Meu rugido dominical
"Um corpo somente permanece em movimento se, sobre ele, atuar uma força", disse o grego Aristóteles lá naquela época em que conversavam, filósofos e aprendizes, à sombra das árvores da secular Atenas. Esse princípio, estabelecido por Aristóteles no século IX a.C., foi aceito, pelo menos, até o Renascimento, no século XVII.
Aí chegou a vez de Galileu Galilei, que começou a fazer experimentos. Entre esses testes, Galileu descobriu que, ao empurrar um livro, havia uma força contrária ao movimento do corpo (o livro), a qual foi chamada de "força de atrito". De forma que, se não houvesse atrito, o livro não pararia nunca, desde que não houvesse obstáculo. Ao chegar a essa conclusão, Galileu acabou com a tese de Aristóteles.
Pelo novo princípio de Galileu, se um corpo estiver em repouso, é necessário que seja aplicada uma força para que esse corpo passe do estado de repouso para o estado de movimento. Uma vez iniciado o movimento e cessada a aplicação da força e, desde que livre de quaisquer atritos, o corpo permanecerá em movimento retilíneo uniforme indefinidamente.
Ao formular assim a descoberta, Galileu estabeleceu a propriedade física da matéria, mais conhecida como "inércia". Assim, se um corpo está em repouso e o resultado das forças que atuam sobre esse corpo for nulo, o corpo permanecerá em repouso. Ao contrário, se estiver em movimento e nada (atrito) o detiver, esse corpo continuará em movimento retilíneo uniforme.
Passaram-se mais algumas dezenas de anos e Isaac Newton meteu a colher nesta história: à lei de Galileu, acrescentou algumas outras. Uma dessas foi a chamada "Lei da Inércia": "na ausência de forças, um corpo em repouso continua em repouso, e um corpo em movimento continua em movimento retilíneo uniforme". É quase a mesma coisa que disse Galileu. A diferença é que Newton registrou a lei e assim ficou estabelecido para os fundamentos da física. O fato é que tanto pelas conclusões de Galileu quanto de Newton, um corpo pode se movimentar sem que nenhuma força atue sobre ele.
Outras dezenas de anos se interpõem entre mim e Isaac Newton e declaro, neste momento, que estou pronto a formular uma nova lei e me unir a esses doutos senhores no estabelecimento de movimentos, repousos e corpos que ora sofrem força de atrito, ora deslizam sem que atrito nenhum os detenham.
Chamarei minha lei de "Lei de Bate-Estaca". Por essa lei, proponho às entidades mundiais de física que os cânones dessa ciência tão dura sejam revistos em função de minhas próprias observações. Que não são científicas, obviamente, mas que valem tanto quanto porque parto do pressuposto que domino muito bem a tríade que abrange a lei da inércia: movimento, repouso e atrito.
Pela Lei de Bate-Estaca, em algum dado momento, percebo que estou em pleno movimento. Quase num galope desenfreado. Não há atritos. Não há planaltos, rios ou abismos que me impeçam de seguir adiante. Sou como uma estaca a trespassar o coração de algum vampiro perdido ou como lança certeira a atingir o coração de eventuais são sebastiões que se coloquem no meu caminho. Sou uma flecha, reta, que não se desvia do traçado.
Bem, isso caracteriza o primeiro grau da Lei de Bate-Estaca: a estaca em movimento. Certeira, atinge o alvo. Que alvo? Não importa. Importa aqui a precisão do movimento: definição do alvo, menor caminho entre eu e o alvo e, finalmente, a operação em si, que consiste em fazer chegar a estaca ao destino inicialmente previsto.
Decorre que, pelas leis da natureza, imutáveis, há uma série de atritos entre eu e o alvo. Por mais cálculos que se façam, esses atritos podem ser tudo, desde previsíveis até totalmente surpreendentes. A estaca, portanto, sofrerá a ação da lei do atrito, independentemente da minha vontade ser inabalável. Ventos fortes, uma chuva gaiata ou até mesmo um pássaro em pleno voo poderão mudar o curso da estaca e, com isso, mandar para o beleléu todo o meu empenho em fazer chegar ao alvo a estaca.
Finalmente, suponha que a lei do atrito, por um fenômeno da natureza ou pela intervenção de um deus inopinado do Olimpo, não entre em funcionamento. Nunca. Portanto, tenho uma rodovia de alta velocidade altamente acessível. Reta, funcional. Logicamente, você supõe, e supõe corretamente, que a estaca, flecha ou lança, seja lá qual for o instrumento, chegará, incólume, ao destino final. E, ao chegar e, portanto, atingir o objetivo inicial, fecha-se a minha própria lei: a estaca bate. Portanto, bate-estaca.
A estaca bate e fica: não há mais movimento. Ao contrário, há repouso. Um absoluto repouso. Imóvel, parado sob qualquer circunstância. É a Lei de Bate-Estaca: do movimento foi ao repouso. Não há mais perspectiva e tampouco dúvidas. Entre eu e o alvo, o caminho foi percorrido e, atingida a meta, acabou a vontade.
Perguntei aos oráculos de Aristóteles, de Galileu e de Newton o que fazer quando, do movimento se passa ao estado absoluto de repouso (com ou sem lei de atrito). Me responderam, creio que de sobrancelhas arqueadas e de forma algo condescendente: "Escolha outro alvo". Simples assim. Porque é assim que estou. Sem alvo. Uma flecha sem atrito, num movimento retilíneo uniforme a percorrer indefinidamente o espaço sem esperança de que chegue a algum lugar. Os cientistas não me responderam, porém, o que fazer quando não há alvos a escolher e quando o princípio do repouso exerce sobre mim uma força tal a ponto de me paralisar. Sinto-me enterrado vivo, em repouso eterno.