"Muito riso, pouco riso" ou "riso pronto, miolo tonto", rezam os ditados, rigorosos, sisudos eles, os que os elaboraram, sem deixar margem para o humor e com total desconhecimento dos efeitos do riso, da risada, do sorriso e da gargalhada.
Sempre houve um lado a tentar flexibilizar a vida e o outro a pressioná-la, isso é fato. A conter, intervir, reprimir. E o outro lado, a abrandar, a avacalhar e, sobretudo, a rir e, inclusive, de si mesmo e dos tantos que andam a correr contra o riso solto como se crime fosse praticá-lo. Pois que já foi, sim, um dia, crime rir, punível de morte para quem o fizesse defronte a majestades totalmente risíveis, de tão incultas. E já foi também pecado rir em dias santos como se tivéssemos, nós que aqui vivos estamos, que morrer junto com todos aqueles santos mortos que se esbanjam desde medievais eras.
Uma gargalhada instantânea, desatada sem mais nem porque, à toa, franca, pode mover 400 músculos do corpo, ativar o sistema imunológico e oxigenar os tecidos. Um outro ditado, de origem chinesa, observa: "Para sentir-se saudável, deve-se rir pelo menos 30 vezes por dia".
Mas, sorrir ou rir do quê? Rir-se sozinho? Forçar o riso e perder o siso? Enlouquecer na busca da gargalhada, elevada a salvadora? Rir ou não rir, eis a questão. Será que Shakespeare era vestuto ou afável? Que se ria com facilidade? Creio que, para escrever aqueles cânones todos, Shakespeare, certamente, sabia rir e, principalmente, rir de si mesmo.
Estudos científicos afirmam que, até os 6 anos de idade, rimos à razão média de 300 vezes ao dia, em diversas modalidades do riso: um entreabir de lábios, um leve esgarçar da boca, um sorriso, um riso fino, um riso alto, uma risadinha, uma risada contínua e, enfim, uma gargalhada que se converte, em alguns, pouco a pouco, em soluços que, se não abafadas, transformam-se, quase, em choro. Que ironia!
Depois dos 6 anos, limitados por todas as barreiras possíveis, tornamo-nos mais sérios. O riso é reprimido e, quase sempre, suprimido. Fica na expectativa de acontecer e, quando ocorre inesperadamente, é apontado e o autor, sem controle, é coroado com uma chuva de olhares recriminadores, sob os quais, inebriado, põe-se a gargalhar até que alguém, comovido ou incomodado, o retire do recinto, se assim o exigir a situação.
Um ser humano médio, seja lá o que for esse 'médio', pode rir entre 15 a 100 vezes por dia. Entenda-se que, na prática, a maior parte ri, efetivamente, cerca de 17 vezes ao dia (ainda conforme fontes científicas). De forma que, descontadas entre 6 e 8 horas de sono, sobram entre 18 e 16 horas do dia para rir e, ao que parece, cada hora tem uma risada garantida.
Mas, como se trata da média, existem os extremos: os que riem 100 vezes são mais felizes e a maior parte de nós, certamente, os odiamos por esbanjar tanto riso e pouco siso. E os odiamos silenciosamente, de forma repressora, com aquele sorrisinho de condescendência que tenta, a todo custo, calar a risada daquele que ri tanto. De vez em quando, também, uns de nó somos contagiados pela risada desse proprietário de uma centena de risadas.
No outro extremo, existem aqueles que mantiveram todos os sisos e nenhum riso. Esses nunca riem, nem sorriem e, se gargalharem, deixarão aos demais estupefatos, chocados, sérios, numa aparente contradição de um fato gerador de riso. São pessoas que, com olhares sóbrios, calam o nascente sorriso nas bocas alheias e, ciosos de sua própria seriedade, demarcam os limites entre riso, sorriso e gargalhada a ferro e fogo. Na maior parte das vezes, diante de pessoas assim, tendemos a nos comportar de forma algo desconfortável: remexemo-nos, inquietos, coçamo-nos e aos cabelos, passamos a língua pelos lábios e emitimos todos os sinais de bichos enjaulados, atraídos que estamos pelo magnetismo feroz que emana daquele ceifador de sorrisos.
