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domingo, 21 de setembro de 2008

Meu rugido dominical


Você é uma pessoa flex? O carro flex é aquele que alterna o uso da gasolina e do álcool, conforme a vontade do condutor. A pessoa flex é aquela que tem flexibilidade o bastante para optar por A ou B conforme a necessidade, as condições do ambiente ou a oferta - alta ou escassa.


Penso no conceito de carro flex quando, na noite, vejo pessoas que ficam com uma, duas ou mais pessoas e, inclusive, numa liberalidade em que não cabem preconceitos: uma mulher fica com um cara, beija outra mulher e volta a ficar com outro cara. E o mesmo ocorre com o cara: fica com uma mulher, dá bola para outro cara e, às vezes, até mesmo vai embora com outro cara.

Essa flexibilidade, no entanto, eu não a compreendo totalmente. Não sei dizer quais são as origens de um comportamento supostamente flexível o bastante para que o combustível interno dê conta das várias alternativas que se oferecem noite adentro.

Tenho para mim que, antes, tudo era enrustido: as vontades ficavam mais ou menos encobertas pela conversa fácil. Tudo era apenas sugerido, nunca explicitado. Qualquer tipo de conduta era medida, empacotada em palavras dúbias, cheias de significados ocultos. Ao final, era preciso montar uma força-tarefa para colocar em prática o que a mente trabalhava insessantemente para viabilizar.

Agora, tudo é feito de forma rápida. Fui, recentemente, numa festa em que o menino fez uma rotatória completa, num giro de 360º. graus: tocou meia dúzia de pessoas, de forma lasciva (homens e mulheres), sugeriu promessas de sexo para todos, agarrou duas ou três pessoas, conversou e alisou ao menos uns três caras da festa e finalizou a performance com o ataque súbito a uma menina, com quem, finalmente, concretizou o ato de ficar (não sei se de forma explícita ou apenas o que foi visto em público).

Em outra ocasião, vi a menina se atracar com outra menina - e antes, me falava que queria ficar com um cara -, despachar a menina (há muitos artifícios na noite, desde passar a balada a se esquivar da primeira "ficada" até ficar com outra pessoa de forma ostensiva na frente da pessoa com quem se estava no momento anterior) e partir para o ataque ao universo masculino. E isso tudo em público, com, teoricamente, toda uma platéia a testemunhar a peregrinação.

Há, ainda, nesse modelo de flexibilidade, de ser flex, um padrão de comportamento sutil: você elege um alvo e trabalha (nesse caso, você pode ser chamado(a) de "pro", de profissional) para atingir seus objetivos. Se você consegue, você tem que, invariavelmente, ostentar o troféu. Mas, nem sempre o troféu é dócil. Nesses momentos, você tira do bolso o registro de flex e reconhece que o combustível já foi trocado. Se você está descolado(a) o suficiente para fazer as manobras e optar por diferentes tipos de combustíveis, basta ligar a válvula que faz a conversão e, voilà!, começa de novo a empreitada de aproximação, pressão, domínio e conquista.

São pequenas caçadas noturnas onde, em menor escala, se observam atitudes ancestrais: o plano de captura do bisão, o reconhecimento geográfico do terreno, o estudo do comportamento da "vítima", o arranjo das armas, a cooperação da tribo (amigos) e, finalmente, o bote fatal.

Claro que tudo se passa num nível em que caça e caçador exercem seus papéis exatamente como se espera: olhares longos, marcação cerrada, ombro-a-ombro, encoxadas, leves pegações, ofertas (de bebida, de cigarro) e, de repente, você está lá, ancorado(a) numa parede, com a caça devidamente abatida.

Toda essa mise-en-scène, contudo, depende de uma série de eventos para se chegar, ao final, com algum controle sobre o quanto o comportamento flex interfere ou não na sua atitude. Se você mantiver uma atitude radical, que é oposta à flexibilidade, você é automaticamente isolado(a) pela tribo inteira (balada).

Dar-se ares de donzela em uma balada só serve para uma coisa: ir, na manhã de domingo, na saída da balada, à igreja mais próxima e rezar feito uma freira com acessos de paganismo. Não adianta! Pela minha experiência, a donzelice foi, há muito, extinta, e não fica nem bem (a não ser numa festa medieval na qual freiras e padres prosmícuos são admitidos) pintar-se com tons sóbrios de lisura e compostura.

