Minha vida sem mim
Sabe aqueles sonhos que temos em que sentimos como se estivéssemos fora do nosso próprio corpo? Você nunca sabe muito bem se é sonho ou realidade. A sensação não é muito boa. Você não consegue se mexer, respirar e parece que morreu ou vai morrer. A impressão é que todo o seu corpo sai de você e paira, a olhar aquele estranho ali embaixo. Geralmente, isso ocorre num período pré-sono profundo. E quando você consegue sair do estado de congelamento, é um alívio. Mas, e quando essa sensação perdura durante o dia, com você acordado? Será que estou aqui? Será que sou eu ou é algum espírito que se apossou de mim enquanto eu me jogava inocentemente nos braços de Orfeu? Inércia é a única palavra que me vem como resposta. Há momentos na vida em que entramos numa fase inerte, de falta de vontade de fazer sem saber exatamente o quê e para que. O que é isso? É depressão? Não creio. Quando estou na rua, costumo olhar as pessoas e tentar entender o que fazem, para que, por quem e quais são suas expectativas. É, costumo sim. É um hábito. Se eu estiver dentro do carro, a possibilidade de elaborar a história de uma pessoa enquanto ela passa na minha frente é maior ainda. É um exercício de fantasia, suponho. E o fértil terreno da fantasia faz com que eu imagine o que aquele ser humano vive e se pensa sobre isso. Sempre digo que quanto mais se sabe, menos você crê. Daí que você queria ser simples, não saber nada, não ter conflitos internos. Sabe? Não articular tanto com o cinismo que, inevitavelmente, toma conta de seus pensamentos. Numa projeção, de repente, não ser você. Dá para ser outra pessoa, sendo você? Sempre ouço e até vejo pessoas que se reelaboram, destróem os traços antigos e criam novos. Como se fossem um programa de computador. Basta uma atualização. Mas, o problema é que ou você deleta o disco rígido ou as informações ficarão lá, não mais na superfície, é certo, mas permanecerão acessíveis. Então, há ou não uma outra pessoa? Dá para criar uma vida sem mim para mim mesmo? Jogar fora o Redneck que está aqui e reinventá-lo, com todas as especificações que o atual não tem. Como se faz isso? Não temos manual de usuário, o que é uma pena. Não tem um serviço de atendimento ao cliente caso tenhamos problemas com o produto. Não existem FAQs (frequently asked questions ou dúvidas mais frequentes) para nós mesmos. Não temos garantia e o fabricante jamais nos aceitará de volta. Minha vida sem mim é um filme que conta a história de Ann, uma jovem de 23 anos e mãe de duas filhas, sem grandes perspectivas, que vive com o marido num trailer no quintal da mãe e trabalha como servente numa universidade. Ao fazer um exame, ela constata que tem um tumor e que lhe restam apenas dois meses de vida. A idéia é radical porque há um fim previsto, com prazo determinado. Mas, a personagem tem tempo, pouco, mas ainda o tem, para resolver as pendências afetivas (que são as piores). Agora, quantos de nós sabemos o limite do prazo? Eu nunca vi nada inscrito em mim que me diga que vencerei em determinada data. Deve estar tatuado, sim, em um dos cromossomos, no DNA. Uma microscópica etiqueta (acho que tem até o formato de código de barras) que prevê o fim. No filme, a personagem grava numa fita mensagens para todos. É uma arrumação de casa. Pois bem. Quero, com tudo isso, dizer que não há prazo e, portanto, não sei o tempo para fazer as coisas. Acho que tem que fazer já, agora, imediatamente! Sob pena de ter uma vida sem mim mesmo. Que é apenas levada pelo tempo, carregada, sem que eu me mova para movê-la. Não quero mais uma vida sem mim mesmo. Aonde eu estou que não aqui? E por que em outro lugar se não fui chamado? Quero sair da paralisia. Tomar posse. Ter a minha vida de volta, sem receio. De forma enérgica e categórica. Muito minha.
1 Comentário:
Engraçadinho, você devia é ter tirado um a foto do pedaço que você cortou, isso sim, queria ver se é uma fatia média mesmo, tá bom, aposto que cortou a metade e devorou tudosozinho, guloso!
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