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segunda-feira, 31 de março de 2008

Living la vida loca








¿La vida es loca? ¿Somos todos locos? Os que me conhecem nos meus ciclos entre pólos que vão daqui até ali e pipocam de volta, feito assombrados bumerangues, já escutaram (pobres ouvidos) de minha boca alguns absurdos. Um dos quais é a tentativa de me aproximar de Madonna em si e de Angelina Jolie mais em si ainda por meio de uma adoção humanitária feita em Mama África.

Daí que algumas celebridades têm a mesma idéia que eu e dá no que dá. Ou você é um transgressor e perdido feito a Amy Winehouse ou a Britney Spears ou é um bonzinho feito Lady Di.

O mais novo nessa carreira é o Ricky (¡y que rico tu eres, niño!) Martin. Ricky visitou um abrigo de vítimas de abuso sexual em Siem Reap, ao norte do Camboja, na Ásia, e está no país desde a última semana para chamar a atenção para o drama do tráfico de crianças.

Para eu não perder essa corrida, posto algumas fotos do fofo, para posar de amigo, e, para posar de algoz, posto também o vídeo dele, peladinho. Sou humanitário cá com minhas negas, ora bolas!

domingo, 30 de março de 2008

Meu rugido dominical

O Pólo Norte (Ártico) fica a 2.600 Km de Rovaniemi (capital da Lapônia), onde eu estive em 2004. Foi o mais próximo que eu cheguei perto de um pólo. No Pólo Sul (Antártida), eu nunca fui. Entre os dois pólos, há uma distância de 19.000 Km, o que significa que há espaço suficiente para que as coisas comecem no gelo, mudem para o clima temperado, cheguem ao deserto e atinjam as auroras boreais para, finalmente, voltar ao gelo.

Na configuração geográfica, ir de um ponto ao outro não é exatamente fazer a rotação de 360º (se você fizer uma viagem ao redor da Terra, serão 40.000 Km). Quer dizer, ir de um pólo ao outro é quase metade do caminho total da Terra, ou 180º. Mas, que você vai do gelo ao gelo, isso não há dúvida.

Daí que começo a entender o conceito de bipolar. Recebi de um amigo um link de um site sobre a bipolaridade. Ia escrever outra coisa neste espaço, mas, como círculo e meio (de um pólo a outro), me vejo às voltas - em citações ou comportamento - com a bipolaridade, resolvi comentar esse tema. Segundo o site, a bipolaridade é "um transtorno mental em que o humor assume autonomia e deixa de responder adequadamente ao que seria esperado (pelos outros, note), com variações diversas como euforia, agitação, aumento de energia, agressividade, ansiedade, explosividade, aumento de riscos e gastos, impulsividade e distração, entre outros sintomas do pólo positivo ou "para cima", que se alternam ou se mesclam com apatia, desânimo, tristeza, ansiedade e falta de prazer do pólo negativo ou depressivo". Incrível como dá para se encaixar em uma ou em todas as categorias.

A bipolaridade atinge cerca de 10% da população mundial (acho que é 100%, mas, quem sou eu?), dos quais de 1% a 2% são do tipo I e 8% com bipolaridade leve (II, III, IV e ciclotimia). Pelo menos metade das pessoas com sintomas depressivos tiveram ou terão hipomania (estado de humor exageradamente elevado), o que configura a bipolaridade. Essas pessoas passam, em média, entre 10 anos e 3 médicos para que sejam feitos o diagnóstico e o tratamento corretos e, atenção, 50% dos pacientes abusam de álcool ou drogas ou de ambos.

Abaixo, os tipos de bipolaridade (você pode escolher o tipo em que se enquadra). As mais graves começam no Tipo I:

- Tipo I - fase das manias plenas, com alterações de humor.
- Tipo II - fase da hipomania, com alterações de humor, mas, não tão intensa quanto a do Tipo I, que é de mania plena.
- Tipo III - fase em que a hipomania acontece apenas com o uso de antidepressivos ou psicoestimulantes.
- Tipo IV - fase de humor turbulento e depressivo, que acontece frequentemente na meia-idade, e que aumenta o consumo de álcool.
- Ciclotimia - fase do humor oscilante e desregulado, mas, que não chega a configurar depressão.
- Depressão unipolar - fase de queda de humor relacionada a stress pontual.

Diante de tudo isso, quero deixar claro que, na minha opinião, todo mundo sofre de bipolaridade, em maior ou menor grau. Em geral, o tratamento indicado passa pelo psiquiatra e pela fluoxetina. Mas, como diz uma amiga, quando se trata de colocar a cabeça no divã, como confiar numa pessoa - o psiquiatra - sobre a qual você não sabe nada? Ao psiquiatra, prefiro os amigos, que entendem as minhas variações de humor.

O psiquiatra, quando você recorre a ele, está num pedestal. Você, em posição inferior, deitado(a), sem ver nos olhos do outro (pisquiatra) o que pensa sobre o que você fala (quando fala). Quem fez esse tipo de tratamento sabe: há momentos de intenso silêncio e outros que são verdadeiros dilúvios, turbilhões de palavras.

E, em muitos casos, o psiquiatra está lá, sentado, silencioso. Você nunca sabe o que ele(a) pensa: na mulher, nos filhos, nas contas, se você é ou não louco(a). Às vezes, não sei se te ocorreu isso, dá a impressão de que vamos ser atacados por aquele ser às nossas costas. Sei lá! Tem louco para tudo. E se o cara é mais doente da cabeça do que eu? Se é que sou ...

É uma relação desigual: você conta tudo e ele(a) não te dá nada. É como no confessionário: vou lá, exponho todas aquelas manchas (numa evidente demonstração de exibicionismo) e, muitas vezes, mal vejo a cara do padre.

Não acho, sinceramente, que isso possa ajudar alguém. Gasta-se para falar, sem saber o que realmente o outro pensa, e ainda pode-se ficar dopado com tanto remédio (você viu na tabela dos tipos o que os remédios podem provocar).

Prefiro a cultura popular da psicologia, aquela chamada de "boteco". Sorry, conectada diretamente ao álcool, mas, não necessariamente. Você fala pelos cotovelos, ri, briga e, no final, se sente mais leve. Pois, quantas vezes não nos sentimos mais leves pelo simples ato de falar, falar e falar: para o barman, para o garçom, para o atendente. Qualquer coisa, um comentário bobo, uma reclamação, uma piada. E as fofocas, então? São a fluoxetina mais eficiente que conheço! Quer coisa melhor do que falar mal de outros e rir disso? Não há pólos distintos que sobrem para contar estória.

A propósito do site que o amigo me indicou, eu fiz um teste, com 21 questões. Respondi "sim" para 15 perguntas. A conclusão: "se você acha que algumas dessas características geram um grau no mínimo razoável de prejuízos ou problemas (mal-estar, impulsos, gastos, arrependimentos, conflitos pessoais...), é provável que tenha bipolaridade. Para confirmar, é necessária uma avaliação psiquiátrica por profissional qualificado na área. Se você toma remédios antidepressivos, pode ser indicado substituir por um tratamento estabilizador de humor."

A minha estabilização de humor está aqui, neste blog, nos posts, nos amigos - virtuais ou não. Está no meu dia-a-dia, na gastronomia, no jornalismo, nas contas para pagar. Está na capacidade de escrever sobre isso e rir disso tudo. À fluoxetina, rebato com serotonina, que é natural e não me custa nada. Em tempo: eu uso o perfume Polo (verde), de Ralph Lauren. Será que tem alguma coisa a ver?

sábado, 29 de março de 2008

Amy, House of Wine (and drugs, and jail, and Blake)

Você acha que o amor acabou? Que não há mais carinho entre as pessoas? Que uma mulher e um homem, um homem e outro homem, uma mulher e outra e mesmo seres transgêneros não são mais capazes de se amar? Você está por fora!

Prova incondicional é que a fofíssima, sofrida, drogada, quase uma Christiane F., mas, de outra cepa, a diva Amy Winehouse, que dá uma conotação diferente à definição de "rehab" foi à prisão - "com sua pobre face", segundo a mídia maldita - visitar seu marido, Blake, ontem, sexta-feira, 28.

À moda de Luma de Oliveira, Amy usou uma gargantilha com a inscrição "Blake". O amor é, sim, lindo e acorrentável. O uso da coleira, sorry, da gargantilha tem a mesma força do gesto que a doida fez quando escreveu no próprio estômago, COM VIDRO, a frase "I love Blake", durante uma entrevista.

