Meu rugido dominical
Na última sexta-feira, vi uma cena da novela "Duas Caras" que, para mim, diz muito da nossa urgente época contemporânea. Há um núcleo formado pela família rica (Marília Pera, Stênio Garcia e Débora Falabella), moradora da Barra da Tijuca, e o outro, pobre e marginal (cujo representante é o Lázaro Ramos), do morro. Bem, é claro que, no contexto do folhetim, a rica, bonita e branca Débora é apaixonada pelo pobre, negro e favelado Lázaro. Num dado momento, durante o jantar, à mesa estão a Marília Pera e mais dois personagens (não me perguntem porque não sei quem são). O pai, Stênio Garcia, está com a filha, numa tentativa de reconciliação. No exato momento em que pai e filha conversam, o celular da Débora toca. É o Lázaro, do outro lado. O pai deixa a filha, senta-se à mesa e comenta a conversa com Débora, a intervenção de Lázaro e a impossibilidade de reconciliação com a filha que insiste em se relacionar com gente de outra classe social. É neste exato momento que a personagem de Marília Pera brilha. A cena não deve ter mais do que um minuto e meio e a fala é perfeita. Marília comenta sobre a rápida comunicação atual. Não me lembro perfeitamente do texto, mas é mais ou menos assim: "A comunicação tem que ser rápida. Tudo é muito rápido. Você não tem muito tempo. As conversas são rápidas, as pessoas usam siglas para falar. GPS, GLS .... As mensagens são trocadas por abreviaturas, por siglas. E, quando você vê, já se beijaram na boca!", exclama a atriz, em referência a Débora e Lázaro. O pai, praticamente, tem um infarto à mesa. Não fui fiel ao texto, infelizmente, porque não me recordo. Mas, o que a personagem da Marília diz é que não nos aprofundamos mais. Não temos tempo a perder. Tudo é urgente. Você envia uma mensagem de texto pelo celular assim: "Encontro vc dq a pouco. Bj". No e-mail, quanto mais abreviaturas, melhor. Os chats (bate-papo) da internet já popularizaram, há tempos, uma linguagem personalíssima, com caras e bocas como ;) :0) :] (eu nem sei reproduzir). Mas, o público adolescente (de 11 em diante) sabe muito bem. Que comunicação é essa, feita de simbolismos e grafismos? Será que teremos que decifrar hieróglifos para nos entendermos? Marília está certíssima: é tudo assim, pá pum! Siglas para abreviar a conversa, meios de transporte da voz, chama-se e responde-se em qualquer hora e lugar. A impressão é que está todo mundo conectado. Falsa impressão! Ninguém está ligado a nada. É como a tecnologia mesma do celular: wireless, sem fio. Não há mais uma teia que une. Fechou o celular, acabou a conexão. As ondas até estão aí, por cima de nossas cabeças. Mas, como aranhas virtuais, temos que acionar o dispositivo que nos conecta. Ou então, estamos fora, unplugged. É essa comunicação atual, pós-contemporânea que definirá as futuras relações interpessoais. E, se as relações já são esgarçadas o suficiente hoje, imagine sem diálogos, apenas com gráficos, short messages e e-mails! Então, quando dois seres humanos estiverem a sós, o silêncio será a linguagem mais utilizada. Creio que terei de nascer de novo para aprender a grafia dos relacionamentos humanos porque, confesso, me sinto deslocado nesse cenário.
1 Comentário:
Muito bom o texto!
Há um filme -- ainda hei de lembrar o nome -- que tem como foco essa falácia de que a tecnologia e a velocidade aproximam as pessas...
É muito boa a cena inicial em que aparece um espaço, uma sala que parece ter sido organizada para uma festa.
O telefone toca, uma moça atende (pois dormiu por ali mesmo) e ouve alguém se desculpando por não ter ido e assim sucessivamente as ligações vão ocorrendo: vc então se dá conta que não houve festa por falta de convidados...
Cortázar já disse que "nada como a claridade excessiva para nos deixar totalmente cegos".
"Nada como a parafernália comunicativa para nos deixar completamente incomunicáveis..."
Te
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