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sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Contatos imediatos de primeiro grau

Passei quase quatro anos isolado num local em que chamava "torre". Como se fosse eu um Barba Azul, sem as respectivas vítimas (devo tê-las feito, ao longo desse período, mas não de forma direta como fazia Barba Azul), me isolei nas alturas do nono andar e me encerrei, numa fuga talvez motivada pelo cansaço da rotina jornalística e por falta de sentido. Nesse meio tempo, fiz uma faculdade inteira: me graduei chef de cozinha. A prática não a tenho, mas a técnica e a boa literatura gastronômica me abriram um novo mundo que eu intuía. Ainda não sei as consequências da faculdade de gastronomia na minha vida. Mas, a guardo em escaninho dileto, para dali sacar, talvez, um horizonte que, por ora, não suspeito.


Depois desses quase quatro anos, voltei, em abril deste ano, ao ambiente de uma redação. Voltei ressabiado, duvidoso da profissão em si e do meu próprio destino. Depois de 8 meses, devo dizer que pertenço, sim, à redação. Que, aos contatos virtuais feitos ao longo dos quatro anos, fiz, este ano, vários contatos imediatos de primeiro grau.




Sem falsa modéstia, domino a técnica jornalística e faço uso completo da minha melhor empunhadura, que é a palavra escrita. As palavras, de mim, costumam sair como se eu as lavrasse na terra. Sou a terra e a enxada, a semente e água da chuva que, juntas, fecundam os textos. Pode parecer romântico ao olhar alheio, alheio ao que se me vai dentro, mas, asseguro, as palavras, em mim, ainda que profissionalmente, reverberam e encontram terreno fértil.


Creio que, ao voltar ao convívio diário da redação, retomei alguns pontos que estavam eclipsados por outros interesses, por outras visões. Equivocadas talvez. Ou não. Quero acreditar que as pessoas que conheci ao longo do ano, a maior parte delas, não são colegas de profissão. São pessoas, algumas sobretudo, que as terei comigo para sempre. Tenho novos amigos, novas ideias, novas faces, novos olhares sobre a vida.


Ao mesmo tempo em que me voltei para a vida real, física, presencial, a minha presença neste espaço que me é tão querido se distendeu. Muitas noites tive ímpetos de escrever mais um post, crispar neste blog as agruras, reais ou não. Me refreei mais por cansaço do que por temor. Nunca temi publicar nada neste blog. Me confesso, me jogo, me atiro daqui desta janela virtual para o vazio. Sempre tive a consciência do eco que reverbera de volta.


De forma que, se amigos reais contabilizei este ano, amigos virtuais ficaram relegados. O que lamento. É o cotidiano contemporâneo que atropela vidas real e virtual. Tenho tido, ao longo do tempo da existência deste blog - pouco mais de três anos - experiências as mais ímpares. Algumas pessoas vieram e se foram. Outras chegaram e se instalaram no meu coração. Outras estão em suspenso, tal qual as palavras que as telas dos computadores estampam. Se lamento a ausência compulsória deste blog, não posso deixar de me alegrar aos(às) resistentes amigos(as) virtuais que me resgatam. Aos comentaristas que nunca arrefeceram ante meu silêncio. Aos que romperam, inclusive, o silêncio.


Portanto, celebro este ano heterodoxo em que ganhei pessoas reais na minha vida real. E também a manutenção das pessoas no ambiente virtual. Algumas, quase as conheço, de tão vívidas. Outras, são um lampejo, se deixam ver apenas o contorno. Assim como eu mesmo devo refletir várias tonalidades.


Chega agora o tempo que eu chamo de período das aves migratórias. Me vou, uma vez mais, para os meus. Estive com a minha família há sete meses e isso é tempo demais na cronologia desses anos que correm céleres.


Me afasto da vida real da redação, de São Paulo, e me aproximo da vida real da minha família, do novo (há um bebê, de 10 meses), do precedente (há uma avó, de quase 90 anos) e do conhecido, conhecidíssimo universo do qual eu vim. Me vou de novo, empreendo a migração sazonal. Pelos próximos 15 dias, torno-me invisível neste blog. Descanso eu e descanso você de mim.


