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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Lavra, louvor, lavoura, lavar a alma

Terminei 2010 sob a lavra das palavras e começo 2011 ainda não com a lavoura, que essa necessita de cultivo para ser farta, mas, com louvor suficiente para lavar a alma. A passagem de ano, por si só, não significa nada. É apenas uma convenção do calendário gregoriano. Se outras fossem as calendas, como a dos chineses ou dos judeus, nem ao menos no ano novo estaríamos, os seguidores do calendário gregoriano, a matar um ano e fazer nascer outro.


De certo mesmo é o efeito revestido de simbologia que carrega a transição de um ano para o outro. E, daí sim, a entoação do tal louvor, a ourivesaria com as tais lavras de palavras, o cuidar da lavoura que se quer colheita farta, a lavação da alma, como se assim o fazendo, expurgasse com o ritual de purificação os males/sujeiras do corpo e também os da alma, embutida que vai dentro do corpo.


Se me vão os dedos pelo teclado a trovejar lavras sem sentido, digo que, ao contrário, caro/a leitor/a, o sentido está naquilo que o colocamos e, ao ler tanta aliteração de 'l', talvez o sentido lhe brote como a mim me brotam tais sementes que as pretendo cultiváveis.




Por fato, reporto que lavrei: carpi, uma vez mais. A cavalo, tombei sob o peso do corpo um bezerro nascedouro e me vi, repentinamente, numa réplica de manjedoura, sem reis magos a contornarem o campo ou estrelas-guias a me dirigirem. Foi simples assim: três homens, um menino, um gado (nelore, bravio), quatro bezerros recém-nascidos. Eu, depois de uma década sem cavalgar, me vi montado num cavalo que eu o conduzia ou ele a mim, e, ao entrar no cenário de presépio real, éramos, no final das contas, três reis, talvez um pequeno príncipe, a empreender a cura de quatro bezerros de dois ou três de vida. Que não eram de ouro os bezerros. Mas, o era o sol que nos banhava, sol do por do sol, dourado, alaranjado. Uma vermelhidão de sangue até, condizente com a cena que fazia banhar sangue também do umbigo de cada um daqueles bezerros prenhes de vida e, por um fio, um ataque aéreo de uma ave de rapina, chamada urubu, prenhes também de morte.


Encerrado o ritual de bruxaria moderna (a cura por remédio pecuário de laboratório suíço, multinacional), apeado do cavalo, ainda olhei ao redor e confirmei que a visão de manjedoura e três reis caia bem naquele cair do sol. Colocamo-nos os três (e mais o menino, posto que três eram reis e o quarto um príncipe) a cavalo e retornamos à casa.


Caiu a chuva sem aviso prévio e, para confirmar a lavra com que essas palavras são feitas, lavou-nos a chuva a alma, o corpo, os resquícios de bichos mortos pelo veneno suíço de origem, de bezerros curados e de cheiros de pasto e de gado. E talvez de perfumes, ainda que não recendêssemos a incenso, pois que os perfumes costumam escoar dos pequenos e dos grandes frascos sem que consigamos contê-los a contento.


Não foi sem louvor que compreendi e aceitei toda a cena encenada sem a menor pista de que aparentada do natal comercial fosse. Como assim? Não havia luzes, noeis, renas, nada disso. Apenas carneiros, vacas, bois, galinhas. Pastoreio, me entende? Era ou não um presépio?


Louvei o dia, o contexto, a noite negra já de chuva. Mais tarde, me doeram as pernas, condoídas de si mesmas do trotear a que foram expostas sem a devida proteção. Que importava? A cena viera e fora e se desenhara toda na minha frente, ao vivo, em cores, sem artificialidades de um velho barbudo que vem lá do gelo, longe da tropicalidade que aqui viceja.


Foi esta a cena de final de ano e é, portanto, com este conteúdo, este pequeno aparte do real que migro, simbolicamente, para este nascedouro ano de 2011 (no calendário gregoriano, que outros há mais antigos) e te desejo vistas semelhantes à minha, de lavar a alma, por segundos que fossem, que durarão eternos enquanto eu tiver memória para enxergá-los e sentido para os ver se materializarem. Foi assim. Só.

5 Comentários:

Anônimo disse...

REd,

Que belo relato! Fico contente em ter ler todas as vezes que volto de casa. Espero que todos estejam bem por la. Feliz 2011 para vc!

Anônimo disse...

Esqueci de assinar o post anterior.

Beijo,
La V.

João Roque disse...

Que bem te fazem os ares das raízes!
O desejo de um Bom Ano ou lá o que seja, com saúde, bons êxitos profissionais e uma vida familiar e afectiva bem positiva.
Beijo.

Redneck disse...

La V, estamos todos bem, como você pode ver pelo post. Desejo a você um excelente 2011. Beijo!

Redneck disse...

João, me fazem bem sim, aqueles ares. Te desejo o mesmo e também, quem sabe, que possamos nos encontrar pessoalmente neste 2011. Vamos torcer. Beijo!

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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