The book is on the table
Nos 15 dias que estive de férias entre o final do ano passado e o início deste, aproveitei, como sempre o faço no meu tempo livre, para dar cabo de alguns livros que ficaram relegados à poeira.
Antes que eu desse cabo de todos, alguns deram cabo de mim pela força. Mas, eu não me canso. Insisto em navegar nas linhas, na literatura que tenta explicar tantos porquês, tantos hiatos, dúvidas, traições, comportamentos.
Dos cinco livro que li, três foram suficientes para me causar inquietação, que é o que busco nos livros. Que me façam pensar e, se possível, ir além, cada vez mais além da mediocridade. É nos livros, sempre, que encontro um sossego ante o desassossego da vida cotidiana. Embora pareça uma contradição, ainda que o livre gere novas e desavisadas reflexões, é no terreno da literatura que melhor me encontro. Aos livros.
- 2666 (Roberto Bolaño - editora Companhia das Letras - 852 páginas): esse catatau de páginas, na verdade, não é apenas um, e sim cinco livros. Embora inacabado, é considerado a obra-prima do escritor chileno, morto precocemente aos 49 anos. Originalmente, foi concebido para ser cinco livros diferentes. Com a saída de Bolaño de campo, talvez os editores acharam melhor concentrar tudo num só lugar. Inacabado ou não, um ou cinco livros, é, realmente, um livro de fôlego, o qual se lê sem fôlego horas a fio. Nem vou dizer que se lê esse livro sem parar porque não é verdade. Comecei lá atrás, em meados de 2010, e somente o concluí ao raiar deste ano. O nome do livro, 2666, é um mistério. Não houve tempo hábil para que o escritor o explicasse e pipocam hipóteses. Mas, o que importa mesmo é que o livro é, sim, muito bom. Começa com a investigação de um escritor recluso, passa por uma série de assassinatos no México e termina com a história do misterioso escritor. Muito bom. Leia.
- Lugar (Reni Adriano - editora Tinta Negra - 111 páginas): tamanho, efetivamente, não é documento. Com 1/8 de páginas em relação ao 2666, Lugar é uma pequena obra-prima do escritor brasileiro que foi revelação em Minas Gerais em 2009. É um livro mítico, de mitos fundadores, da violência com que se engendram os mitos. É reinvenção da roda, da língua portuguesa, da literatura brasileira. Novidade sim. Novo. Desde já, clássico. Recomendo muitíssimo. As palavras não são emitidas. São escandidas. Feito barba cerrada. "Cale-se! Afasta de mim esse pai". A ressonância com Chico Buarque, o diálogo que se empreende em níveis duros, profundos. O livro, parece, foi forjado em ferro. Manualmente.
- A Guimba (Will Self - editora Alfaguara - 331 páginas): depois do maravilhoso 'O Livro de Dave', Self volta com este romance irônico sobre o mundo do politicamente correto em que somos despidos nos aeroportos para ir e vir e, sem o direito de ir e vir livremente (estamos presos à liberação ou não de vistos), faz uma metáfora angustiante dessa nova realidade mundial. Não é uma nova ordem mundial. Antes, é uma desordem mundial, que pode ser iniciada com a ponta de um cigarro, a guimba. Self, uma vez mais, é brilhante ao descrever um mundo que, se ainda não é assim, não tarda em sê-lo. A continuar nesta saga, com um olhar avassalador sobre a in/evolução da humanidade, por certo estaremos condenados a nos fecharmos cada qual em claudicantes celas. Preocupante. Livro necessário para entender as dimensões que o 11 de Setembro deu ao mundo.
- Pegando Fogo - Por que cozinhar nos tornou humanos (Richard Wrangham - editora Zahar - 22 páginas): considerado um dos 100 melhores livros de 2009 pelo The New York Times, o livro investiga o que seria da evolução humana sem o fogo para cozinhar a nossa comida. É, antes de tudo, um trabalho científico, de investigação antropológica e sociológica, e avança ao complementar teses de Charles Darwin e de outros cientistas. Wrangham defende a tese de que começamos a cozinhar antes de nos tornarmos homens e que nos tornamos homens justamente porque passamos a cozinhar. O domínio do fogo há um 1,8 milhão de anos, mostra o livro, mudou completamente a história da humanidade e de nós mesmos, humanos atuais. Que somente o somos porque aprendemos (com nossos antepassados, que ainda não eram homens) a cozinhar. Interessante.
- A Cozinha a Nu (Santi Santamaria - editora Senac - 277 páginas): Sanatamaria é um chef espanhol, defensor aguerrido da comida e dos ingredientes naturais. Refuta modernismos, entre os quais a cozinha molecular de Ferran Adrià (que, por ora, fechou o festejado El Bulli, por prazo indeterminado, e também perdeu, no mesmo El Bulli, a companhia do irmão, que prefere a cozinha tradicional). O chef defende a volta ao campo, aos ingredientes de autênticos terroir e desbanca a indústria alimentícia multinacional - Kraft Foods, Nestlé, Unilever e outros conglomerados que produzem enlatados, conservantes, acidulantes e outros artifícios para vender comida cada vez mais anti-natural. É um verdadeiro manifesto contra uma comida falsa que tem um único mérito: criar pessoas obesas ao redor do mundo numa alimentação que padroniza e iguala a comida do Brasil à China. Excelente.