação. Ao convívio de colegas jornalistas. Ao burburinho que é fácil no meio. À cobertura diária dos meios impresso e online. Estou de novo no meu meio.
O que há em comum com a primeira semana de escola? Não! Apressados(as)! Não chorei (quase... hehehehe!). Não me senti abandonado. Seria algo ridículo eu me sentir abandonado tendo, eu mesmo, optado por esse desafio. O que se passa é que depois de quase quatro anos de home office (trabalho em casa), estou numa transição ainda.
Tudo me soa novo: primeiro, a redação é bem maior do que a minha última experiência em redação. Segundo, cobrirei setores que extrapolam aqueles que originalmente eram foco da minha pretensa especialização (telecomunicações e tecnologia da informação). Agora, minha área chama-se "digital": internet, redes sociais, games, cinema, TV digital, telecomunicações, tecnologia da informação, produção em high definition, em 3D. Tudo, absolutamente tudo o que comporta o termo "digital" faz parte da minha atenção.
A segunda coisa que me assusta é que eu estive absolutamente sozinho nestes quase quatro anos. Poucas vezes fiz entrevistas pessoalmente e, assim, me limitei ao telefone e à internet para entrevistar as pessoas, escrever e publicar. Dessa forma, quando olho à minha volta, há umas três dezenas de pessoas. Praticamente todas novas na minha vida. Tenho que reaprender a socializar e me engajar naquela tribo específica porque, teoricamente, faço parte de um grupo, time ou equipe e, editorialmente, tenho um compromisso contratual com o veículo.
A terceira surpresa, e não é boa, não foi bem surpresa: o trânsito de quatro anos para cá piorou uns 300% na minha estatística amadora. Ainda não me decidi se vou de carro, de ônibus, de metrô. Tudo é demorado. A volta é pior e já bati meus próprios records: 2 horas para percorrer cerca de 13 Km, que é a distância que separa a minha casa do meu trabalho.
Em quarto lugar, São Paulo, conforme já publicado pela mídia, tem se tornado uma cidade muito chata por conta de restrições: não pode fumar em ambiente fechado (e, em muitos lugares, nem em aberto), não pode fazer barulho depois de um determinado horário (lei do Psiu), não pode beber (lei seca). Não pode nada. Não, não, não. Por conta dessas limitações, o simples ato de fumar torna-se uma aventura. Embora o prédio tenha uma imensa área a céu aberto, estamos, os fumantes, reduzidos a um pequeno quadrado. Com chuva ou com sol, é o único lugar e quem não gostar que se avie.
Uma quinta observação: com uma satisfação que eu não imaginava existir, fiz meu primeiro trabalho jornalístico em vídeo. E gostei. Bastante. Claro que há algumas técnicas que preciso dominar. Mas, no geral, adorei. É o máximo!
Para encerrar, se acabou o meu turno desorientado: ia dormir umas 3, 4 horas da manhã e me levantava umas 9, 10 horas. Agora, tenho que estar em pé às 7, 7:30 horas. Antes da meia-noite, bocejo mais do que os galos cantantes da madrugada. E, na madrugada outrora produtiva, produzo, talvez, sonhos. Meu dia profissional começa às 9 horas da manhã, quando saio de casa, e se encerra às 21 horas, 12 horas depois. Me sobram poucas e parcas horas.
E é aqui que tenho vontade de verter aquelas longínquas lágrimas que, segundo a minha mãe, ouçam!, derramei fartamente na infância pura dos meus 6 anos. Me sobram, entre 21 horas e 24 horas, apenas três horas. Essas três horas me são poucas. Raras. Tento fazer caber nelas tudo o que não tem espaço nas outras horas do dia. Mas, de uma forma tosca, fraquejo. E sucumbo. Durmo. Feito galinha atrasada que hesita em passinhos titubeantes ao ir para o poleiro. Nem pisco. Somente durmo. Profundamente.
O trânsito pesado de caminhões que ousam trabalhar depois da meia-noite feito uma serenata para lá de punk e hardcore não me diz mais nada: durmo feito um carneirinho afofado em meio a uma massa macia de sonolência. Que me pesa o corpo e, endorfinado, fico confinado ao meu travesseiro, ao colchão e ao macio e sedoso contato do edredom que imita um urso negro.
Sumi daqui!!! Quem diria, me olhasse antes, passasse por aqui e não desse comigo e com minhas postagens dia após dia, feito degrau que conduz a outro degrau, uma escalada que, de fato, não chega a lugar nenhum mas também não degringola. Pois que degringolei. Faltou-me sustância e substância para alimentar o panteão virtual. Me dói. Tenho vertigens de como se estivesse nas alturas - e fui às alturas, a 50 metros, em matéria nova e excitante - por ter estado ausente. Por sumir dessas que me são doces paragens. Mas não consigo. Embora tenha até me proposto alternativas, não as conciliei com o trauma da minha nova vida.
Porque as novidades são muitas. Primeiro, foi a casa nova. Depois, o trabalho novo. Depois, o novo dentro do trabalho novo. Depois, ainda, viagens, eventos, almoços, jantares. Volto à cena, essa é a ciranda do jornalista. Mas o grande espetáculo desse circo é que falta, ainda, o frio do pulo do trapézio. Falta. Ah, falta sim. Falta, de fato, uma terceira onda para completar o salto mortal. E esse terceiro elemento eu deixo aqui em suspenso como se fosse um balé de um salto triplo mortal lá do picadeiro. A bom tempo eu o denunciarei, exporei por aqui. Por ora, apenas não é. E, portanto, ao não ser, não existe. E sem concretude, nem a mortalidade do salto existe.
Mas estou por aqui. Mais raro, espaçado. Mas não menos Redneck.
4 Comentários:
REDNECK,
SEU BLOG É EXTRORDINÁRIO E MERECE SER MUITO MAIS LIDO E COMENTADO.
VOU INDICÁ-LO PARA OS MEUS ALUNOS E SUGIRO QUE VOCÊ SE TORNE SEGUIDOR DO MEU BLOG:
"HUMOR EM TEXTO",
NO QUAL TENHO 480 SEGUIDORES O QUE LHE DARÁ MUITA VISIBILIDADE.
PARABÉNS.
UM ABRAÇÃO CARIOCA.
Oi, muito interessante a sua postagem. Gostei! As novidades que ocorrem na nossa vida sempre dão um friozinho na barriga e na espinha.
Com ou sem lágrimas, o importante é que passamos por todas elas, sempre deixando e colhendo alguns capítulos que fazem parte de nós, que compõem o nosso livro.
Beijos!
Oi Paulo, obrigado pelo seu comentário. Por vezes, escrevemos aleatoriamente e, de repente, alguém, também de forma aleatória, se acha nos nossos textos e isso me deixa bem feliz. Vou te seguir. Obrigado novamente. Abraço!
Luciana, isso é bem verdade. Vamos, aos trancos e barrancos ou não, mas vamos em frente. E, pode ter certeza, a colheita dos capítulos gera um estoque que, de alguma forma, será usado a seu devido tempo no paiol da vida. Bem-vinda ao blog. Beijo!
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