Meu rugido dominical
Até às 23:59 horas deste domingo, a macabra contabilidade dos mortos na Região Serrana do Rio de Janeiro chegava a 637 pessoas, número que deve subir e pode chegar a quase 700 corpos conforme avança o trabalho de voluntários, bombeiros e equipes especializadas.
Não sei bem a quem dirigir o Rugido. Aliás, não um Rugido, e sim um lamento, um choro, um som agônico ante tanta mortandade. A pergunta que costuma se seguir a tragédias deste tipo é por que? A segunda pergunta é por que comigo?
Estivesse eu no meio das pessoas que lá estão, certamente é o que eu questionaria. O problema é que várias são as respostas: fenômenos naturais, com intensidade de chuvas em região geologicamente comprometida (num processo de milhões de anos), fenômenos sociais, com ocupação irregular por total falta de alternativa ou, pior, por exploração econômica mesmo, ou, simplesmente, acaso e destino, em que se está no local errado na hora errada.
Não há respostas. Pode haver uma explicação pontual para alguns. Mas, o fato é que não existe resposta para tanta morte. Quase 650 almas extintas, sem a menor possibilidade de sobreviver ante tanta lama que, como larva de vulcão, arrastou pessoas, casas, carros, ruas e cidades inteiras. Ao menos cinco municípios cariocas - Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis, Sumidouro e São José do Vale do Rio Preto -, tradicionalmente ponto de turismo para os moradores do Estado e de outras partes do País, foram tragados pela dor e pela força bruta da natureza.
Não existem repostas. Existem iniciativas, ações e saídas. Que, no caso, foram todas tolhidas. Culpe-se o governo, o próprio cidadão, a natureza, Deus (para os crédulos), o diabo que for. Não há respostas.
Ainda hoje falamos, uma amiga e eu, sobre a precariedade do corpo humano que, cadáver, perece feito fruta podre. E num processo tão rápido que, conforme as normas das sociedades, deve ser enterrado em poucas horas.
Somos assim, os humanos, perecíveis. Somos também tudo o que se vê: solidários, vivos que não choram os mortos, e sim tentam fazer viver sobreviventes. Que alimentam com a saliva um bebê que morre de sede e, como ave filhote, abre a boca sedenta à espera do líquido. Que carrega o cachorro nos braços e, sem saída, deixa o cão se ir na correnteza. Somos assim, solícitos na tragédia. Perdoam-se todos os pecados, todas as pequenas e grandes faltas. Não é hora de fazer balanços do bom e do mau vizinho. É hora de entregar-se, de dar, de ajudar porque é nesse espírito que se encontra sentido para uma vida que se viu esvaziada de sentido.
Solidarizo-me com todos os envolvidos nesta que é a maior tragédia natural do Brasil. Lamento que tenhamos que assistir pela TV os relatos emocionantes de tantos que ficaram órfãos de pais, filhos, tios, primos. Que perderam velhos e novos. Que perderam casas e carros. Que perderam ruas, a vizinhança toda. Que tragédia! Que ano novo é esse?
Sinto muito. Sinto pelos cariocas que foram engolidos pela boca furiosa da natureza. Pelos demais brasileiros que morrem a cada estação chuvosa. O Rio de Janeiro mesmo foi palco de tragédia semelhante no ano passado. Assim como o foi São Paulo, Pernambuco, Minas Gerais e tantos outros. Eventos semelhantes aconteceram na Austrália e não vimos a contabilidade macabra dos corpos contados girar feito uma caixa registradora gulosa.
Que tragédia! Encerro com a mesmíssima questão que aflige a todos: por que?
6 Comentários:
Como qualquer grande catástrofe natural, com o seu cortejo de morte, tende a realçar o que tão bem apontas sobre a precariedade do ser humano: depois de morto há que livrarmos-nos dele o mais rápido possível, por muita que seja a tristeza e já a saudade.
Quero transmitir-te, como brasileiro a minha solidariedade para com essa gente que perdeu, nalguns casos , quase toda a família e todos os haveres.
Uma tragédia!
Por que? Pela própria omissão do Estado que poderia prevenir tudo isso! O prefeito de Friburgo, por exemplo, cancelou o contrato com 16 estações metereológicas a troco de quê? Ele alega economia e agora quanto o Estado irá pagar de prejuízo? O Governo federal para se livrar da culpa planeja um projeto que responsabiliza a administração das cidades por ocupação de áreas proibidas... depois do leite derramado? Começou o jogo de empurra, empurra e nessa de parecer bonzinho, projetos em nome de pessoas mortas ou simbólicas, Cezar Maia já ganha a opinião pública. Eu pergunto até quando o povo aceitará ser fantoche. Beijus,
João, obrigado pelo carinho. Pelo que sabemos, o número de vítimas apenas na região serrana do Rio de Janeiro deve chegar a mais de 1,3 mil pessoas. É o maior desastre natural da história do Brasil e uma repetição de eventos anteriores que retrocedem à década de 50. Depois de 60 anos, o Rio, São Paulo, Santa Catarina, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e mais uns tantos outros estados não aprendemos a evitar o básico. Não aprendemos nada. A grande catástrofe é essa. Beijo!
Oi Luma, concordo em parte. O governo é, na minha opinião, responsável por 50% dessa tragédia. Os outros 50%, acho, são responsabilidade da própria população, seja na exploração comercial de áreas de risco, seja no lixo que é jogado pelas ruas e calçadas, seja na falta de uma consciência e atitude críticas que façam com que as autoridades sejam fiscalizadas e cobradas. Na soma de tudo isso, temos o resultado na contagem de mortos pela chuva. Não só desse evento, e sim todo ano em que vemos pessoas serem literalmente arrastadas pelas enxurradas. Apenas no Estado de São Paulo, passam de 30 as pessoas mortas pelas chuvas de verão. Beijo!
Eu me pergunto o contrário.
Diante de todos os fatos e opiniões...
"Porque não?"
Oi Cintia, primeiro, adorei que você apareceu aqui pela primeira vez para deixar um comentário. Seja bem-vinda. E seu questionamento procede. Por que não, já que tudo indicava que era justamente isso que aconteceria? Portanto, não há que se ter espanto, e sim apenas um olhar como o seu, contrário. Por que não? Se estavam todos - moradores, governos e empresas - cientes de todos os riscos que os crescentes ataques àqueles solos perecíveis resultariam numa resposta de iguais desastrosas proporções. Por que não? É o que em jornalismo chamamos de o outro lado, não é? Beijo!
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