O engraçado é que se dá um estranho fato, observado sempre nessas condições e que pode servir muito bem de tese científica para quem é do ramo: assim que tal pessoa vira as costas, os que ficam, quase que inevitavelmente, põem-se a sorrir e alguns, até, libertos, riem frouxamente. Outros baixam totalmente a guarda e é possível ouvir até mesmo um princípio de gargalhada. São risos abafados, libertadores.
Embora se estude o riso com afinco e sem dele se sorrir muito, não há muita explicação para os diversos níveis da risada. A tese científica apenas diz que o riso é uma resposta fisiológica a um estímulo neurológico que se converte em uma reação na forma de gestos e sons (guturais, vagos, finos, estridentes, altos, baixos, abafados, atravessados, é toda uma sinfonia sem maestro a lhe orquestrar uma execução que lhe dê, afinal, ares musicais). Ao rirmos (e depende da intensidade do sorriso), contraímos 15 músculos da face. Nessa ocasião, a laringe fecha até a metade e a respiração torna-se irregular (como no sexo). Por isso, há aqueles de nós que engasgamos ou ficamos vermelhos de tanto rir, por exemplo.
As convulsões espasmódicas no diafragma que se seguem ao riso provocam a contração dos músculos do abdômen (a popular dor na barriga de tanto rir). Os sons que emitimos (também a depender da intensidade do riso) formam, espante-se!, vogais de sílabas curtas, separadas por intervalos de 210 milisegundos (pergunte a Cronos do que se trata).
Por fim, em gargalhadas extremas, vertemos lágrimas e já não sabemos se estamos a chorar de rir ou a rir porque podemos chegar ao choro ao não fazê-lo. Ri-se, de forma geral, de tudo: do ridículo, próprio e do alheio; de piadas, engraçadas ou não; de situações que culminam em vexames, de preferência com outros, e não com você; rimos de absurdos, de sustos, de casos extremos, quando nervosos, quando felizes.
Há os que riem, como eu, quando tristes. Em velório, por exemplo, sou tomado de uma irrefreável vontade de sorrir, rir e gargalhar e sinto o rosto afoguear de tanto reter a risada. Sei que não é de bom tom, mas o meu riso não conhece leis de comportamento. Já fui expulso da sala de aula por rir demais e tive que deixar salas de reunião de trabalho pelo riso involuntário que de mim se apoderou. Não, não chega a ser um problema na minha vida, pessoal ou profissional.
Mesmo porque, com o passar dos anos, tenho notado a estranha tendência de me rir menos. Há dias em que não rio. Talvez apenas esboce sorrisos. As gargalhadas me são cada vez mais raras. Estou na categoria de adultos que riem pouco e temo que chegue ao dia em que não mais rirei. Que o riso me seja breve mas não me deixe. Não quero me converter em um sorumbático dom casmurro, a não rir mais. E, principalmente, não rir de si próprio. Pois que a ausência dessa capacidade converte a pessoa, rapidamente, em sombra pálida. Falta de cores de um sorriso, de um riso. OK, eu abro mão da fluência da gargalhada incontida. Mas não do riso franco, do risinho social, do sorriso de compreensão, do olhar que sorri.
Quero, ao menos, estampar na face o riso eterno de uma Mona Lisa que, por certo, está a se rir e aos outros, incapaz de se manter séria diante de tão engraçada humanidade que a assiste e ao seu sorriso. Ou então ser um sorriso misterioso, a vaguear por aí, feito o sorriso do gato de Cheshire, engraçadíssimo por ser inusitado. Rir é, sim, o melhor remédio.