Eu, que não sou fofoqueiro, ao contrário, e quero permanecer longe da corja midiática que dá vazão a esse tipo de fofoca, apenas publico as fotos da figura, do bem-amado e um vídeo pra lá de engraçado, "Wiihab", por Amy Brickhouse. Divirta-se (sobre a desgraça alheia, course!).


(a cor do post está - ou deveria estar - roxa em homenagem óbvia - ao vinho, claro!)

A Hero and a Lost by day/Um Herói e um Perdido por dia

Sendhil-Ramamurthy (Heroes)




Naveen Andrews (Lost)
(e, com isso, está encerrada a série, finish, c'est fini)

Os 50 blogs mais poderosos do mundo (volume 3)

Relaciono e comento mais dez blogs que compõem a lista dos 50 blogs mais poderosos e acessados do mundo, segundo lista feita pelos jornais britânicos Guardian e The Observer. Os 15 centímetros de altura de salto são pouco para sustentar tanto peso.

21. Students for a Free Tibet: o blog, SFT, é uma rede composta por estudantes tibetanos que pregam a liberdade para o Tibete, ocupado pela China desde 1950. No Tibete, alguns estudantes foram presos por conta das postagens no SFT, mas, escaparam e contaram sua experiência do exílio. A organização Students for a Free Tibet for criada em 1994 em Nova York e o blog tem mais de 100 mil acessos por mês. Em 2006, o SFT usou um link de satélite para, a partir do Monte Everest, fazer um streaming (tecnologia que permite colocar os vídeos na internet ou no celular) ao vivo no YouTube contra as Olimpíadas de Pequim, que acontecem este ano. Especulações sugerem que as autoridades chinesas tentaram sabotar o blog, com ataques de hackers, para acabar com as críticas. Se você é a favor da liberdade do Tibete (e, minimamente, tem acompanhado a repressão atual da China contra os tibetanos), acesse o blog.

22. Jezebel: a linha explicativa no cabeçalho do blog já diz a que veio: celebridades, sexo e moda, "sem verniz". Foi lançado no ano passado pelo grupo de mídia Gawker Media (nos EUA, o blog é visto e praticado de forma comercial, sim) e, imediatamente, tornou-se uma versão divertida de uma revista de fofocas femininas. O blog foi bem-sucedido porque, em parte, perpetua cinco mentiras sobre as mulheres na mídia: The Cover Lie (invenções femininas de obras-de-arte feitas com a ajuda de computadores); The Celebrity-Profile Lie (de forma lisonjeira, as celebridades são abordadas de maneira crua e menos imaginativa do que os filmes que fazem); The Must-Have Lie (os editores de revistas são estão atolados na merda); The Affirmation Crap Lie (você é inseguro(a) sobre coisas que você não sabia ser possível ser inseguro sobre aquilo); e The Big Meta Lie (nós somos devastadoramente afetados pelas mídias de celebridades). Um exemplo: sobre o termo "manbag" (bolsa de homem), cuja moda a mídia tenta fazer "pegar", o blog pergunta se não seriam "bolas de homens", ou os famigerados testículos (ou escroto). Visite.

23. Gigazine: eu, que não tive tempo de me matricular no curso de mandarim esta semana que acabou, agora terei que aprender japonês também. O blog foi criado por dois japoneses de Osaka e é um dos mais populares do Japão. Fala sobre junk food e bebidas, jogos, brinquedos e outros ingredientes da cultura pop. Algumas bizarrices: a camisinha de David Beckham, 75 tartarugas em uma frigideira, a pré-pré-produção do segundo filme de "Arquivo X", um teste com um aspirador-robô e um teste do novo prato do KFC (Kentucky Fried Chickens), o Shrimp Tsuisuta Chilli. Seria tudo muito legal se desse para, pelo menos, passar da primeira página do blog.

24. Girl With a One-track Mind: no ar desde janeiro de 2004, o blog é feito por Belle de Jour, uma blogueira anônima que se diz "operária do sexo". Ela escreveu explicitamente sobre sua vida sexual no início. Em 2006, o blog passou a ser editado e publicado pela editora Ebury e permaneceu vários meses na lista dos melhores blogs. Ainda que a autora mantivesse seu anonimato e continuasse sua carreira na indústria cinematográfica, a Belle de Jour, agora "Abby Lee", foi descoberta pelo jornal Sunday e revelada: é uma moradora de Londres, Zoe Margolis. Precursor do brasileiro Bruna Surfistinha.

25. Mashable: a rede social de notícias. Fundado em 2005, o Mashable é uma rede social de notícias de blogs, que acompanha os últimos desenvolvimentos, aplicações e facilidades disponíveis para o MySpace, Facebook, Bebo e mais um sem-número de sites de redes sociais e serviços, com ênfase em funcionalidade. O nome do blog vem de "mashup", que deriva de serviços múltiplos da internet. Para quem é aficionado pelas redes sociais.

26. Greek Tragedy: a autora, Stephanie Klein, afirma que fez o blog para "criar um canal online de minha vida, completado com desenhos, fotos e meditações". No blog, ela comenta sobre encontros que acabaram em pesadelos, encontros sexuais e disfunções físicas. Milhares de mulheres acessam o blog diariamente para comentar sobre seus maridos narcisistas e sogras bruxas, o que transforma o blog em um grande grupo confessional. Tanto sucesso fez com que a autora lançasse um livro, "Straight Up and Dirty". Para mulheres que querem matar os maridos e as sogras, em separado ou simultaneamente.

27. Holy Moly: se uma semana no Inferno não é suficiente, então, diariamente, estar no Holy Moly (Santa Maria, ou algo assim), certamente será suficiente para elevar os níveis das fofocas sobre celebridades. O blog é britânico, atrai 750 mil visitantes por mês e tem 240 mil assinantes (o blog número 22, Jezebel, tem razão) obsessivos que acompanham o vaivém dos famosos. Em fevereiro deste ano, o blog criou uma seção de fotos obtidas por paparazzi. O blog não fazia tanto sucesso quando publicava apenas fotos de pessoas comuns (ordinárias, como eu não canso de dizer) em seus carros e bicicletas. Mas, quando passou a publicar fotos de celebridades com seus filhos, as coisas mudaram. Talvez, no futuro, haja um braço do blog na TV. É a Inglaterra, dos tablóides. Visite, se você for um(a) dos obcecados(as) pela fama.

28. Michelle Malkin: a maior parte das pesquisas indica que o mundo da internet é equilibrado entre os gêneros masculino e feminino de forma equânime. Mas, os blogs políticos são dominados pelos homens, é fato. Esse blog é a exceção que quebra a regra. É feito por Michele Malkin, uma colunista de jornal conservadora e autora de um dos mais conservadores blogs dos EUA. O que a faz, por consequência, ser uma forte influência para o público feminino (os EUA são ultra-conservadores, ainda que muitos pensem o contrário). Seu tema principal e recorrente é como os liberais (leia-se democratas, em oposição aos republicanos) traem os EUA ao tratar o terrorismo de forma leve, ao inventar mentiras sobre o aquecimento global e a falta de patriotismo e de fibra moral, em geral. Me ocorre que sempre tem alguém assim na nossa vida.

29. The Cranky Flier: não há lugar aonde possam se esconder os aviões atualmente. Não se depender de Brett Snyder, conhecido como Cranky Flier (Voador Mal-humorado). Ele passou grande parte dos seus aniversários na adolescência em hotéis de aeroportos, para assistir as aterrisagens e decolagens de aviões e emitir relatos sobre o estado das aeronaves. O currículo de Brett está cheio de trabalhos para companhias aéreas dos EUA, o que lhe credencia até para dar consultoria ao aeroporto de Heathrow (Inglaterra), recentemente, sobre os custos com o despacho de bagagens. O blog distribui milhas aéreas para assistentes virtuais. No Brasil, creio já ter visto cópias desse modelo de blog. É interessante, dado as confusões aeroportuárias brasileiras e mundiais. Uma amiga acabou de viajar para a Espanha (pela nova Varig) e me disse que o serviço de bordo está horrível (a Gol, que adquiriu a empresa, acredita mesmo que o passageiro deva ser tratado como macaco de zoológico, com apenas uma barrinha de banana?). Ainda bem que a JetBlue está a aterrisar no Brasil. Que venha e faça vôos nacionais e internacionais.

