Meu rugido dominical
Até este domingo, 6 de fevereiro, eram oito os países do Oriente Médio que estavam em diferentes fases de crises e conflitos: Tunísia (que deu início à onda de protestos no mundo árabe), Argélia, Líbia, Egito (no qual a adesão massiva da população é mais patente), Líbano, Jordânia, Territórios Palestinos e Iêmen. Em diversos graus, cada um desses países, rigidamente dominados por governos muçulmanos e totalitários, está num nível em que as perspectivas - de vida, de emprego, de saúde, de liberdade de expressão, de evolução social - são de zero para números negativos.
A degradação e a pobreza desses países e a incessante opressão, conduzida sob o nome de Alá, acabaram por resultar na imolação de um camelô na capital tunisiana, Túnis, que, feito rastilho de pólvora, provocou a convulsão em cadeia de toda a região.
As primeiras reações foram tipicamente aquelas tomadas por governos ditatoriais: repressão policial, corte das comunicações - TV, internet, telefone -, e censura, com violência, sobre a imprensa estrangeira. Uma situação déjà vu em muitas outras regiões deste planeta.
Uma onda similar ao tsunami que acossou uma outra parte do globo na Ásia e em parte da África em dezembro de 2004, quando mais de 300 mil pessoas morreram, tomou conta de parte, de novo, da África e de um pedaço do Oriente Médio. Ambas as regiões, observe-se, dominadas, sobretudo, pela miséria e pela falta absoluta de perspectiva.
Exceto pela Arábia Saudita, Emirados Árabes, Qatar, Bahrein (o país proporcionalmente mais rico do mundo) e Kuait, os países atualmente envolvidos na revolta árabe e mais o Marrocos, Mauritânia, Líbia, Omã, Síria, Somália, Sudão, Djibuti e Ilhas Comores estão em algum processo de revolta, silenciosa ou não. São, todos, majoritariamente, muçulmanos.
Isso não significa que a religião os torne mais oprimidos e menores ante os demais países do mundo. Não, ao contrário, o mundo árabe é responsável por uma série de grandes invenções e de processos que deram origem ao que chamamos de sociedade moderna hoje. Significa que os respectivos governantes - famílias ou clãs poderosos que, vindos das mais arcaicas tribos árabes, dominam sob o inclemente calor do sol e a peso da areia toda aquela vastidão.
Mas, um povo não sobrevive de cânones religiosos. Vive de pão e de água. E se não os há, ou se os há insuficientes, não demora que o levante se estabeleça. Isso é histórico e diz muito sobre os processos políticos que levam a massa a se subelevar. É isso que tem dado o combustível aquelas áridas areias produtoras das maiores fontes de petróleo do mundo. Apenas isto.
Meu protesto particular aqui é apenas pela forma como o mundo ocidental, tão auto-declaradamente democrático, se porta. Como de resto, em outras situações similares. Mais particularmente, chamo a atenção para o papel da mídia estrangeira, a grande imprensa mundial que, efetivamente, filtra a história.
Os grandes meios de comunicação, notadamente grupos norte-americanos e europeus, glorificaram o papel das redes sociais - Twitter, Facebook, YouTube - como ferramenta da revolta árabe. Assim como aconteceu no Irã no ano passado, o mundo colocou a internet e as social networks como responsáveis por essas manifestações que atingem escala mundial. Besteira!
Como a primeira providência desses governos é cortar o acesso à internet e a outras formas de comunicação, e dada a total falta de infraestrutura para que os organizadores dos protestos se reorganizem, é evidente que as redes sociais têm pouca influência no processo. São, sim, meios. Mas, o gás que move as pessoas é a busca por perspectivas, e não os meios tecnológicos que as reúnam em torno desses mesmos objetivos.
A mídia ocidental recolheu-se e esperou que aparecessem as primeiras vítimas fatais. Covarde, assim como o fez no Irã, repetiu o mesmíssimo comportamento. Primeiro, não deu atenção e, sobretudo, não conseguiu nem antever os movimentos que precederam a revolta. A grande mídia pouco se lixa para sociedades consideradas, por essa mesma imprensa, medievais. Um único interesse move imprensa e governo, juntos: o econômico. Quando os levantes indicam consequências financeiras, como o aumento do barril de petróleo ou eventuais incêndios nos poços produtores (lembre-se do Iraque), aí sim a grande mídia mundial - CNN, News Corp., The New York Times, Guardian, ABC, CBS e umas outras tantas se envolvem.
Faço uma única restrição, honrosa, a todos esses manipuladores da história mundial: a TV Al Jazeera, que transmite em inglês e árabe. A TV do Qatar é o único veículo que conhece a região e é capaz de fazer o relato isento. Não é à toa que, no Cairo, Egito, o escritório da Al Jazeera foi devidamente saqueado e incendiado e seus jornalistas, presos.
Enquanto a mídia fizer par com governo - e isso vale para os EUA, Europa, Brasil e qualquer outra região na qual imprensa e poder público se unem ao redor de semelhantes valores -, dificilmente as pessoas conseguirão elevar suas vozes. As redes sociais? São, repito, ferramentas que, como foices, enxadas e machados, podem ser usadas precariamente. E é só. O mérito está nas pessoas, e não na internet ou em qualquer outro meio.
4 Comentários:
Muito bem dito, o mérito é de todos aqueles que lutam pela sua liberdade e qualidade de vida.
LusoBoy, da onde que se extrai que, quando o povo quer mudanças, ele as conduz. Sempre, historicamente. Abraço!
Há um dilema para o mundo ocidental, com os EU à cabeça: por um lado, acolher uma revolta que combate uma ditadura de trinta anos é sempre politicamente correcto; mas por outro, a possibilidade de perder aliados na zona do Médio Oriente, por uma ascenção ao poder de uma hierarquia religiosa seguidora dos mais ortodoxos preceitos do Islão, pode ser perigosa e principalmente isola ainda mais Israel...
Que fazer?
João, a essa altura, com a renúncia do Mubarak, o cenário está ainda mais incerto. A sua pergunta será respondida de muitas maneiras, acredito, e nenhuma delas inclui a democratização do Egito. E pensar que foi lá que, teoricamente, iniciou-se toda a civilização ocidental, basicamente. Uma pena, não? Abraço!
Postar um comentário