Não falarei palavras doces sobre o dia de amanhã porque tenho sérios conflitos em relação a esta data. Mas, te desejo, expressamente, que amanhã e os próximos dias, semanas, meses e ano sejam do jeitinho que você queria. Seja em reuniões familiares, como é o meu caso, seja na balada, com os amigos, na praia, no exterior, na rua. Que seja apenas da forma, ou o mais próximo da forma, que você idealizou. E já será o bastante. Falamo-nos em 2011. Um lindo e ousado 2011 para você. Beijo!


P.S. Deixei este post em modo de publicação automática. Ou seja, quando for postado, estarei bem longe, ainda na estrada, mas longe da tela do computador. Peço desculpas pela saída à francesa, mas o fato é que não gosto muito de despedidas. 



terça-feira, 21 de dezembro de 2010

R.I.P.

A morte faz parte da vida ou a vida é que está dentro da morte? Essa é uma questão muito semelhante àquela outra que interroga se o ovo veio antes da galinha ou se a galinha é que veio antes do ovo. Obviamente, ninguém sabe a resposta. E duvido que o saberá um dia, tamanha a ignorância que temos sobre nós mesmos. O que se sabe, da vida, em definitivo, é que a morte dela faz parte e, se para uns é o fim, para tantos outros é um reinício. Interpretações, claro, conforme a fé de cada um.


Para quem se questionar o que estou a falar de morte em período de natalidade (sob a ótica cristã, que fique claro), ninguém morreu. Quer dizer, um monte de gente deve ter morrido. Neste momento mesmo em que você ler o post, algumas centenas de seres humanos estarão a definhar, entre o mundo de cá e um outro, de lá, novamente para aqueles que contam com uma saída que leve a uma outra entrada.


Ninguém morreu. Não ao menos do meu círculo. O título - R.I.P. (rest in peace ou descanse em paz) é para chamar a atenção para um filme publicitário de uma funerária de Curitiba, no Paraná. Embora possa parecer grotesco, concordo que é melhor lidar com a morte, a foiçuda, assim, com humor. Porque é a ela que nos entregaremos, queiramos ou não. Que seja com humor então.


O anunciante é a Angelus Agência e a produção do filme é da C&R/Tambour Propaganda. Assista. É divertido.



segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Folhinha

Antigamente, chama-se folhinha ao calendário que invariavelmente ficava pregado na porta da cozinha ou num móvel. Alguns o colocavam na porta do banheiro para, não sei bem porque, talvez lembrar-se de datas enquanto satisfazia as necessidades básicas que costumam se satisfazer no banheiro. Ou, ainda, durante a secagem pós-banho, olhar a folhinha e ver que banho após banho, as células enrugavam-se tal qual se aproximava o fim ou começo de mais um ano.


As folhinhas são mais raras e todo mundo tem um calendário no celular ou no talão de cheques. Raros são os que consultam os calendários de papel. A folhinha, como muitas outras coisas, está em extinção.


Talvez por isso, a empresa italiana Pirelli, que publica o famoso Calendário Pirelli, tenha mudado a folhinha de modelos nuas que estampavam, notadamente, as oficinas mecânicas e os bastidores dos postos de gasolina, e passou a dar tratamento de arte a um objeto que, por si mesmo, perdeu a função original. O calendário da Pirelli começou a ser produzido em 1964. Mas, somente a partir de 1985 é que começou a colocar top models nos meses. Depois disso, tornou-se cult. E, depois ainda, as mulheres passaram a dividir as páginas mensais com os homens.


Para a edição de 2011, que urge aí na porta, a Pirelli fez festa de estreia em Moscou. A 38ª. edição da folhinha mais luxuosa do mundo, "The Cal", como é chamado pela empresa, foi assinada pelo estilista Karl Lagerfeld. No estúdio que mantém em Paris, Lagerfeld criou o calendário "Mithology". São 36 imagens que retratam 24 temas de divindades, heróis e mitos. São 21 protagonistas (15 mulheres e 5 homens), entre os quais a atriz Julianne Moore e a modelo brasileira Isabeli Fontana. Abaixo, 12 imagens  da edição 2011.














domingo, 12 de dezembro de 2010

Meu rugido dominical



Existem pessoas que são verdadeiramente visionárias. Nessa categoria, estão alguns artistas e escritores. Contemporaneamente, considero visionário o escritor Michel Houellebecq. E, de forma surpreendente, um outro autor, que infelizmente morreu subitamente antes mesmo de conhecer o sucesso de sua principal obra, foi capaz de antever o novo mundo que une o universo digital, com tudo o que lhe é peculiar - anonimato, grau de alcance e meios para driblar toda e qualquer tentativa de cerceamento - a um profissional que está, na minha opinião, num processo de transformação e desgaste, sem saber ainda onde vai parar, o jornalista.