30. Go Fug Yourself: "fug" significa elegante, de bom gosto, e é uma contração de "ugly" (feio), mas, apenas dessas três letras - "f", "u" e "g" -, há uma indústria da feiúra em animada expansão. No blog, celebridades que ofendem estilos, a elegância e os conceitos básicos do bom senso ao cobrir seus órgãos reprodutivos antes de sair de casa, são "elegantizados" pelas criadoras do blog, Jessica Morgan e Heather Cocks (nos moldes do programa "Esquadrão da Moda", do People&Arts). Nas mãos dessas blogueiras, o prazer de questionar se tal celebridade se olhou no espelho antes de sair de casa e ser fotografada e blogada, com uma penca de críticas, se transforma numa batalha de dimensões épicas, principalmente em festas como a entrega do Oscar. O blog costuma oferecer preces quando alguma estrela ou astro acerta no modelito. De novo, para os addict celebrity.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Rastreio de Cozinha - 23

"Desconstrução é a base da reconstrução sem que haja destruição", diz Ferran Adrià sobre a técnica que é uma das bases da gastronomia contemporânea. As outras, como já dito antes aqui, são fusão, releitura, criação, vanguarda, slow food, confort food, orgânica, cook chill e food design (no Rastreio de Cozinha - 5, eu descrevi com detalhes a cozinha contemporânea).

Segundo a gastronomia moderna (contemporânea), há técnicas, processos e ingredientes que estão em alta (in) ou em baixa (out).

In

- Grelhados
- Queijo brie
- Legumes salteados
- Ervas frescas para molhos
- Porções pequenas decoradas
- Pouca gordura
- Tomate in natura

Out

- Frituras
- Mussarela
- Legumes cozidos
- Farinha de trigo para engrossar
- Prato Cheio
- Manteiga
- Tomate seco

Na cozinha contemporânea, dois elementos são bastante usados para garantir a desconstrução dos pratos e a transformação das produções em comida que engana a visão, mas, que, ao paladar, remeterá ao prato clássico que foi desconstruído. "Ora", direis, "trata-se apenas de frescura"! "Ora", refutarei, "trata-se do mesmo prazer que a arte tem na desconstrução do clássico para fazer o moderno". Não se esqueça que a desconstrução somente é possível com o domínio do clássico. Para todos os setores: arte, cinema, dança, moda etc. etc.

Os dois elementos a que me referi são: o agar (ou agar agar), que é um aditivo espessante gelificante, à base de caule de algas marinhas e que endurece em temperatura ambiente e, mesmo fora da geladeira, permanece consistente; e a gelatina, que é proveniente de ossos e cartilagens e que endurece na geladeira e volta ao estado líquido em temperatura ambiente.

Pois que a aula desta sexta-feira, de Cozinha Contemporânea, foi de desconstrução, com o uso de agar e de gelatina, e pratos tradicionais e clássicos transformaram-se, magicamente.

Foram quatro os pratos clássicos desconstruídos: Canard L Orange (Pato com Laranja), Filet de Sole aux Câpres (Filé de Linguado com Alcaparras), Apple Pie (Torta de Maça) e Vichyssoise (sopa fria). Como a bancada hoje estava com quatro pessoas, cada um fez uma produção. A que eu mais gostei foi a do colega que fez uma maravilhosa desconstrução da tradicional Torta de Maça, com carolinas, levíssimos recheios de maçã e caramelo. Ficou divina!

As demais produções também foram desconstruídas e resultaram num Pato com Laranja de sabor equilibrado, sem a marcante presença da carne de pato, e a Vichyssoise, que se transformou num pequeno pudim com recheio de batatas. Eu gostei da experiência.

A mim me coube descontruir o Filé de Linguado com Alcaparras. Eu o transformei num ravióli líquido e descreverei a receita conforme os procedimentos feitos em aula. É, no mínimo diferente, se você pensar em um filé de peixe com alcaparras e, de repente, se ver frente a frente com raviólis fritos com recheios líquidos (semelhante, na essência, ao doce de abóbora que fica crocante por fora e com um liquidozinho por dentro). Mas, nem vou me estender nisso porque, quando escrevi sobre líquidos, fui até a Cordilheira dos Andes, feito uma águia desatinada. Vou passar a receita (ou devo chamar de des-receita?).

Ravióli Líquido de Linguado com Alcaparras

Ingredientes

- 250 gr de filé de linguado (é peixe, e não uma competição de línguas, para quem não sabe)
- 25 gr de alcaparras
- 150 gr de manteiga
- sal a gosto
- 2 limões
- salsinha a gosto
- 1/2 cebola
- 1 dente de alho
- 1/2 copo de vinho branco

Para a massa do ravióli

- 200 gr de farinha de trigo
- 2 ovos
- 60 gr de semolina
- 5 ml de azeite
- sal a gosto
- 3 folhas de gelatina sem sabor (de uso profissional)

Modo de preparo

1. Corte o linguado em pequenos cubos e tempere com sal, limão e pimenta-do-reino.

2. Prepare uma frigideira com manteiga e doure a cebola e o alho picados em brunoise.

3. Acrescente os cubos de linguado e os doure até formar um caldo espesso. Adicione o vinho e deixe reduzir. Lembre-se de conservar o caldo (semelhante ao fumet, ou fundo ou caldo).

4. Certifique-se de que o peixe está bem macio e de que haja bastante caldo. Se for o caso, retire alguns pedaços de peixe e os use para outras produções (ou, se estiver com fome, coma). O peixe tem que, praticamente, derreter e virar, junto com o caldo, uma sopa de peixe. Reserve.

5. Hidrate as 3 folhas de gelatina em água gelada. É rapidinho.

6. Coloque as folhas de gelatina hidratadas na frigideira com o peixe e retorne ao fogo rapidamente, somente até a gelatina se dissolver por completo.

7. Leve o peixe à geladeira (ou freezer).

8. Faça a massa do ravióli enquanto o peixe atinge o ponto ideal.

9. Misture a farinha de trigo, os ovos, a semolina e o azeite.

10. Trabalhe a massa como se fosse de pão. É o mesmo processo.

11. Deixe a massa descansar por 20 minutos.

12. Aproveite o hiato entre o descanso da massa e a geleificação do peixe para fazer alguma coisa útil. Nada de dar uma voltinha, pegar no telefone ou outras coisas inúteis. Prepare as alcaparras. Tudo o que é feito com o tempo certo tende a ficar melhor.

13. Pique as alcaparras em brunoise e as tempere com limão e azeite. Ficam ótimas (desde que você acerte no equilíbrio ente a alcaparra, o limão e o azeite).

14. Prepare (espera-se que você, neste intervalo, teve tempo de preparar as alcaparras, limpar tudo o que sujou e estar pronto(a) para a próxima fase) a massa para cortar os raviólis.

15. Estenda a massa com rolo de cozinha até que fique transparente (a massa, não o rolo). Como estou numa faculdade, disponho de uma máquina de processar a massa. Tanto pelo meio primitivo (rolo) quanto pelo contemporâneo (máquina), o processo é o mesmo. Basta aspergir um pouco de farinha de trigo, se for o caso, até a massa atingir a consistência lisa e fininha que nós, que aqui estamos, por vossa massa maravilhosa esperamos.

16. Estenda a massa, que deverá parecer um véu, numa superfície lisa (sem um grão sequer que interfira). Verifique se o peixe está geleificado e comece a cortar e montar os raviólis. Você pode escolher o formato que quiser. Eu fiz o mais bonito, lógico, de meia lua. Corte o peixe geleificado em pequenos cubos e recheie o ravióli. Feche as bordas do ravióli, sem ar dentro, com os dedos (não use garfo porque não estamos aqui a fazer pastéizinhos caseiros). Umedeça as pontas dos dedos porque é mais fácil colar uma extremidade na outra (da massa, não das suas mãozonas).

17. Prepare uma panela com ólveo fervente (cerca de metade da panela). Frite os raviólis por imersão.

18. Decore o prato conforme sua preferência e sirva os raviólis líquidos com o molho de alcaparras. Ficam deliciosos.

(Rastreie: Quer aprender a fazer massa de verdade? Vá a Porretta, na Itália, aprender com quem sabe. Foi o que fez o jornalista Bill Buford, ex-editor de ficção da revista The New Yorker. Buford conta sua experiência no livro "Calor - aventuras de um cozinheiro amador como escravo da cozinha de um restaurante famoso (Babbo, de NY), fazedor de macarrão (em Porretta, Itália) e aprendiz de açougueiro na Toscana" - Cia das Letras, 424 páginas, R$ 49,50.)

