Olha o rapa!
De repente, dez, vinte, 30 camelôs passam com trouxas na cabeça, sacos de mercadorias, tabuleiros improvisados e espécies de cabides e gritam, a plenos pulmões: "Olha o rapa! Olha o rapa!".
Os consumidores se afastam e dão passagem para os camelôs, os vendedores informais que tomam todos os espaços possíveis: calçadas, ruas liberadas apenas para os pedestres e qualquer outro canto onde puderem se acomodar.
Não há espaço quase para o consumidor. Há que se dividir todos os cantos da rua com as dezenas de carrinhos, dos mais variados tipos: de milho verde, de doce, de salgadinhos, de café e também com as barracas autorizadas.
Nos espaços onde podem circular veículos, os motoristas passam irritados e, volta e meia, alguém acelera ou xinga a multidão. Melhor não fazer isso: o populacho pode se voltar contra o motorista e não se sabe o final.
O rapa passou e a calma volta. O rapa é sinônimo de caçador de camelôs, vendedores informais que vendem desde descascadores a despertadores, roupas, óculos, perfumes, mochilas, pequenas e grandes bugigangas, CDs e DVDs piratas e mais uma tralha que daria para encher um estádio. Tudo trazido do Paraguai, made in China, Taiwan e outros países orientais.
Nessa época, a predileção é por enfeites de Natal. Há Papais Nóeis os mais diversos: dos que escalam paredes aos que cantam em inglês. As luzinhas chinesas ainda predominam, tanto nas lojas autorizadas quanto nas bancas de camelôs.
Passa-se cerca de meia hora e o rapa - oficialmente, o rapa é a Guarda Civil Metropolitana da Prefeitura de São Paulo - volta. Parece que com reforços. Uns 20 camelôs disparam e alguns comandantes das tropas dos camelôs (muito bem organizados) emitem gritos de comando: "Vai, vai, vai, Bahia! Anda, Ceará!" Para quem não sabe, Bahia, Paraíba, Ceará, Pernambuco e outros nomes de estados brasileiros designam o nordestino de forma genérico e, logo, o camelô.
De novo, os consumidores se espremem e riem. Na verdade, todos riem. Até eu acho engraçado. Enquanto o rapa acontece, todo mundo grita, ri e corre. Quando o rapa aparece, enfim, entidade anônima até então, é mais risível ainda: contra quinhentos, dois mil camelôs, são apenas quatro ou cinco "rapas"!
O rapa libera-nos, a todos, para a contravenção. Para rir da autoridade fardada. A própria autoridade que passa impávida, porém, se observada de perto, se ri também. O rapa é libertador. Dá vontade de transgredir junto com o camelô e correr da polícia. De forma ostensiva e aos gritos.
(Essa foi a minha experiência nesta sexta-feira na 25 de Março e arredores. Entre um rapa e outro, comi um maravilhoso pastel de bacalhau e tomei caldo de cana no Mercado Municipal)
6 Comentários:
Re,
Nao eh uma experiencia antropologica?
Olha, para mim não só é uma experiência antropológica, como uma experiência sociológica...lolo
Adoro os teus pormenores, essas tuas "aventuras", esse teu olho clínico para o episódio, para o relato...
Adorei!
Obrigada!
Ana
La Voyageuse, é, quase, uma antropofagia, na verdade. Beijo!
Ana, parecemos, ao final, índios tolhidos pela selva de pedra. Ao que me resta concluir que saímos da floresta para guerrear em trilhas urbanas. As tribos permanecem, apenas os índios se vestiram. Beijo!
Ah como eu queria estar nessa peregrinação com você.. Eu teria adorado, você bem sabe!
Bj. Denise
Denise, me lembrei imediatamente daquele outro acontecimento: "enquanto você ver as nucas na sua frente, continue firme e forte; se as nucas se voltarem e você começar a ver os rostos, corra, corra muito". Não foi bem o caso, mas, que eu senti que, em algum momento, muitas nucas transformaram-se em rostos. Beijo!
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