Esse autor é o sueco Stieg Larsson, criador da trilogia Millenium - Os Homens Que Não Amavam As Mulheres, A Menina Que Brincava Com Fogo e A Rainha Do Castelo De Ar. Larsson, jornalista ele próprio e ativista político conhecido na Suécia, morreu em 2004, antes de conhecer o maior fenômeno do jornalismo nos dias de hoje, o WikiLeaks. Os personagens centrais da obra de Larsson são o jornalista Mikael Blomkvist e a hacker Lisbeth Salander.


Justamente os mesmos pilares que compõem o fundamento do WikiLeaks, entidade transnacional sem fins lucrativos, sediada (é modo de dizer, já que esse tipo de site não tem pátria) na Suécia, fundada em dezembro de 2006, há quatro anos. Os colaboradores do WikiLeaks são dissidentes, jornalistas e, claro, hackers de todo o mundo. O WikiLeaks tem uma face: é o australiano Julian Assange, neste momento detido por acusação de estupro e de violência sexual, que também é jornalista e ciberativista. O WikiLeaks não tem qualquer vínculo com a Wikipedia ou com a Wikimedia Foundation.


Larsson não poderia imaginar que a ficção de Millenium fosse encontrar reflexo na realidade: o WikiLeaks tornou-se um fenômeno mundial (tal qual Millenium) somente a partir de abril deste ano quando divulgou o "Afghan War Diary", compilação de quase 77 mil documentos secretos do governo norte-americano sobre a Guerra do Afeganistão. Entre esses documentos, o de maior repercussão foi um vídeo que mostra civis iraquianos mortos durante um ataque aéreo das forças militares dos EUA.


Em outubro, o WikiLeaks se articulou com empresas de mídia globais - The New York Times, The Guardian, El País, Le Monde e Der Spiegel - e publicou mais 400 mil documentos secretos. Desta vez, era "Iraq War Logs", sobre torturas de prisioneiros e ataques a civis pelos EUA e aliados na Guerra do Iraque.


Depois, em novembro, foram publicados telegramas secretos de embaixadas e do governo norte-americano e mais 250 mil documentos. A partir daí, começou a perseguição a Julian Assange, assim como na trilogia Millenium se empreende uma gigantesca busca pela hacker Lisbeth Salander. E, sucessivamente, outras iniciativas foram tomadas para conter a represa cheia de vazamentos do WikiLeaks: a Amazon expulsou o site de seus servidores, o EveryDNS retirou o domínio original do WikiLeaks do ar (http://wikileaks.org) e continuam, atualmente, mais esforços de governos - dos EUA e de todos os cantos do mundo - para barrar potenciais vazamentos de novos documentos comprometedores.


Mas, o WikiLeaks, se for efetivamente contido, o que eu duvido que ocorrerá, assim como tem detratores mundiais, também tem defensores: até este momento, o site dispunha de quase 2 mil espelhos, sites que funcionam como uma espécie de backup caso o site-mãe fique indisponível. Por enquanto, o site está hospedado num servidor na Suíça, e pode ser acessado pelo endereço www.wikileaks.ch.


A princípio e por princípios meus, inerentes ao que sou e à minha profissão, eu mesmo jornalista, sou completamente a favor da transparência. Aos que delatam o WikiLeaks e o acusam de colocar em risco a vida de outras pessoas, eu contraponho o argumento usado pelo próprio Assange: nenhum governo ou empresa tem o direito de manipular dados e informações e trabalhar com duas faces - uma para consumo externo e outra para razões diplomáticas - que, teoricamente, afetarão a vida de outras pessoas como ocorreu com os civis das guerras do Afeganistão e do Iraque.