José

Para ler, ver e ouvir (no vídeo abaixo, o próprio Carlos Drummond de Andrade recita a poesia)


E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Et maintenant, José?
La fête est finie,
la lumière aussi,
la foule est partie,
la nuit a fraîchi,
et maintenant, José?
et maintenant, et toi?
toi qui es sans nom,
qui te moques d'autrui,
qui fais de la poésie,
qui ames, qui te récries?
et maintenant, José?
Sans femme te voici,
sans mots te voici,
sans tendresse aussi,
tu ne peux plus boire,
ne peux plus fumer,
cracher ne peux plus,
la nuit a fraîchi,
le jour n'est pas là,
le tram n'est pas là,
le rire non plus,
non plus l'utopie
et tout a finiet tout s'est enfui
et tout a moisi,
et maintenant, José?
Et maintenant, José?
Ta douce parole,
ton instant de fièvre,
ta faim et ton jeûne,
ta bibliothèque,
ton gisement d'or,
ton habit de verre,
ton incohérence,
ta haine - et maintenant?
Tenant en la main la clé
tu veux ouvrir la porte,
il n'y a pas de porte,
tu veus mourir en mer,
mais la mer a séché;
partir pour le Minas,
le Minas n'est plus, las.
José, et maintenant?
Si tu t'écriais,
si tu gémissais,
si tu nous jouais
la valse viennoise,
si tu te lassais,
et si tu mourais...
Mais tu ne meurs pas,
José, tu es coriace!
Tout seul dans le noir
comme bête fauve,
sans théogonie,
sans la paroi nue
où te reposer,
sans monture noire
qui fuie au galop,
tu marches, José!
José, vers où?




(marco*, não gostei muito da Mylène Farmer, mas, você me fez resgatar "José". Depois de "Quadrilha", nada poderia cair melhor!)

A Hero and a Lost by day/Um Herói e um Perdido por dia

(Santiago Cabrera - Heroes)

(Rodrigo Santoro - Lost)

quinta-feira, 27 de março de 2008

Rastreio de Cozinha - 22

Hoje, quinta-feira, 27, como o bleader já sabe, minhas aulas são teóricas. Duas de Projeto Interdisciplinar I (mais conhecido como Trabalho de Conclusão de Curso - TCC) e duas de Geografia Aplicada à Gastronomia. Como a aula de geografia anda um pouco sem atração, resolvi fazer um mix sócio-geográfico que vem exatamente a calhar.

Nosso TCC, como já disse, consiste em viabilizar um restaurante, da implantação ao lucro, com todas as fases: planta desenhada por arquiteto, logotipo próprio (já temos), pesquisa de opinião pública (temos um pouco e vou atormentar o bleader com esse assunto), utensílios e equipamentos, cardápio, pessoal de salão e de cozinha e muito mais. O restaurante, para o TCC ser aprovado, tem que gerar lucro, ao final do curso. Apesar de ser um projeto virtual, tudo o que levantamos é bastante real.

E a realidade começa exatamente no endereço do nosso futuro restaurante (o Alecrim): rua Barão de Capanema, 549, Jardim Paulista, São Paulo. Simplesmente desalojamos o D.O.M., de Alex Atala, para ocupar o espaço (virtualmente, claro!). Então, pensei que seria legal juntar o TCC com geografia e falar do meu bairro, o Jardim Paulista.

A região é administrada pela Subprefeitura de Pinheiros (são quatro distritos: Alto de Pinheiros, Pinheiros, Itaim Bibi e Jardim Paulista). Conforme o censo de 2000, o Jardim Paulista tinha 83.667 moradores (se tiver uns 120 mil atualmente, é muito). O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Jardim Paulista é de 0,850 (em 2007, o Brasil chegou a 0,800). O Jardim Paulista tem uma área total de 6,17 Km2 e é formado pelos bairros de Cerqueira César, Jardim Paulista, Jardim Europa (parte), Jardim América (parte) e Vila Primavera. Com os Jardins Europa, Paulistano e América, o Jardim Paulista constitui a chamada "região dos Jardins", conhecida pelo alto poder aquisitivo dos moradores (longe de ser o meu caso e de cerca de mais de 50 mil moradores).

Ao norte, o Jardim Paulista faz divisa com os bairros do Pacaembu e Consolação; a leste, com os bairros da Bela Vista e Paraíso; ao sul, com os bairros do Ibirapuera e Jardim América; e, a oeste, com o bairro de Cerqueira César. A topografia do bairro apresenta dois trechos com características distintas: o primeiro é relativamente plano e vai da rua Estados Unidos até a alameda Lorena. Depois disso, em direção à Avenida Paulista, é um aclive.
Fisicamente, o bairro tem a forma de um retângulo, e foi projetado com um sistema de ruas paralelas que formam um grande quadriculado. Ao todo, são 138 quadras desenhadas por 4 importantes avenidas, 52 ruas e alamedas (inclusa a minha querida Joaquim Eugênio de Lima) e 27 ruas sem saída (como estamos muitos, às vezes).


As principais vias do Jardim Paulista são: as alamedas Campinas, Casa Branca, Fernão Cardim, Franca, Itu, Jaú, Joaquim Eugênio de Lima (I´m here!!!!), Lorena, Ministro Rocha Azevedo, Santos, Sarutaiá, Tietê, avenidas Brigadeiro Luís Antônio (na qual morei por bons dez ou 11 anos), Nove de Julho, Paulista (querida, merece um post exclusivo), Rebouças, ruas Antônio Figueroa, Artur Frazão, Augusta, Barão de Capanema (onde está localizado nosso restaurante fictício do TCC), Batatais, Bela Cintra, Caçapava, Caconde, Capitão Pinto Ferreira, Chabad, Convenção de Itu, Cravinhos, Cristóvão Dinis, Consolação, Doutor Nelson Vasoler, Estados Unidos, Guarará, Haddock Lobo, Haiti, José Maria Lisboa, Lupércio de Camargo, Marília, Melo Alves, Moacir Piza, Oscar Freire, Ouro Branco, Padre João Manuel, Pamplona, Paraguai, Peixoto Gomide, Presidente Prudente, Professor Azevedo Amaral, Queluz, Rio Preto, Saint-Hilaire, Sarandi, Severo Fournier, Tapiratiba, Tatuí e Vitório Fasano. Se não passei em 100% dessas vias, uns 95% eu garanto.

O Jardim Paulista não sedia, no seu perímetro, um shopping center, mas, está próximo do shopping Iguatemi, do Frei Caneca, do Pátio Higienópolis, do Eldorado e do Pátio Paulista. A Oscar Freire concentra lojas como a Tiffany & Co., Cartier, Bvlgari, Dior, Versace, Giorgio Armani, Louis Vuitton, Montblanc e Bang & Olufsen. Segundo a Mystery Shopping International (organização que reúne institutos de pesquisa de mercado de diversos países no mundo), a Oscar Freire é a oitava melhor rua de comércio de luxo do mundo.

Na região, também estão localizados a Galeria Ouro Fino, com lojas alternativas para DJs, modelos, músicos, fashionistas e um povo que vai de moderado a bipolar (coloquei meu piercing lá) e o Conjunto Nacional, que sedia a Livraria Cultura (já foi a minha preferida). Há, ainda, mais duas grandes livrarias na região: a FNAC, aqui pertinho de casa, e a Livraria da Vila, na alameda Lorena. Eu incluo ainda a Martins Fontes, que foi o que sobrou de livraria acolhedora, na minha opinião (há duas na região - na Paulista e na alameda Jaú).

Para o consumo de um bom (e endinheirado) gourmet, há a ótima Casa Santa Luzia, que funciona desde 1926. Para o cidadão que tem os pés na terra, as feiras-livres estão à disposição no domingo (alameda Lorena), às quartas-feiras (alameda Fernão Cardim), às quintas-feiras (rua Barão de Capanema) e às sextas-feiras (rua Capitão Pinto Ferreira).

Aos domingos, tem a feirinha de antiguidades no vão livre do MASP. Em frente, no parque Trianon, rola a feirinha de artesanato. Os hotéis mais caros (exatamente metade dos cinco estrelas da cidade) estão na região: Renaissance, Grand Meliá Mofarrej, Unique, Emiliano e Fasano.

