Meu rugido dominical
Na semana passada, durante uma aula, um professor, nas apresentações, lançou para a classe o chavão "ninguém pode viver sozinho". Era uma referência ao trabalho em equipe e a outros conceitos bestas que os teóricos de administração insistem em colar ao ser humano. Ele chegou até mesmo a citar o programa do Roberto Justus como referência, o que é, obviamente, um erro, porque, em "O Aprendiz", busca-se a conquista individual, e não a coletiva.
Como também não sou chegado ao coletivismo, em suas muitas instâncias, fiz cara de paisagem e comentei com meus colegas do lado que prefiro a carreira solo à coletiva. Fui tachado imediatamente de arrogante. Minha mania de nomear meu apartamento de "torre" já é conhecida pelos mais próximos e, logo, fui desancado como um ser que vive enfurnado na torre. Houve mesmo uma colega que fez coro ao professor e me apontou como um mau exemplo de isolamento social (por outros motivos, na verdade, que não cabem aqui).
Esses colegas me ameaçaram com o corte do telefone, da internet e da TV como forma de me desabrigar da minha barricada e me expor ao frio e duro contato das ruas e, principalmente, com as facções às quais sou, em primeira instância, antagônico. Ou seja, todos os demais seres humanos, na definição das minhas queridas amigas de classe.
Hoje, domingo, fiquei grande parte do dia sem internet, sem telefone fixo e sem TV. A NET saiu do ar e, com ela, eu. Não me considero um dependente de primeiro grau em televisão. Mas, sou altamente intoxicado pela internet e pelo telefone. Isso é fato. Creio que, quando os EUA inventaram o telefone celular, pensavam em pessoas como eu, que se penduram nos fios fixos e ondas móveis como passarinhos para não perder o contato com o mundo lá fora. Não, não foi a guerra que levou ao desenvolvimento da comunicação móvel, e sim o fim dos tambores africanos que já faziam essa comunicação e também a pressão dos grupos ambientalistas pelo fim dos diáologos por sinal de fumaça, altamente poluentes.
Dado isso, chegamos, teoricamente, a um alto grau de conexão com o mundo exterior. Ai de você se ousar afirmar que não tem e-mail, celular ou que não conhece o Google. Você é tido como um pré-ser humano, incivilizado, um Tarzan cujo único fio familiar é o cipó.
Ao ficar neste domingo um bom período sem ligação umbilical com o mundo, pensei imediatamente que, lá atrás, no já desbotado quadro da minha infância, vivi no meio do mato, sem luz elétrica, sem qualquer tipo de comunicação tecnológica e totalmente alheio ao que, agora, convenciona-se chamar de "isolamento".
Claro que não éramos, a minha família, completamente isolados. Sim, havia carros, vizinhos (esparsos) e a comunicação com o mundo exterior ocorria por meio de uns e outros que iam à cidade, pelos professores, pelos raros livros que chegavam, revistas velhas (fotonovelas) e, sobretudo, na conversa rotineira com os vizinhos de roça.
Quando os vizinhos precisavam de ajuda, bastava gritar uns pelos outros. A comunicação era vibrante, se eu me lembro bem. E havia o encontro dominical, com a minha família embarcada toda para a cidade ou, no mínimo, como os demais, em torno da igreja que funcionava simultaneamente como centro de convivência social e espiritual. De fato, o que mais unia toda aquela comunidade rural era o sino que nos chamava para as missas.
Posso afirmar que eu era, no meio do mato, um animal isolado? Não creio! Ainda que não tivéssemos acesso a nada, absolutamente, tudo era mais compartilhado, até onde me lembro. Hoje, que moro a dois passos da Avenida Paulista, considerada a mais importante avenida da América Latina, não me vejo mais ou menos isolado do que costumava ser na zona rural. Ainda há pouco, este texto não seria possível se eu não tivesse a internet de volta. Olhei lá fora, neste início de noite, e vi que dois postes estão apagados, o que dá uma sensação meio estranha, com um ar noir que me remete aos crepúsculos da roça. Há, mesmo, muita diferença entre a principal metrópole do País e aquele pedacinho de terra cercado por linhas do horizonte visíveis que, até hoje, permite que se veja o nascer e o pôr do sol em toda a sua magnitude? Duvido!
