Meu rugido dominical
Você tem o costume de assoviar sozinho(a) ou de cantar embaixo do chuveiro? Eu não! Por esses dias, me dei conta de que mal sei assoviar e que nunca tampouco cantarolo quando no banho. Tenho um colega de classe que, assim que os professores dão as aulas por encerradas, começa a assoviar. Isso mesmo! Dentro da classe!
Eu acho engraçado e o vejo e a seu assovio como que libertos do gesso disciplinar das aulas. Talvez seja isso. O que me passa é que o assovio, para ele, é um sinal de libertação naquele momento.
Também tenho observado que estou cada vez mais carrancudo. Tenho duas carrancas do Ceará na minha estante e, às vezes, me miro nelas como se fosse um espelho. Creio que tenho mantido minhas feições muito fechadas, duras mesmo!
Na rua, quando caminho para fazer qualquer coisa ou mesmo para fazer nada, sinto que meu rosto está congestionado, crispado. Não sei dizer porque, mas, fechei minha cara de uns tempos para cá e não sei mais como "desfechar" a face.
Creio que é um conjunto de tudo: ausência de assovio, falta de inspiração para cantar debaixo do chuveiro e rosto fechado. Isso faz com que eu me converta numa máscara rígida, de rigor mortis. Me sinto um faraó mumificado sem que eu tenha tido a glória correspondente de um deus do Egito. Sou apenas aquele guardião que foi enterrado vivo junto com o faraó para guardá-lo na eternidade.
Há uma série de superstições com as quais eu brinco que, na minha concepção, nos transformam nos adultos que somos. Uma delas é que se você foi envolvido(a) em cueiros quando criança, provavelmente é um(a) adulto(a) trepidante, que vive amedrontado(a) e encolhido(a), com medo de sair dos cueiros e proclamar de vez a independência.
Admito que fui envolvido em cueiros quando bebê. Somente não fiquei - outra tese minha - com os resquícios, que se constituem, de maneira geral, em um andar cheio de tropeços e de situações embaraçosas - errar as portas, bater com o rosto em paredes de vidro, cumprimentar uma pessoa estranha por confundi-la com conhecidos, entrar no banheiro das mulheres (ou dos homens) por engano, cair da cadeira, dormir encostado(a) em alguém etc. etc.
Outra informação da tenra idade é que, quando tínhamos - bebês - soluços, havia que se colocar um fiapo de tecido (em geral, da manta ou da cobertinha que nos recobria) nas nossas testas para que parássemos de soluçar. Tenho quase certeza de que na minha testa não foram colocados fiapos. Fato que me deixou sequelas até hoje. A constância do soluço na fase mais infantil fez com que eu crescesse cheio de neuroses. Engasgo para me explicar e para falar em público e, quando o faço, a voz sempre é precedida de tosses, afunilamento da garganta e uma espantosa falta de ar que, por vezes, configuram quase que uma auto-asfixia.
Quando liberado de toda essa mise-en-scène, o que sai é um piado débil, nada mais! Os soluços e a falta de fiapos me drenaram a voz viril, alta e vibrante que eu, pré-barítono, deveria ter.
Por fim, um terceiro elemento construtivo da pessoa que vim a ser diz respeito à relação entre madrinhas (de batismo) e seus afilhados. Diz-se, popularmente, que as unhas do bebê devem ser aparadas pela madrinha. Não tenho uma memória autóctone, mas, suponho, quase que com certeza, que a minha madrinha de batismo jamais colocou suas mãos nas minhas unhas. Mesmo porque meus padrinhos viviam em outra cidade e apareciam em parcos e espaçados períodos.
De forma que minhas unhas não podiam ficar à mercê da madrinha para que não se transformassem em pequenas garras. Assim, esse traço de construção da minha personalidade também foi obstruído.
Até aqui, três importantes itens de formação foram responsáveis pela minha (de)formação, todos oriundos da idade primeva: envolvimento em cueiros = adulto trôpego, ausência de fiapos na testa = voz claudicante, afasia e ausência de afirmação e unhas nunca aparadas pela madrinha de batismo = falta de contato tátil e medo do toque.