Finalmente, no que se refere à minha área, a gastronomia, alguns dos melhores restaurantes do Brasil, conforme o Guia Quatro Rodas, estão localizados no Jardim Paulista: D.O.M., Fasano, Gero, Nonno Rugero, Massimo, Antiquarius, Skye, A Figueira Rubaiyat, La Pasta Gialla, Bistrô Charlô e La Risotteria. As opções vão da cozinha judaica à asiática, com paradinhas estratégicas pelas cozinhas orgânica, mediterrânea, contemporânea e internacional.
É uma maravilha, não é? Pena que outras 10.880 milhões de pessoas (população do município de São Paulo menos os 120 mil moradores do Jardim Paulista) não tenham a mínima condição de sequer imaginar tudo isso.


Também, não sou nenhuma madre Tereza de Calcutá e nem é para isso que estou aqui. Meu negócio é morar por aqui mesmo, aproveitar a infra-estrutura da região e, se pudesse, estaria no topo de um dupléx, no coração dos Jardins, com direito a compras diárias na Santa Luzia e cinco carros na garagem.

Ao final das contas, essa aula aqui, no blog, ficou mais interessante do que a de lá, na faculdade. Nem eu sabia de tanta informação assim. Eu vivo nessa região há, pelo menos, uns 16 anos (ou mais). É a minha casa, o meu bairro, a minha padaria, a minha banca, o meu café. Sabe quando você conhece os taxistas, o dono do bar, o padeiro, o cara da banca e até mesmo os porteiros dos prédios vizinhos? É assim. Geograficamente, tanto faz você viver aqui ou na França, andar de metrô cheio ou de TGV. Geograficamente, nada disso importa. O que interessa, mesmo, é a geografia pessoal de cada um, seus próprios mapas-múndis, que podem ser apenas seu bairro, o seu querido e exclusivo mundo.

(Relaxe: como eu enchi o post de dicas, dispenso qualquer outra referência. Além do que, se você assim o desejar, eu serei seu guia por essas ruas. Claro que, ao final, você me pagará um maravilhoso jantar num dos restaurantes acima citados. Sou como um príncipe, dear, very expensive!)

Beleza brasileira

Este é o cartaz da nova campanha pelo uso do preservativo do Ministério da Saúde, dirigida diretamente aos gays e, nas palavras da própria campanha, a "outros homens que têm sexo com homens", ou ao "amor que não ousa dizer seu nome", acording to Oscar Wilde.

A Hero and a Lost by day/Um Herói e um Perdido por dia

(Dana Davis - Heroes)



(Yunjin Kim - Lost)

Ciranda, cirandinha

Recebi, da Srta. Amora, um meme que consiste em escolher um texto que marcou a minha vida. É difícil concentrar em umas poucas palavras tal profundidade.

No caso, me apropriarei de palavras alheias, que melhor me descrevem. Ou talvez seja preguiça mental. Mas, o autor traduz, à perfeição, não algo que marcou a minha vida, mas algo que está presente. Pois, de quando em quando, me vejo às voltas com esse giro.

Reproduzo o poema original, mas, se pudesse, e ousasse mais, colocaria os nomes verdadeiros dessa ciranda, cirandinha que insiste em pregar peças infantis na vida adulta.

"Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história."

by Carlos Drummond de Andrade

Estão aí, Amora, palavras marcantes para mim. Repasso a incumbência do meme para três proprietárias de palavras, que as dominam com bastante estilo:

- Amèlie, do Lost in Translation
- K, do Incompletudes
- Mara, do Leve & Solto

(O quadro que estampa o post é "A Dança", de Henri Matisse)

quarta-feira, 26 de março de 2008

Rastreio de Cozinha - 21

Têm dias que tudo dá certo. Outros, nada. Têm dias que você está eufórico(a). Outros, deprimido(a). Sei que, de bipolar e louco, todos temos um pouco. Eu, não, que sou normal. Apesar de eu achar que a bipolaridade e a loucura são nomes diferentes para as mesmas coisas. Só que o primeiro tem mais classe e é melhor falar: "Sou bipolar", para manter uma certa fleuma e ser fino(a) do que cravar: "Sou louco(a)!" e ser conduzido(a) a um manicômio e passar o resto da vida a contar os dedos das mãos ou a pensar porque a grama cresce mais rápida do lado esquerdo do que do direito (isso não existe, acabei de inventar; se você pensou por um instante sobre isso, é porque você já está metade louco(a)).

Bem, uma introdução leve para dizer que todas as nossas produções desta quarta-feira, 26, não foram tão bem-sucedidas quanto deveriam ter sido. Foi a última aula de cozinha francesa, da disciplina de Cozinha Internacional Ocidental. Uma pena! Mas, têm dias que são assim. A bem da verdade, nem sei me definir hoje: nem eufórico e tampouco deprimido. Mas, para o bem mesmo da verdade, houve momentos em que eu estava lá e outros, não. Deu para entender ou eu realmente estou em surto psicótico?

Releve! Hoje é quarta-feira, metade da semana, e, às vezes, o corpo e a alma dissociam-se, como não se fossem mais um, e se põem em conflito. Não importa o que você faça, há uma guerra dentro de você, com diabinhos e anjinhos a sussurar: Faça isso. Não faça. Faça. Não faça. E você: Eu não sou disso, não, não sou capaz, longe de mim ... fiz! O diabinho sempre vence!!!???

Vamos à cozinha que é um lugar mais apropriado para pegar fogo. Abordamos nesta terceira e última aula de cozinha francesa as regiões de Midi Pyrénées, Auvergne, Languedoc-Roussillon, Provence e La Corse.

Toulouse é a capital de Midi Pyrénées e é lá que surgiu o cassoulet (já descrito neste blog), cujo nome vem de cassole, que é o tacho de barro onde é produzido o legítimo cassoulet. É a terra do feijão branco seco (ingrediente legítimo do cassoulet) e também do milho branco, que alimenta gansos e patos para a produção de foie gras (também já descrito neste blog). Originário também dessa região é o queijo Roquefort, cuja "descoberta" se deu porque a população local acondicionava os queijos nas cavernas da região. O contato do clima úmido das cavernas com o queijo e a ação do fungo Penicillium roqueforti (descoberto depois, obviamente), criou o famoso queijo, com veios verde-azulados, responsáveis pelo sabor típico do Roquefort.

Clermont-Ferrand, capital da Auvergne, é conhecida pelas saucisses (salsichas) e saucissons sec (salsichão seco) e também pelas lentilhas de Puy (conhecidas como o caviar dos pobres).

A Languedoc-Roussillon é uma das regiões mais marcantes do sul da França. Faz fronteira com a Espanha (e, por isso, tem forte influência catalã, como na cidade de Perpignan) e é banhada pelo mar Mediterrâneo. Conserva importantes vestígios dos romanos nas cidades de Carcassonne, localidade medieval murada, e Nîmes, que tem uma arena e outras construções romanas. A Pont du Gard é da era romana, assim como a cidade de Uzès. Montpellier é a capital regional. A região é conhecida pela produção de scargot petit gris (escargot cinzento pequeno).

Provence é a última região por nós abordada. A capital, Aix-en-Provence, é a cidade onde o pintor Paul Cézanne nasceu. É também onde o Marques de Sade, descendente de nobres na Provence, foi condenado à morte pelo crime de envenenamento em 1772. Como se sabe, Sade fugiu para a Itália e sobreviveu. A Provence abriga a cidade de Marseille (Marselha), fundada pelos fenícios em 600 a.C., ou seja, muito tempo antes dos romanos e ainda há mais tempo antes que os gálicos chegassem à França e fundassem a nação francesa. Foram os romanos, há 2 mil anos, que cultivaram as ervas que fazem a fama da região, as Herbes de Provence (tomilho, alecrim, manjerona, segurelha, sálvia, louro, manjericão, erva-doce, estragão e orégano). É da Provence o prato Ratatouille (e, se você ainda não assistiu o filme, pare tudo e assista, faz o favor). Ainda, abordamos a La Corse, que é uma ilha (onde nasceu Napoleão Bonaparte, mas, claro que você já sabe), famosa pelo rebanho de ovinos, perfeitamente adaptados às características geológicas do lugar.

