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domingo, 20 de fevereiro de 2011

Meu rugido dominical



Há um seriado atualmente no ar na HBO, "The Big C" (onde "C" significa câncer), em que a protagonista, Cathy (interpretada pela ótima Laura Linney), ao descobrir-se portadora da doença, radicaliza. Mas, não da forma convencional. Ela simplesmente não conta, ou não consegue contar, para as pessoas - marido, filho, amigos, irmão, pai - que tem câncer.


O que pode soar pretensioso, na verdade, é bastante realista. Quando Cathy tenta contar a verdade, as pessoas se desesperam. Não por ela, e sim por si próprias. Ou de como dependem dela para continuar a viver. Irônico. Engraçado que, até a descoberta da doença, Cathy é desprezada por todos. O câncer, ao invés de lhe prostrar, lhe dá outros parâmetros de vida. Parâmetros de morte, de fato, já que, imagino, quando se lida com data de validade, as perspectivas mudam muito.


Não tenho a mínima ideia de como lidaria com uma notícia dessas se a mim me fosse dada. O que fazer quando se sabe que a vida tem uma data marcada para acabar? A inexorabilidade da morte não é forte o suficiente para que nenhum ser humano (ao menos eu não conheço nenhum) se porte como se tivesse um dia e hora certos para acabar, deixar de existir.


Portanto, se alguém me comunicasse que eu teria duas semanas, três meses, um ano, vinte anos que fossem, não sei como agiria. Ou se reagiria. Por uma série de eventos, conheci e conheço pessoas terminais. As que conheci, obviamente, já estão mortas. E lidaram com o conhecimento da morte de forma a mais diversa possível: umas se anteciparam e cometeram suicídio. Outras, lamentaram-se, choraram e criaram outras possibilidades dentro daquilo que lhes era permitido. Outras, ainda, foram condescendentes consigo mesmas e aceitaram os fatos como lhes foram colocados, amparadas que estavam pela fé ou pela simples aquiescência da vida que resulta em morte, precocemente ou não.


Não sei se é mórbido, mas, às vezes, me pego a pensar sobre a fatalidade de uma doença recair sobre mim. Ou então de um acidente, de um assalto, de qualquer coisa que interrompa o fluxo (considerado normal) da vida e faça da vida como eu a conheço outra vida, com datas e prazos encurtados.


Penso, quando me imagino vítima dessa circunstância, que poderia ter as mais diversas reações, a começar com uma revolta contra tudo e todos. Penso também que essa pretensa revolta feriria a mim mesmo e a mais ninguém. Penso que seria difícil, por vezes quase impossível conviver com a ideia da morte a chegar, inexorável, sem meias palavras. Penso que talvez é mais seguro não pensar nisso.


O que constato nas pessoas que conheço e lidam com esses prazos terminais é que não há como lidar com isso. OK, no decurso das horas, dias, meses e anos, aparentemente, você contorna a morte. Mas, ao deitar a cabeça no travesseiro, provavelmente, essas pessoas datadas terão taquicardia ao fazer mentalmente a contagem regressiva.


O que me leva a levantar esse tema é a impotência ante o desconhecimento. Acho que vi num filme que somente tememos a morte por temer o desconhecido. E não escrevo aqui sobre o desconhecimento místico (céu, inferno, purgatório, ressurreição, transmigração de alma etc. etc.). Não! Mesmo porque, ao me opor a tudo isso, seria muito leviano da minha parte debater essas questões pelas quais não tenho o menor interesse. Falo sobre o desconhecimento da morte em si, do temor da dor, do medo de ficar só, na infinitude do apagar da consciência. Deve ser essa eternidade, a do infinito apagar-se, inconsciente, e não ser, não saber, não sentir. Ser apenas um nada dentro do nada. Deve ser essa a eternidade.


Temos tanto medo do desconhecido quanto tinham medo da escuridão os nossos precedentes antes do domínio do fogo. Havia riscos lá fora, na imensa escuridão que cobria o mundo. A luz trazia o conhecimento do perigo, da sobrevivência. O medo do desconhecido, de um outro lado (seja da rua, do bairro, da vizinhança, de um outro país) é sempre forte, sempre companheiro da escuridão.


Hoje mesmo ouvi de uma pessoa que não pode haver nada pior do que a perda de controle do cérebro. Quer dizer, ela não me disse exatamente nessas palavras. Me disse que os problemas de cabeça são infinitamente piores do que quaisquer outras dores físicas. Piores até que o Big C, talvez. Concordo. Uma perna dolorida, um joelho que bambeia, um braço com tendinite ou um coração fraco são todos, à sua maneira, administráveis. Porque conhecidos. Sabe-se lhes a origem, o eventual tratamento e os riscos inerentes. Agora, quando o cérebro se lhe dá de ter descompassos que ponham em perigo o cotidiano, a normalidade, todos temos pavor. Receio de que enlouqueçamos? Pode ser. É o medo do desconhecido. Porque não se tem controle sobre o cérebro. De forma alguma.


Ao assistir "The Big C", constatei uma vez mais que lidamos mal e porcamente com o fim prescrito da vida. Ainda que saibamos que há limitações físicas e vamos todos na mesma direção, estou para encontrar um ser que me declare corajosamente querer saber o dia e hora exatos do derradeiro arquear de sobrancelhas.


Posso parecer algo sinistro com tal tema por aqui. Não, lhe asseguro que temo tanto quanto você a foice da Velha Dama. E que tampouco quero saber de datas. Sai! Queria era ter um conhecimento amplo. Para saber controlar o cérebro. Para ao menos poder tomar decisões. Mas, isso não existe. O livre arbítrio, portanto, é uma falácia. Apenas um pedaço. Se ao meu cérebro lhe ocorrer de ter vontades próprias que não as minhas, eu já era! Tenho medo do desconhecido. Medo de me perder de mim mesmo. Em tempo: não creio que esteja em processo de enlouquecimento; o medo referido é bem natural ao ser humano.

2 Comentários:

João Roque disse...

Excelente exercício de raciocínio, sobre um assunto que todos nós, adultos, de alguma forma, já equacionámos.
Não conhecia a série e, devo confessá-lo, por razões que tu afloras, acho que vou evitar vê-la, por muito interessante que seja.
O mais importante que tiro disto tudo é que devo viver o dia de hoje intensamente.
Beijo.

Redneck disse...

João, querido, é esta a lição que realmente importa, saibamos ou não os nossos prazos: viver cada dia como se o último fosse, em toda a sua intensidade. É disso que precisamos. O resto são apenas reminiscências de uma alma perturbada. Beijo!

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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