Rastreio de Cozinha - 113

De verdade, eu gosto mesmo da aula de enologia e de enogastronomia. Quanto mais ouço sobre os vinhos, mais me apaixono por esse divino produto das vinhas. Hoje, a aula foi apenas conceitual, mas, dá para viajar nas informações. Acho que o encanto do vinho está no cerimonial que o cerca, nos rituais de produção, de fabricação, origem, pequenos mistérios que levam um determinado vinho a ser eleito como o melhor, o mais perfumado, o mais antigo.

O vinho se assemelha, em muitos sentidos, a obras de arte: algumas garrafas, centenárias, chegam a valer R$ 60 mil. Claro que você não consome esse tipo de vinho como se fosse um copo de água mineral. Esses vinhos existem, como bem comparou o professor, assim como existiu um  Van Gogh que fez girassóis. Quer dizer, se a pintora da Praça da República faz quadros de girassóis, nunca ela terá o valor de um Van Gogh, ainda que faça girassóis idênticos aos do pintor holandês. Da mesma forma, o vinho que atinge o valor homérico de R$ 60 mil a garrafa embute, no bojo da garrafa, a assinatura do enólogo, o terroir do qual foi extraído, a longevidade. Pode parecer estranho, mas, o vinho deixa de ser vinho comercial para se encaixar numa outra categoria quase que sem classificação.

Afinal, quem compra um vinho a R$ 60 mil? Vinhos assim não se tomam, se colecionam. Pode parecer uma besteira, mas, eu, sinceramente, entendo esse espírito que paira ao redor do vinho.

As duas primeiras aulas foram sobre as diversas castas (uvas) de vinho tinto (TTO, no jargão de enologia). Vimos as seguintes conceituações das castas:

- Cabernet Sauvignon - casta francesa, da região de Bordeaux, na França. Esse vinho é de uma casta mais masculina porque mais rústica. Tem mais tanino e é o melhor vinho para fazer marinadas de carne porque o tanino dissolve melhor a gordura. Os vinhos Cabernet Sauvignon de Bourdeaux são longevos - chegam até a 100 anos de idade. Quanto mais tânica a uva, mais longevidade tem o vinho. Aconselha-se a tomar de 1 a 3 taças de vinho tinto por dia para melhorar o funcionamento do intestino. Para as mulheres, aconselha-se a mesma dose de vinho branco, que faz bem para o funcionamento da bexiga, notadamente contra as infecções urinárias (enologia também é saúde).

(Cabernet Sauvignon)

O Cabernet Sauvignon é frutado, com gosto de ameixa e cereja. O Chile e a África do Sul também têm boas castas de cabernet sauvignon. Na África do Sul, o terroir local (sol, fotossíntese, solo ferroso) produz uma casta mais vermelha e mais tânica. Por conta do terroir, o cabernet sauvignon da África do Sul é mais adocicado. Note que não necessariamente um vinho mais tânico será mais adstringente. No Chile, a característica do cabernet sauvignon é de um vinho com aroma de carne, com gosto de sangue e algo próximo do mentolado (eucalipto).

O Brasil não tem tradição em vinhos tintos porque o solo da região Sul, onde é produzida a maior parte do vinho do País, é frio e produz uma casta muita ácida porque a ausência de luz do sol (como na África do Sul e na Califórnia, nos EUA) impede a uva de ter uma acidez mais

 interessante. Há uma produção modesta de vinho tinto na região de Petrolina (PE), que tem solo argiloso e areioso, o que produz um cabernet sauvignon de gosto mais apurado, com aromas de terra e de argila.

- Merlot: é uma outra casta de Bordeaux, na França. É uma casta mais arredondada. Vinho tinto para mulher, em oposição à masculinidade do cabernet sauvignon. Os taninos do merlot são mais adocicados e é ideal para acompanhar cozidos, pizzas e queijo. É um vinho para abrandar. Os aromas são florais (rosa vermelha), de chocolate, bolo de frutas, uvas passas e frutas vermelhas (morango e groselha).

(Merlot)

- Pinot noir: casta da região de Borgonha, na França. A longevidade desta casta varia entre 8 a 10 anos. Pelo acondicionamento em tonéis de carvalho, adquire um gosto tostado. De poucos taninos, o pinot noir alcança aromas de alcaçuz (espécie de raiz), trufa, couro, cogumelo. Vai bem com carne, shitake, peixe de água doce, salmão defumado e charuto árabe (feito com folhas de parreira).

(Pinot noir)

- Gamay: região de Burgundy, também na França, é dessa casta que surge o Beaujolais. No processo de feitura desse vinho, usa-se a maceração carbônica (os demais vinhos passam pela fermentação). Por esse processo, uma uva macera (ou esmaga) a outra em tonéis de aço inoxidável na medida em que incham. O cheiro do Beaujolais Noveaux, que é produzido anualmente mais ou menos no dia 15 de novembro, é de doce de banana. O vinho Beaujolais combina com sushi e sashimi e, consequentemente, de 65% a 70% de sua produção total são exportados para o Japão. No Brasil, este vinho chega ao País por volta do dia 10 de dezembro todos os anos.

(Gamay)

(Beaujolais Noveaux, safra 2007)

Tivemos também alguns conceitos de vinhos de castas brancas, conforme a seguir:

- Syrah, Syra ou Shiraz: casta de Rhône, França. Produzida na Cote Blanc, nas encostas da região de Rhône, os taninos do shiraz são fortes e agressivos e o vinho mais conhecido dessa casta é o Croze-Hemitage.

(Syrah)

- Gewurztraminer: da Alsácia, região germânica da França. Vai bem com comida thai, oriental e libanesa. Essa casta tem aroma de especiarias e de lichia, que lembra o gosto do champagne. Essa casta, quando atacada pela bactéria Botrytis cinerea (podridão nobre), produz o melhor vinho de sobremesa conhecido. O aroma é de fruta podre e os melhores vinhos dessa casta são o Sauternes (França) e o Tokay (Hungria).

(Gewurztraminer)

Vinhos com duas ou mais castas são chamados de corte (assemblage), o que significa que no mesmo vinho são misturadas duas ou mais castas. O Châteauneuf-du-Pape, por exemplo, tem 32 uvas (corte ou assemblage) em sua elaboração. E varietais são os vinhos com 100% de casta única. Mas, mesmo no varietal, pode-se ter até 15% de outra casta e, mesmo assim, o vinho é classificado como varietal (essa classificação vale tanto para os tintos quanto para os brancos).

(Romanée-Conti)

Essas foram as aulas de enologia e enogastronomia de hoje. Falamos de tudo. Inclusive de Romanée-Conti (considerado o maior vinho da região de Borgonha, é da casta de pinot noir), cujo assortiment (seleção de 12 vinhos, dos quais apenas um é o Romanée-Conti) custa US$ 6 mil e de Petrus (merlot, também da região de Borgonha, cuja garrafa pode chegar a R$ 20 mil), bastante apreciados pelo presidente Lula.

(Petrus)

As aulas de enologia - práticas, de degustação, e teóricas -, me deixam inebriado, de verdade. Ou seja, "in vino veritas" (a verdade está mesmo no vinho). Ou eu é que fico embriagado e desato a falar besteira. Tanto que as duas aulas seguintes - de Gestão de Pessoas - passaram em brancas (não tintas) nuvens. Até agora não sei exatamente o que foi o conteúdo das duas últimas aulas.