Para fazer jus a essas regiões (não com o insucesso dos pratos, e sim com a tentativa de fazê-los, ao menos), fizemos quatro produções: Lapereau à la Moutarde Violette - Poitou-Charentes e Limousin (Perna de Coelho à Geléia de Framboesa com Mostarda), Pintade Aux Épices - Roussillon, Languedoc e Les Cévennes (Galinha d Angola com Ervas), Soufflée au Cantal - Auvergne (Suflê de Cantal) e Namorado Rôti à la Soupe Légère de Lentilles - Auvergne (Namorado Rôti à Sopa de Lentilhas). Ao contrário de uma certa pessoa de França, que tem por costume comer coisas gostosas (éclair, chocolates e sei lá mais o quê), e não querer compartilhar, eu divido com você a receita do Namorado Rôti à Sopa de Lentilhas, saborosíssimo! Tal pessoa já me deve um carrinho de comidinhas francesas. Pelo andar da carruagem, deve me enviar um contêiner de guloseimas, eu imagino. Enfim, às lentilhas porque o namorado está mais devagar do que escargot.

Namorado Rôti à Sopa de Lentilhas

Ingredientes

- 2 postas (400 gr) de namorado (de novo, o peixe; se você pretende que seu namorado venha em duas postas, é melhor cortá-lo e enviá-lo via posta restante - para quem não sabe, posta restante é a correspondência enviada a uma agência de correios e que lá permanece até que seja reclamada por seu destinatário)
- 100 ml de azeite
- 1 cenoura em cubos
- 1 talo de alho-poró em rodelas
- 1 talo de salsão em cubos
- 80 gr de cogumelos Paris fatiados
- 60 gr de bacon defumado
- 50 gr de cebola emincée (corte em fatias estreitas e finas)
- 350 ml de fundo de carne (já expliquei, não vai querer você causar e procurar o escroto do boi na certeza de que o fundo de carne é isso)
- 100 gr de lentilhas frescas
- 150 ml de creme de leite fresco
- sal e pimenta-do-reino preta moída

Modo de Preparo

1. Refogue a cebola e o bacon em azeite.

2. Adicione as lentilhas, a cenoura, o alho-poró, o salsão e os cogumelos e refogue por 5 minutos.

3. Acrescente o fundo de carne e deixe cozinhar em fogo médio, com a panela tampada.

4. Mexer, de tempos em tempos (não depois de horas, que isso é nome de filme), até que as lentilhas estejam tenras (comece por mastigá-las - se o dente quebrar, não estão boas).

5. Acrescente o creme de leite e corrija o tempero com a adição de sal e pimenta-do-reino preta.

6. Salteie (déjà vu) o peixe em azeite bem quente para que o namorado (se é que ainda não foi despachado pelos correios) ganhe cor (estão tão pálido) dos dois lados (costa e barriga).

7. Passe o namorado bronzeado (usou protetor?) para o cozido de lentilhas e continue o cozimento por mais 5 minutos.

8. Sirva com o leite (caldo) de lentilhas e as postas do namorado ao centro do prato (e você ainda valoriza, né, de forma bem central!).

(Rasteje: em Paris, que não quiseram me levar para outro lugar, você encontrará: as melhores baguetes, os éclairs, macarons de Nancy, as ovas de esturjão iranianas. Qualquer esquina de Paris, bien sûr. La Derniãre Goutte (atrás da Saint-Germain-des-Prés), Les Caves Augé (1850!); Lavinia (tipo moderna); Legrand. Quer chocolate? Jean-Paul Hévin, Pierre Marcolini (belga, que eu ganhei e comi barbaramente sozinho), Aoki (éclair de chá verde) e La Maison du Chocolat. Para pães, passe na Poilâne, Paul, Le Moulin de La Vierge e na Eric Kayser. Para os queijos, passe no Barthãlemy, na La Crãmerie e Marie Cantin. Infelizmente, as sugestões não são minhas, porque, de Paris, só conheço o Charles de Gaulle (o aeroporto, não o homem, que sou contemporâneo). As dicas são de Luciana Fróes, do jornal O Globo).

A Hero and a Lost by day/Um Herói e um Perdido por dia


(Zachary Quinto - Heroes)



(Ian Somerhalder - Lost)

(ambos em homenagem ao french friend)

terça-feira, 25 de março de 2008

Rastreio de Cozinha - 20

Hoje, 25 de março, faz exatamente um mês que começou o segundo ano da minha faculdade de gastronomia. Nem parece, tal a rapidez com que passamos por variados pratos - franceses, mexicanos, paulistas, mineiros, capixabas, pães, doces - e o mundo da cozinha - desconstrução, releitura, abordagens novas das idéias clássicas.

Nesse período, tive, inclusa esta terça-feira, exatos 20 dias úteis de aula que, com orgulho, afirmo aqui tê-los vividos efetivamente, a despeito dos contratempos. Os obstáculos são vários - preguiça, cansaço, trabalho, chuva, transporte caótico, irritação. Mas, até o momento, nenhum foi forte o bastante para se sobrepor à visita diária às cozinhas da faculdade.

O meu último contratempo aconteceu hoje, de manhã. Ontem, na aula de Cozinha Brasileira, num dado momento, trabalhei com pimenta malagueta: tirei o cabinho, extraí as sementes e cortei as pimentas em pedacinhos para a moqueca capixaba. Primeiro erro: cocei um dos olhos, que começou a arder sem parar. Segundo erro: confundi as queimaduras da pimenta na ponta dos dedos com queimaduras de fogo. Terceiro erro: ao limpar as lentes de contato (sim, as uso, há 67 anos), meus dedos estavam contaminados pela pimenta e, logicamente, contaminaram minhas lentes de forma irremediável. Perdi as lentes. Não me servem. Pimenta nos olhos não é refresco, mesmo! É que eu tinha dúvidas, sabe!

O resultado da desinformação é que tive que sair à procura de lentes descartáveis que, obviamente, não têm o mesmo grau de miopia e astigmatismo das minhas confortáveis lentes de uso prolongado. Paguei pelas danadinhas descartáveis exatos R$ 83,90 (três pares - SofLens - Baush & Lomb - fabricadas na Irlanda!). Terei que pagar mais R$ 250,00-R$ 300,00 pelas minhas queridas lentes de uso prolongado (também Baush, mas que duram enquanto é eterna a minha dedicação a elas).

Quanto à desinformação que citei, é o seguinte: quando você for manipular pimentas (dedo de moça, malagueta ou de qualquer outra espécie), esfregue um pouquinho de azeite ou óleo de cozinha nas mãos. O cheiro (e eventuais acidentes) desaparece de imediato. Se você não fizer isso, poderá ficar com resquícios de pimenta nas mãos por até 72 horas, com desagradáveis ardências pela boca, olhos e outras partes do corpo tocadas por você, sabe-se lá porque! Para você ter uma idéia da força da pimenta, quando tentei, pela enésima vez, fazer minhas córneas assimilarem as lentes temperadas com pimenta, cheguei a um nível tal que senti, por dentro, o gosto de pimenta. Foi um pequeno festival de pimenta em todos os minúsculos nervos que compõem a minha face. Cavidades inteiras se debateram em lágrimas e um retesamento da face, chocada, deu fim à barbárie. No final, desisti e encontrei alívio na ótica aqui da Paulista. Olhos de Capitu, dissimulados? Não os tenho. Os tenho mais rebeldes do que as FARC, prontos a revidar ao primeiro sinal de ataque. Enfim, são os olhos do ofício (o trocadilho é barato, mas, depois de tudo o que passei, estou podendo!).

Perante essa peregrinação em função de um único sentido - a visão - os demais, uns mais agudos e outros mais relapsos, ficaram um pouco relegados nesta terça-feira. Mas, os pães salvaram o meu dia, estafante, posto que os olhos estavam em chamas, mas o estômago, este, matreiro, não se apaga nunca e me consome, se eu mesmo não consumo algo. Vamos aos pães, alimento do corpo e da alma, porque hoje tive aula de Panificação e a variedade (e falta de sobriedade) me deixou alimentado e me esqueci dos olhos. Porque, você sabe, somente nos recordamos dos detalhes quando nos faltam. Vou repartir meu pão com vocês, sem multiplicá-lo, contudo.

Fizemos pão de forma branco, pão de forma preto, bisnaguinhas, pão de hot dog, de hamburguer, pão de frios, hamburgão, esfiha (não a árabe, e sim a de padaria), bisnaga e lua-de-mel, que é um delicioso pãozinho redondo doce com recheio de creme, banhado de leite e recoberto de coco ralado.