A maquiagem mais bem-aceita, na minha opinião, é aquela de contornos sugestivos, de tons sombrios e olhares escusos (com espessas e gigantescas sobrancelhas que se movem rápida ou cautelosamente, conforme o objeto do desejo atravessa seu campo de visão). Esse makeup é necessário porque, no processo de troca de combustível, você sempre pode sair um pouco sujo(a) de graxa e de óleo. O que, vamos combinar, a depender da situação, vem bem a calhar também, já que estamos a discorrer sobre fetiches, quebras de estereótipos e personas.

Para atravessar o post e sair do posto de abastecimento e chegar ao imenso teatro em que se converteu a noite, você percebe que há quase um circuito de corridas? Você começa a noite com a nem tão difícil decisão de ser um(a) ou outro(a) no leque do conceito flex (essa decisão nem sempre é totalmente sua) e, na partida, no segundo engate, você percebe que bastam pequenos movimentos. O resto se conduz por si mesmo.

Dadas as flutuações que ocorrem na noite, entre você e a tribo, basta pegar carona, passar a base na cara e fazer carão (não exagere ou você será desmontado(a) rapidamente pelo comentário ácido que costuma tombar pretensões alheias). De resto, é garantir na mochila o estojo M.A.C. para eventuais atuações que exijam uma produção um pouquinho mais elaborada.

Definitivamente, a noite é um teatro com várias possibilidades e você pode desde recender a gasolina ou a álcool e posar de machinho, machão, emo ou putinha. Não importa. Sempre haverá flexibilidade o bastante na sua elasticidade (que deve, obviamente, ser trabalhada durante a semana) para que você cruze o salão da balada com as devidas salvaguardas. Ou, então, morrerá, sem que eficientes salva-vidas te detenham.

7 Comentários:

Anônimo disse...

antes ainda de chegar ao fim pergunto- essa de caçar e ser caçado, comer ou ser comido, sobreviver e a presa perecer... nunca percebi direito! não acredito em vencedores e vencidos, nessa parada que você descreve aqui... jogo do gato e da rata, ou da gata e do rato, consoante, ou ainda versões outras mais arrojadas. vou terminar a leitura.

Anônimo disse...

antes ainda de chegar ao fim pergunto- essa de caçar e ser caçado, comer ou ser comido, sobreviver e a presa perecer... nunca percebi direito! não acredito em vencedores e vencidos, nessa parada que você descreve aqui... jogo do gato e da rata, ou da gata e do rato, consoante, ou ainda versões outras mais arrojadas. vou terminar a leitura.

Anônimo disse...

e que tal "5 dedos" para conceito de flexibilidade? :-) santa paciência. "você" parece amargurado, só não percebo com quê... não diga que deixou a festa de barriga vazia!?...

Redneck disse...

Criatura, o que vem a ser "5 dedos"? Quanto ao negócio de caça e de caçador, existe sim, desde os primórdios. Não sei por aí, mas, por aqui, é evidente que vivemos nessa eterna guerra de caça e de caçador. Vejo isso a toda hora, inclusive na convivência diária, seja no trabalho, na balada ou até mesmo na rua. Disputamos o tempo todo: espaços, vantagens. E não, não estou amargurado não. Ao contrário, ando bastante feliz. E não, também, não saí de barriga vazia. O texto simplesmente é de constatação, nada mais. É o que vejo no comportamento das pessoas (e meu, inclusive). Abraço!

Anônimo disse...

espanta-me como consegue ver tão "perto" esse comportamento! binóculos? janela indiscreta? e "5 dedos" é o que normalmente as criaturas, aqui e aí, t~em nas mãos, às quais dão uso, por vezes... ;) eu também constato muito. adoro constatar. vou-me até dedicar, de corpo e alma, a arte da constatação.

Redneck disse...

Como assim, ver de perto? É impossível não ver. Os amigos cometem esse tipo de atitude, falam sobre isso. Não é o que eu vejo somente, e sim o que é falado, no discurso das pessoas. Fala-se e se faz. E por que você é tão arredio ao fato de eu constatar, constatar e constatar? Adoro observar as pessoas e a forma como agem. É só isso. E se coloco em texto é porque creio que me interessa. Afinal, convivo com as pessoas e, como elas, sou observado. Para mim, é apenas um exercício mental. Adoro escrever e o faço. Simples assim. Se sou repetitivo, como você costuma afirmar, é porque a realidade nada mais é do que rotina e cópia de si mesma, extremamente repetitiva e sem-graça. Abraço!

Anônimo disse...

se leio o seu espaço é porque gosto, claro, e se reajo a ele, ainda, é porque não estou cansado tanto assim das repetições. continue, pois. quanto ao que sou arredio, deixa pra lá!

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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