Isto não é para você - VI
(previously, leia "Isto não é para você - V" Mas, também, por que bancar (e se sentir) tão sonsa? Já era hora de parar com rancores mesquinhos. Quem tinha alimentado aquela mágoa a ponto de virar uma bola gigantesca dentro de si mesma? Olívia tinha um defeito: não era altruísta. Não, não tinha que bancar a boazinha. Longe disso! O problema é que apontava o dedo e não parava nunca. Marcelo a cutucou, interrogativo, quando o atendente perguntou algo. Ela respondeu e sentiu que as palavras eram jogadas no balcão do hotel. Subiram em silêncio. Era difícil quebrar a barreira e, ao mesmo tempo, não deveria ser assim. Mal se olharam. Mas, os espelhos devolveram os reflexos soturnos de ambos. Ele carregou a pequena mala, frouxa como ela. Pagou a gorjeta. Sentou-se na beira da cama e perguntou: "Estamos bem?". Olívia não respondeu. Foi ao minibar, pegou uma garrafa de água e serviu-se. Tudo era um turbilhão, sempre. Lidar com a própria loucura era insanidade. Ela jogou a bolsa no único móvel disponível, foi ao telefone e murmurou algo. Sorriu, mais para si mesma, consciente que era seguida pelo olhar de Marcelo. A campainha tocou. Agradeceu. Marcelo viu as duas taças e uma garrafa de vinho. Tinham que beber o momento para empurrá-lo garganta abaixo. Ela foi solícita e o serviu e a si mesma. Tilintaram os copos, mecanicamente. Ele jogou a taça no tapete. Ela deixou a sua à beira da cama, no chão. Não se falaram mais. Não havia porque resistir. E as palavras perderiam qualquer sentido. Apenas físico. Pele. Nada, nenhum gesto. Para quê? Marcelo saiu. Era manhã. Ah! Os malditos pássaros de Londres também sabiam que ela os odiava? Parecia que havia uma conspiração de penas em curso. Fez um gesto de desalento. A noite não havia sido como pensara. Mas, alguma coisa acontecia por que você pensa que deve ser assim? Olhou-se no espelho do banheiro e se viu: com um pequeno ríctus nos lábios, uma lembrança; olhos avermelhados, de sono; cabelos escorridos (ah! que ódio!). Entrou no chuveiro. Não queria pensar. Queria agir feito uma pedra: ficar lá, dura, imóvel, à mercê do tempo, até que alguém a rolasse para outra direção. Abanou a cabeça, contrafeita. Tinha que mudar a atitude. Ouviu a porta. Marcelo chegava com o café da manhã. "Deixa de ser sonsa. Cresça!", gritou dentro de sua cabeça. (post script, leia "Isto não é para você - VII" em O Quem).
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