Por uma falha minha (falta de tempo, esquecimento e o mesmo blábláblá de sempre), não disponho da receita apropriada de qualquer um desses tipos de pães. Não me arriscarei a passá-la de cabeça porque essa é falha e, assim como os olhos, pode ser duramente castigada se exposta a um trabalho forçado para resgatar a quantidade exata de farinha, água, manteiga, sal, fermento biológico, misturador e outros ingredientes (tentei relacionar todos aqui para que, por meio de associação de idéias, a receita me saltasse ao cérebro, inteira e gloriosa, sem sucesso, porém).

De qualquer forma, estampo o post com várias fotos das produções de hoje. Se você realmente precisar de uma receita, me consulte em privado. Como disse a uma leitora, esse tipo de consultoria off-Rastreio pode ser cobrado em euros que, apesar de não ter os passos gazélicos de Gisele Bündchen, dou meus passinhos nas passarelas do metrô. Beijo que hoje, com olhos de ressaca, estou de bem com a vida!

A Hero and a Lost by day/Um Herói e um Perdido por dia

(Hayden Panettiere - Claire - Heroes)

(Emilie de Ravin - Claire - Lost)

segunda-feira, 24 de março de 2008

Rastreio de Cozinha - 19

Depois de quatro dias sem entrar na fervorosa cozinha da faculdade, é claro que fico de má vontade. Sobretudo se a minha pressão insiste em oscilar feito o Pêndulo de Foucault. Mas, estou atento para o fato de que cozinha é pressão e trabalho, sempre. Por conta disso, nem vou reclamar porque queimei as pontas de quatro dedos em uma panela que é tombada (e, ordinariamente, me tombou) pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN): a panela de barro do Espírito Santo, cuja culinária foi o tema central da aula desta segunda-feira, 24, na disciplina de Cozinha Brasileira.

A panela de barro é uma instituição de 400 anos. As paneleiras que a produzem usam o barro tabatinga para fazer as panelas e uma tintura chamada "tanino" que garante a cor escura (preta, algo ocre). As autênticas são as que têm o selo de autenticidade das "Paneleiras de Goiabeiras".

A fabricação da panela de barro é uma técnica indígena, transmitida de geração em geração até chegar às paneleiras do Espírito Santo. As paneleiras que as fazem retiram a argila do Vale do Mulembá, em Vitória. O barro passa por um processo de limpeza no qual são retirados os grãos de areia maiores e a matéria orgânica visível para que seja amassado, manualmente. Inicia-se, então, o processo de confecção da panela, através de uma técnica de modelagem aplicada a partir de uma bola de barro. O acabamento da panela é feito com seixos rolados (pedras de rio), casca de coco, facas e estiletes. A peça totalmente modelada é colocada ao ar-livre para secar e, depois de seca, é alisada com um seixo rolado para retirar os grãos de areia mais grossos. A partir daí, as paneleiras reúnem sua produção e queimam suas panelas. No final da queima, as peças, ainda quentes, recebem um tratamento de superfície com tanino.

Se você comprar uma dessas, deverá curá-la. O método é simples: coloque 2 colheres de azeite (ou óleo) na panela e leve ao fogo até queimar todo o azeite ou óleo. Quando a fumaça do azeite ou do óleo queimado ficar preta, a panela estará pronta para o uso. Cuidados na manipulação da panela no dia-a-dia: não a retire do fogo e coloque em superfícies geladas (mármore ou aço inox). Tampouco as lave quando ainda estiverem quentes (retêm o calor por bastante tempo). Se você fizer isso, trincará a panela ou levará umas boas pedradas na cara (isso é por minha conta).

De um jeito ou de outro, trate bem a sua panela de barro. Lembre-se que o processo é artesanal, tombado pelo patrimônio histórico, e que uma panela desse tipo nos conecta diretamente às primitivas tecnologias indígenas. Respeite seu próprio passado cultural. Ou levará uma pedrada de mim, mesmo (Eu já fiz isso e a pobre vítima levou alguns pontos na testa)!

Bem, com todo esse aparato, você já deve estar com fome. Olha só os pratos feitos pela nossa bancada hoje: Moqueca Capixaba, Casquinha de Siri, Pirão de Peixe e Maneco com Jaleco (esse é mineiro). Vou repassar a receita da Moqueca Capixaba, cuja única distinção com a Moqueca Baiana é o fato de, na Bahia, a moqueca ser feita com azeite de dendê e leite de coco e, no Espírito Santo, ser feita com azeite de oliva e óleo de urucum. Uma curiosidade: o nome moqueca vem da palavra tupi-guarani pokeka, que significa bagunça. Os índios chamaram de pokeka a técnica de enrolar o peixe na folha de bananeira, enterrá-lo no chão e assá-lo, com brasas por cima. Numa estilização para acompanhar a evolução do País (se é que houve alguma), a moqueca é feita na panela de barro (terra sob a qual está enterrado o peixe), é coberta de cheiro verde (folha de bananeira) e cozinha-se pacientemente no fogo (brasas). Esse é um dos motivos pelos quais eu gosto tanto de gastronomia: por mais que sejamos evoluídos, há um elo que sempre nos ligará à ancestralidade. À receita.

Moqueca Capixaba

Ingredientes

- 1 Kg de robalo em postas (é o melhor peixe para fazer moqueca, mas, se você tiver com dificuldade para encontrá-lo, pode usar o namorado - o peixe, não o seu - ou o abadejo). Assim como há uma transmutação de pokeka em moqueca, aproveito para dizer aqui que você pode inventar a moleka, que consiste em brincar - você e o(a) namorado(a) - de sujar o outro de barro. Tente, invente, seja diferente!
- 200 gr de tomate
- 200 gr de cebola
- 10 gr de alho
- 20 ml de óleo de urucum (que você obtem ao aquecer o óleo vegetal, sem fervê-lo, e, com o fogo apagado, adicionando sementes de urucum - o óleo de urucum é feito por imersão, dessa forma. Deixe reservado por algum tempo até o urucum desprender o aroma no óleo)
- 1/4 de maço de cheiro verde (cebolinha e salsa e toda vez isso tem que ser explicado porque já soube de pessoas que, com mais de 40 anos, tiveram um choque ao saber que cebolinha e salsa compõem o chamado "cheiro verde")
- 2 limões
- 50 ml de azeite de oliva
- pimenta malagueta a gosto
- sal a gosto

Modo de preparo

1. Lave bem (delicadamente, não com aquela bucha assassina que você tem) as postas de peixe e escorra-as (por favor, não é preciso colocá-las no varal!).

2. Tempere as postas de peixe com limão, alho (picado) e sal.

3. Corte os tomates e a cebola em cubos médios (meça um paralelepípedo e tente imaginá-lo decomposto em 58 partes diferentes - o cubo será um desses pedacinhos).

4. Pique o cheiro verde em brunoise. Não faz o(a) esperto(a) de comentar comigo que cheiro não se pica. Essa piadinha é tão vermelha quanta a sua cara pós-piada.

5. Coloque no fundo da panela de barro uma cama (força de expressão, que coisa!), OK, um colchão, uma forração, um travesseiro, de cubos de cebola e tomate. Até aqui, espero que você tenha uma legítima panela de barro. Porque, se for para ser fajuto(a), é melhor sair da minha cozinha. Coloque 25 ml de azeite na panela, de forma a regar a hortinha de cubos de cebola e tomate. Feito o tal do acolchoado de cebolas e tomates, recline (olha que chique!) as postas de peixe nessa fofura de cama vegetal. E, atente para o detalhe: as postas devem ser colocadas lado a lado, e não umas sobre as outras. Peço cuidado na montagem da moqueca porque acredito, sinceramente, que os alimentos devem ser tratados com carinho. Se você prepara cada prato com tal nível de detalhes e uma dose extra de carinho, garanto que qualquer produção terá um sabor especial.

6. Coloque sobre as postas de peixe - devidamente aconchegadas umas às outras - mais cubos de cebola, tomate e, finalmente, o cheiro verde. Regue com o restante do azeite e com o óleo de urucum. Tempere tudo com pimenta malagueta a gosto.

7. Leve a panela ao fogo alto e espere até aquecê-la. Quando a moqueca começar a ferver, baixe o fogo e o mantenha assim até que as postas fiquem bem cozidas. Acerte, nesse momento, o sal.