O que o WikiLeaks evidencia é que, malgrado o suposto fim da guerra de informações que a derrocada da Cortina de Ferro pressupunha, as embaixadas, serviços secretos e forças militares dos países continuam a produzir informações e a processá-las conforme seus interesses políticos e econômicos. Denunciar e expor os documentos que comprovam esse tipo de comportamento deve ser celebrado pelos civis de todo o mundo. Tentar calar a voz dissonante é a atitude previsível de governos e de empresas. Se o WikiLeaks terá fôlego para continuar essa empreitada, não sei. Sei que o trabalho de hackers do site mudou, neste ano, o jornalismo mundial. E só tenho a defender o colega australiano. Em que pese, contudo, o fato de que todos - jornalistas e fontes - temos interesses em divulgar determinado dado.


Abaixo, reproduzo excelente artigo de Tiago C. Soares, jornalista e editor de web do Portal da Fundação Perseu Abramo. O artigo dimensiona o que o WikiLeaks representa para a imprensa. Publicado no dia 10 de setembro deste ano, o artigo não contempla os desdobramentos do WikiLeaks e do fundador Julian Assange, evidentemente, porque tais fatos ocorreram, como sói acontecer no mundo da internet, nos últimos dias. O que sugere que, quando este próprio post for publicado, já estará defasado. E é esse o conflito que se nos apresenta, a nós, profissionais da mídia e que, ao contrário do jornalista Mikael de Millenium, não dispomos de uma prestativa hacker para desencavar informações feito torrentes de dados.


"Na virada de julho para agosto de 2010, o jornalista e programador australiano Julian Assange publicou na internet um arquivo de 1.4 gigabyte chamado “insurance.aes256”. Sobre o documento, criptografado, especula-se muita coisa. Para alguns seriam as últimas informações sobre hipotéticos erros e crimes de guerra do exército estadunidense no Iraque. Para outros, é nada mais que um blefe.


O nome do arquivo, "insurance" ("seguro", em português) carrega uma ironia e uma verdade. Isso porque o jornalista promete que, caso alguma coisa lhe aconteça, a chave criptográfica será instantaneamente liberada na web para os milhares de usuários que baixaram o documento. E os estragos para a política externa dos EUA, acredita-se, poderiam ser consideráveis.


Assange poderia ser apenas mais um paranoico da internet empolgado com teorias de conspiração. Mas ele é mais que isso. Ele é o homem atrás do Wikileaks.org, o website que, com uma mistura de jornalismo, trabalho militante e culture jamming1, trouxe mais do que um pesadelo a comandantes do Pentágono, corporações financeiras e regimes autoritários.


Em todos os lugares


Criado em 2007, o Wikileaks pretende ser um grande banco de dados de informações sensíveis aberto às massas. Alimentado com vazamentos de fontes privilegiadas e hacks de redes ativistas online, o website conta com alegadas dezenas de milhares de arquivos potencialmente desastrosos para executivos e burocratas com algum esqueleto no armário.


Embora simples em seu princípio, o Wikileaks é resultado de anos de intenso esforço tecnológico, editorial e político. Tendo em Julian Assange seu maior articulador, foi construída uma rede de militantes de expertises diversas, um pequeno exército com ramificações na comunidade hacker, no setor público e na sociedade civil organizada. Um grupo de trabalho dedicado a frentes de ação variadas, do desenvolvimento e manutenção de softwares e servidores ao desenho de soluções para ameaças jurídicas, passando pela checagem dos vazamentos publicados no site e pela criação e divulgação de artefatos de mídia baseados no seu banco de dados2.


Os objetivos editoriais do site são claros. Em declaração recente dada ao repórter Raffi Khatchadourian, da revista estadunidense The New Yorker, Julian Assange afirma querer “determinar um novo padrão: o 'jornalismo científico'”. E prossegue: “Se você publicar um paper sobre DNA, os bons jornais de biologia determinam que sejam oferecidos os dados que embasaram sua pesquisa – a ideia é que outras pessoas repliquem, chequem, verifiquem. Isso é algo que precisa ser feito também com o jornalismo”.