Esses elementos, associados à total inabilidade de assoviar - e fazê-lo de forma ostensiva e feliz - e da falta do menor impulso de cantar sob a água do chuveiro me transformaram em uma pessoa cheia de esquisitices e com uma carranca de fazer inveja à imaginação dos artesãos do Ceará. Hoje, sou casmurro e macambúzio. Mas, e sobretudo, não me faltam as garras, que eu desisti de apará-las.
10 Comentários:
já li e... é. também tenho disso, doses de carranço e falta de assovios!... enfim. deixar pra freud explicar...eu bem tento, por vezes... mas não tenho aquele dom não...
Ai Red, que vida dura, ne? Nem me fale desse negocio de bater a cara no vidro, entrar no banheiro errado (fiz isso semana passada, num shopping cheio de gente) e errar as portas. Aqui, com a cidade subterranea, tem muita porta e eu nao consigo nunca voltar pelo mesmo caminho. Ou seja, estou sempre perdida.
Beijos saudosos
Anônimo, eu ainda vou moldar uma máscara mais flexível para sobrepor à minha carranca.
La Voyageuse, não é mesmo? Lembra quando eu sempre comentava isso? E você sabe que entre você, Lalá, Lelê e Lili rola muito disso, não é? Beijo, me liga! Por falar nas três Ls, acredita que eu encontrei a Diana ontem na fnac? Tambêm, fui quatro dias consecutivos na fnac. Um dia, tinha que encontrar alguém. E a doida estava lá, alheia ao mundo.
Falando em "doida alheia ao mundo", me lembrei que há algumas semanas, em uma festa de casamento que precisava parecer linda, ótima, independente e vibrante, dei com tudo minha cabeça numa porta de vidro, na frente de todo mundo. Algumas pessoas riram, outras tentaram se fingir de preocupadas. E eu, mortificada, me coloquei no meu lugar: não adianta tentar fingir, I am who I am! hahaha!
Red,
Comprei os cartoes telefonicos hoje, mas como a diferença de horario agora eh de 3 horas, acredito que vc estivesse na faculdade. Te ligo em breve.
Bjo
Diana,
Pior é quando a gente da um vexame desses e ainda fica tentando manter a pose; ou se finge de morta depois de rolar escada abaixo. rs...
Bjo
Diana, é tão difícil ter que admitir que há limites. Mas, não se preocupe. O seu 'eu' legítimo e muito mais interessante do que o 'eu' forjado. Ainda que, às vezes, nós, seus amigos, sejamos contemplados com cenas como essas. Eu acho que está tudo bem. Ao menos, podemos rir. Você bem sabe que eu, ao assistir a uma cena dessas, certamente não me conterei. Acho divertido. Beijo!
La Voyageuse, enquanto a faculdade não acabar, sinto que o tempo tem uma relatividade diferente. Durmo em horários os mais estranhos e parece que o dia não é suficiente, nunca. Quanto a manter a pose, repito o que disse para Diana: é melhor ser você mesma. Não adianta, como a Diana afirmou, ser outra. Essa é você. Mesmo que ao custo de ser objeto de galhofa. Principalmente dos amigos. Mas, é para isso que servimos, não? Beijo!
Red, interessante você notar que entre nós, meninas superpoderosas e incomuns, situações destas são freqüentes. Esquecer nomes e cumprimentar gente que não conheço é comigo mesma! Pelo menos é algo que nos aproxima...rs.
Diana, temos esse prazer um tanto sádico de rir quando alguém desaba ou dá com a cara na porta (literalmente!), mas, no fundo, todos temos nossos momentos "alheios ao mundo". Fiquei pensando qual seria a minha reação. Se eu bater na porta vou sair rindo, meio zonza. Ao ver uma amiga nessa situação acho que o impulso de rir seria maior. Enfim... todas as lindas têm seu momento desajeitado. Faz parte do charme.
Luisa, é engraçado que não pensei, a princípio, em vocês, over-poderosas. O impulso de rir de nós mesmos é o que nos faz melhores, creia-me. Agora, não sei se concordo que as 'lindas' têm momentos desajeitados. Quando isso ocorre, vocês podem ser tudo, menos lindas. É um vexame e, repito, se eu estiver por perto, me afasto e aponto, rindo. do amigo, sempre! Beijo!
Postar um comentário