Isto não é para você - XV
(previously, leia "Isto não é para você - XIV", direto de O Quem)
Olívia desligou o telefone. Sabia que Antônio quase sentira o tremor e o toque falso de sua voz. Mas, a máscara estava colada ao seu rosto. Não podia desmanchar-se. Fazia sentido, não? No fundo, a gravidez de Helena não era surpresa. Esperara por essa revelação. E que tivesse vindo de Marcelo era bem coerente. Melhor assim. Marcelo ainda a olhava e ela agradecia Antônio por tê-la salvo do momento delicado. Agora, mais recomposta, disse para Marcelo: "E como ela está?". Ele respirou fundo e respondeu que Helena, finalmente, estava mais sólida do que nunca. "Mentira", pensou Olívia. Preferiu fazê-lo acreditar que era verdade. Pensou rapidamente e decidiu que mudaria toda aquela cena. Primeiro, disse a Marcelo que gostaria de caminhar. Iria a Canden Town, perder-se no imenso comércio popular. Claro que a Tate era uma opção. Mas, quem quer ver o abstrato quando o real é tão denso? Olhou o relógio. Marcelo entendeu. Tinha que dar esse tempo a ela. Teria que absorver a gravidez de Helena. E, depois, Helena já deveria estar preocupada com sua ausência na tela do celular. Por que mesmo se esquecera de enviar a mensagem para a esposa? Achava que o esquecimento era, de fato, deliberado. Marcelo sentiu-se amuado. Tinha a impressão de que era apenas o canal pelo qual passava o redemoinho das vidas à sua volta. Não era resignado, mas, ultimamente, sentia-se um tanto quanto inadequado consigo mesmo. Depois de vários anos, os jogos de vida - e amores - cansavam-lhe. De repente, teve vontade de estabilizar toda aquela loucura. Parar. Ser ele mesmo. Não tinha idéia de onde começar. Faltava-lhe energia. Deu adeus a Olívia na rua e tomou um táxi. Olívia sabia que algumas coisas estavam em recomposição: a nova informação sobre Helena, o silêncio de Marcelo, Antônio a lhe chamar a razão, de alguma forma. Talvez a confluência de tudo isso a levasse a novas saídas. No somatório geral, estava bem. Ao contrário do que pensava, o mundo não tinha vindo abaixo. Era o de sempre: encruzilhadas e possibilidades. Acenou para o táxi e preparou-se para enfrentar o mercado das pulgas. Londres vibrava e Olívia sentiu-se tomada pela velha inquietude. Dubai já soava como um oásis dentro daquela civilização cada vez mais frouxa. "Bem, talvez, talvez ....", pensou, enquanto o táxi serpenteava pela cidade. Ah, Londres. Era hora de ir.
(post script, leia "Isto não é para você - XVI" em Mimeógrafo Digital)
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