Ontem à tarde e à noite, caminhei pela Paulista. Estava particularmente agradável. Tanto a tarde quanto a noite. Devo admitir que há muito tempo não via tanta gente a caminhar pelas calçadas da avenida. E à noite!!! Muita gente, com energia, com vitalidade, a aproveitar um certo clima convidativo. De novo, isso me remete à minha terra original. Fazíamos caminhadas longas para arrecadar doações para futuras quermesses de promoção de pequenas formaturas (tão ingênuas!). Saíamos da cidade e nos embrenhávamos nas estradas de chão batido. Num caminhar incessante. Um footing que, com algum esforço, une-se ao mesmo footing do paulistano nas calçadas da Paulista.
Uma - São Paulo - e outra - minha terra, zona rural - se ligam, imediatamente, sem que seja necessário qualquer tipo de conexão tecnológica. Pelo isolamento geográfico de uma (minha terra), a outra (São Paulo), ao me encerrar dentro da torre, cercado por um aparato tecnológico, são, ambas, ambíguas. De uma eu quis fugir tão logo comecei a entender o mundo. De outra, quero fugir quanto sinto todo o peso de encarceramento (auto)imposto. Na soma desses dois mundos tão distintos e tão equivalentes, o que sobra são as mesmas angústias. Exatamente a angústia contida no canto sem fim da cigarra de lá e no alarme estridente de carros daqui.
7 Comentários:
estamos sim mais isolados, porque rodeados de gente e não de árvores. e não tem comunicação porra nenhuma! e cada vez sabemos menos. e as cidades são desertos de pedra. e as pessoas areias. e merda de comentário!
Caro Anônimo, primeiro, você chama meu texto de "proli-xo". Agora, raivoso, esbraveja. Por que você insiste? Para ficar com mais raiva? E, se tudo te incomoda tanto, por que volta e volta e volta? Cinco, seis vezes ao dia. Se as cidades são de pedras e as pessoas areia, parte disso é porque tem gente como você, com ódio de tudo. Eu lamento o estado das coisas nos meus textos, mas, não alimento o ódio ao humano. Por que tanto ódio no seu coração? Por que você faz com que as pessoas se afastem de você? É carência? Você quer fluoxetina? Pelo menos, acalma um pouco. Quer colo? Quer me xingar? Não há Porto que seja seguro o bastante, não é? Um abraço bem apertado, que não sou árvore.
fluoxetina nada! agora é venlafaxina! e mais umas tralhas... não é ódio ao humano, antes fosse, haveria uma razão. que não sou de ódios, tão pouco de não-motivos. agora que irrita quem se acha no saber que eu desconheço de mim, isso sim! quando voltar no tempo, gostaria de encontrar pessoas com quem conversar, assim como quem tem tempo e não tem medo. volto a ver se percebo, mas em vão. e não vem com "não há o que perceber!"! já passou a fase do "surto" tá? (afinal porque não sou anónimo???????????? põe raiva nisso!)
em uma coisa lhe dou razão: não tem volta...
OK, OK. Só uma coisa: eu não me acho no saber de ninguém, muito menos de mim mesmo, e por isso elocubro tanto. Tenho necessidade de fazê-lo e, ao que parece, você também. Quanto ao surto, melhor tê-lo que engasgar com venlafaxina. De qualquer forma, Anónimo ou não, estamos todos no mesmo barco e, portanto, atracaremos num mesmo porto, mais dia menos dia. Respostas não as há. E nem me pretendo sabedor de algo que se me escapa sempre e sempre. Ainda mantenho o abraço, nesse e em outros tempos.
Fale mais sobre a sua infância, Red. É tão lírica!
Fiquei pensando nessa nossa dupla natureza, uma busca por si e pelo auto isolamento, entremeada por desejos de encontros, de espaços urbanos, de gente. Acho que parte do que somos se construiu em silêncio, por assim dizer, e parte em contato. Mas mesmo no silêncio estávamos em contato, pelo pensamento e pelo sentimento. Acho que afinal somos gregários, por mais que precisemos eventualmente de um descanso.
Beijo.
Luísa, mas, líricos são seus olhos, que assim vêem o mundo. Minha infância pode te soar doce, mas, sem a tua própria lira, não te saltaria aos olhos a poesia do texto. Belo comentário, o seu. Beijo, querida!
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