Meu rugido dominical
Quero ser tomado pela fúria. Não ser um leãozinho que rosna baixo, entre as paredes, para reverberar apenas no próprio cérebro. Quero estremecer as edificações, estremecer as ruas, ser um pré-terremoto.
Enjaulado, me sinto contido por poderosas algemas que me engessam. Se as quebro, sou de uma desenvoltura que não combina, meio desengonçada.
Quis me livrar de pesos passados. Quis abrir meu mundo. Fiz, desfiz. Parece que a minha órbita girou no mesmo compasso da Terra e que estou no mesmo ponto do qual parti.
Como quebrar o círculo, não ser infinito, previsivelmente infinito em mim mesmo?
Tive um sonho: havia um menino, de 3, 4 anos. Uma pessoa que conheci. Não o conheci criança. Mas, no sonho, ele era esse menino: estava nu, com uma chupeta na boca, com lágrimas sujas e um fio que escorria pelo nariz. Chamava a mãe. A mãe estava no tanque: pernas doloridas, braços cansados, fios que despontavam os primeiros brancos. A mãe não quis ouvir. Estava esgotada da demanda e o menino era, ao final, apenas mais uma demanda.
O menino chorou por longo tempo. Quando apareci, em sonho, ele me viu. Esticou os bracinhos, pediu colo. Eu o rejeitei. Dei as costas. Não quis acalentar. Tive medo do adulto que, no menino, me chamou em sonho.
Quando acordei, me tomei de fúria. Achei bom que fosse assim. Que não reste em mim qualquer réstia de condescendência. Estou cansado de ser permissivo, compreensivo, altruísta.
Quero ser egoísta.
Preciso ser ouvido, e não mais doar meus ouvidos ao outro. Preciso ser olhado, e não mais consumir com olhares o desejo que por eles passam. Tenho que rugir com vigor, me fazer notar para não me evanescer ao cair da tarde, na noite selvagem e na chegada das primeiras brumas.
Quero ser egoísta. Ser um humano completamente egoísta. Não compartilhar nada. Nem temores ou amores.
Estou influenciado por "Orlando Furioso" sim. Mas, não quero sofrer a queda. Quero o paraíso, não a perda. Sou humano, caramba!
Seja o primeiro a comentar
Postar um comentário