8. Sirva com pirão de peixe e arroz branco.

(Rastreie: Visite Vitória, a capital do Espírito Santo. É uma das três capitais de estado no Brasil que é uma ilha - as outras são Florianópolis e São Luís. Vitória é conhecida como "Cidade Sol". Eu não conheço Vitória, mas, como adoro o litoral, sei que ia gostar. Quando lá estiver, quero que você traga para mim um jogo completo de panelas de barro. Legítimas, com selo. Se vou te buscar no aeroporto? Claro que não! E o café aqui em casa, não conta?)

A Hero and a Lost by day/Um Herói e um Perdido por dia

(Adrian Pasdar - Heroes)



(Josh Holloway - Lost)

domingo, 23 de março de 2008

A Hero and a Lost by day/Um Herói e um Perdido por dia

(Ali Larter - Heroes)


(Evangeline Lilly - Lost)

Meu rugido dominical

Morre-se de tristeza. Isso é dado como certo. Agora, dá para ter overdose de alegria? Você já ouviu alguma vez alguém reclamar que é muito alegre e que, por conta disso, há que se limitar essa expansividade? Que se deve alinhar o montante de alegria disponível com o contexto em que se está na vida como se fosse um planeta fora de órbita? Existe algum padrão de comportamento que deve limitar o uso da alegria? Alguma represa que estanque a euforia e a serotonina liberadas pelo ato de estar ou ser alegre?

Pois achei duas pessoas - não uma! -, e sim duas que me indicam uma tendência absurda: ambas estão num processo de conter a alegria porque sentem que não há espaço em suas vidas para tanta alegria junto.

No momento em que o Cirque du Soleil está a berrar "Alegría" (veja o vídeo abaixo deste texto) entre nós, essas duas pessoas querem encaixotar suas alegrias em contêineres e usar a reserva com parcimônia, sem estardalhaço. Um uso social, digamos, semelhante ao ato de fumar e de beber. "Sou alegre socialmente", diriam, como se dissessem "Bebo socialmente".

Acho bastante engraçada - mas não alegre - essa atitude. O laboratório farmacêutico Eli Lilly (soa tão mimoso esse nome) inventou o Prozac em 1986. A pílula da felicidade. Vendeu, mundialmente, o equivalente a US$ 3 bilhões anuais. Para lançá-lo, gastou cerca de US$ 1 bilhão. Somente no Brasil, o Prozac é receitado para mais de 1,5 milhão de esquizofrênicos e bipolares. Depois de todo esse esforço, ouço que a alegria deve ser contida. A pílula da felicidade, tão cara, vai para a lata do lixo. O Eli Lilly terá que desenvolver uma pílula redutora de alegria, assim como o Xenical, na teoria, reduz o apetite. Mas, o efeito colateral do Xenical é uma dor de barriga desenfreada, uma espécie de coletor de gordura que deixa o consumidor prostrado.

Qual é o efeito colateral da redução da felicidade programada? Em conversa com uma das vítimas que foi acometida com a "Síndrome de Alegria por Demais", sugeri que toda a felicidade que ela dispensar deve ser guardada em contêineres. Vá às docas de Santos e guarde, assim como guardam eletrônicos roubados e importados que fazem a festa da Daslu. Quando necessário, na calada da noite (entre 1 da manhã e 5 da manhã), a pessoa pode ir às docas e sacar um pouquinho de alegria como se estivesse num terminal de banco. Digita os dados e consome a dose precisa de alegria. Se consumir demais, overdose. De menos, depressão. É preciso equilibrar. Vou reclamar com a classe médica para que emitam receitas precisas. Legíveis. Que não enganem o paciente. Que não quer rir demais e tampouco parecer feliz demais.

Vou sugerir ao governo a criação de uma Agência Nacional de Alegria (ANA). A ANA fiscalizará, por meio de regulamentação específica, o uso correto de alegria. Haverá a universalização da alegria, a inclusão social de felicidade. Todos terão acesso. Com direito a bandas largas, não em pequenas doses.

Quem pode com um país que tem ANA? Quem? Uma sociedade que regula sua alegria. Que provê doses equilibradas para os mais de 180 milhões de brasileiros. Seremos assistidos por alegria. Teremos o direito de cidadão de termos nossa dose diária. Haverá, claro, casos de overdose. Porque alguns são mais atrevidos. Haverá também aqueles que poderão padecer da falta de alegria. Esses deverão ser recolhidos em clínicas, para desintoxicação. Os outros, que são cautelosos, e usam as doses como se fossem pequenas barras de ouro, ao contrário, poderão ter anemia de alegria e vão, com isso, cair na depressão. Esses deverão ser acompanhados de perto. Sempre os há, os que querem ficar imunes. Não podem. Ninguém ficará sem alegria.

Haverá, por parte da ANA, um programa de desbloqueio de alegria. Haverá operadoras que controlarão o suprimento de felicidade. Se houver necessidade, o governo deverá importar alegria de Cuba e da Dinamarca. Claro que sempre há quem se aproveite desses momentos de tensão na implantação de grandes programas nacionais. Talvez haja quem venda alegria clandestinamente. Cuidado para não comprar alegria falsa no camelô. Ninguém ainda sabe quais são os efeitos dessa alegria de origem desconhecida. Soturnamente, haverá quem negocie alegria nas danceterias. Porque ecstasy (que age sobre a liberação de serotonina) e alegria caminham juntos. Cuidado para não comprar gato por lebre.

Uma campanha massiva será divulgada na televisão para ensinar as pessoas como dispor de sua alegria. "Você tem alegria de sobra"? Compareça ao banco de alegria e faça sua doação. Muitos são os que estão na fila de transplante de alegria, à espera de almas caridosas que lhes forneçam afeto.

Os que morrerem de overdose de alegria serão usados em campanhas educativas como as do fumo e de acidentes de carro para provar à massa que o excesso mata. Na França, existe a Denominação de Origem Controlada (DOC), que controla a procedência de vinhos e queijos e garante a qualidade do produto. Serão implantados numerosos DOCs no Brasil, sob a administração da ANA, para garantir a procedência da alegria. Se a sua está contaminada, ficará sob quarentena. O DOC terá o poder de vida e morte sobre sua felicidade. Você poderá ser visto como exemplo ou como um fracasso na geração espontânea de alegria.

Nesse processo, a única classe pela qual eu temo são os palhaços (incluídos os Doutores da Alegria). Com o processo de implantação nacional de alegria, esses estarão condenados ao ordinário. Perdem a profissionalização. Perdem a graça. Porque seremos todos palhaços, fontes geradoras de alegria.

O problema é que esse tipo de solução sempre tem dois lados. A princípio, todos vêem o lado bom, de compartilhamento, de doação. O que há muito em um, deve ser dividido para os demais. Depois, com o passar do tempo, as pessoas começam a se revoltar. Querem sua alegria (de mais ou de menos) de volta. E aí começam as acusações, a caça às bruxas. Eu posso denunciar meu vizinho porque ele riu alto demais e, portanto, tem mais alegria do que eu. Se alguém chorar, pode ser enviado para execução. Seremos serenos. Quem estiver fora da Faixa de Gaza dessa serenidade estará, solenemente, condenado à morte.

Haverá guerras de laboratórios farmacêuticos multinacionais que boicotarão o Brasil. Haverá desencontros. Filas. Multidões atrás de alegria. Mas, de uma forma contida. Tudo o que for excesso ou falta, será punido. Pessoas escandalosas, que riem demais, serão trancafiadas em quartinhos escuros para pensar no assunto. Seres tristes serão submetidos a doses cavalares de alegria até encontrar o ponto de equilíbrio. Seremos todos felizes, porém, de forma ordenada. E, por causa de duas pessoas que eu conheço, que acreditam que suas alegrias estão demasiado extensas, a alegria será estatizada. Lembra-se de que você não podia rir alto na sexta-feira santa? É isso. Contenção, redução, parcimônia. E todos podemos ser felizes com o mínimo necessário. Sabendo usar, não vai faltar (porque uma dessas pessoas adora ditados populares).

Não! Não! Não! Vamos celebrar a alegria!!!! Por favor!! Há tão pouco no mundo. Choro, desespero, tristeza. Never more, never more, disse até mesmo o corvo de Poe. Mais alegria, mais riso, mais felicidade. Pelas alegrias irrestritas já!


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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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