Para garantir amplo acesso ao banco de dados do Wikileaks, sua hospedagem é pulverizada em diversos servidores espalhados ao redor do mundo. Entre os responsáveis pelo serviço, entidades como a PRQ (companhia notória por sua ligação com o serviço de torrents Pirate Bay), e o Partido Pirata da Suécia. Mais que técnica, a solução é também política: ao publicar seu conteúdo em países com diferentes marcos jurídicos para a imprensa, o site garante que o seu conteúdo continue online, mesmo quando contestado em alguma jurisdição.


Anônimos no labirinto


O gerenciamento das conexões ao Wikileaks é uma questão especialmente delicada. Além da necessidade de garantir o anonimato em duas mãos – tanto para os que publicam novos vazamentos (que podem deter posições delicadas nas cadeias de comando das quais a informação é vazada) como para aqueles que os baixam (que podem estar na articulação de ações estratégicas ou na mira de regimes de exceção) –, há a preocupação de oferecer ao público rotas de acesso não rastreáveis por governos que restrinjam as conexões para o site.


A solução para o problema foi a adoção de softwares livres e/ou acessíveis para publicação e criptografia, bem como redes de tráfego que permitam navegação anônima. Com estrutura técnica baseada no administrador de conteúdo MediaWiki (o mesmo usado para a Wikipedia), o Wikileaks traz na manga soluções de criptografia e anonimato como Freenet e PGP. Mas é com o software Tor e a rede de comunicação nele baseada que o site parece ter tirado o coelho da cartola.


Nomeado por conta da sigla para The Onion Router (em português, "O Roteador Cebola", numa alusão à multiplicidade de camadas de tráfego permitidas pelo programa) o Tor é o motor do Projeto Tor, uma rede de comunicação online dedicada ao tráfego anônimo de dados na internet. Explicando de uma maneira simples, ele reconstrói o caminho feito pela informação ao circular pela rede. Em vez de sair de um ponto A e passar por um caminho padrão de servidores para chegar ao ponto B, com o Tor os dados são ricocheteados pela arquitetura da web, atravessando numa lógica distinta os muitos, variados (e, não raro, ocultos) nós de rede mantidos pelos colaboradores do projeto mundo afora. O pulo do gato está em embaralhar o caminho feito pela conexão, não permitindo o rastreamento dos pontos de entrada e saída que acessem o Wikileaks.


Com a questão do anonimato resolvida (Assange garante que, noves fora ocasionais imperfeições, o sistema do Wikileaks é “vastamente mais seguro que qualquer rede bancária”), o banco de dados do site tornou-se destino seguro para todo tipo de informação primária, sejam atas das reuniões do Grupo Bilderberg, manuais da Igreja da Cientologia ou mensagens hackeadas da conta de email privada da política conservadora estadunidense Sarah Palin3.


Dos baús do Pentágono


Apesar de bem resolvido tecnicamente, o Wikileaks debruça-se ainda sobre o desafio de transformar a maior parte da informação vazada para seu banco de dados em produtos de mídia, em peças informativas que possam virar manchetes e pautar os noticiários. As dificuldades são consideráveis: além do óbvio abismo entre a estrutura colaborativa de publicação – tocada pelos mantenedores do site – e a lógica e rotina das redações da imprensa corporativa, há o problema relativo à curadoria, checagem e tradução editorial do material que, não raro, desembarca no Wikileaks como informação codificada em estado bruto.


O que significa que, além de todo o trabalho envolvido na elaboração de pautas e no processamento de conteúdo, jornalistas que passearem pelos escaninhos do Wikileaks precisam também decifrar a lógica de escrita e sistematização dos memorandos, relatórios e planilhas garimpados no site – num novo tipo de prática usualmente chamada de “jornalismo de dados”4.


E foi com a implementação de iniciativas para a diminuição das distâncias editoriais e da energia gasta na investigação e no processamento de suas informações que a equipe do site conseguiu emplacar no noticiário duas pautas de se parar as proverbiais rotativas mundo afora.


Em 2009, a equipe técnico-editorial comandada por Assange publicou na web um vídeo secreto que, gravado pelos militares estadunidenses no Iraque, evidenciava a utilização de força excessiva e a perpetração de crimes de guerra pelas forças dos Estados Unidos. As imagens, relativas ao ataque, em 12 de julho de 2007, efetuado por um helicóptero Apache contra insurgentes numa área urbana de Bagdá, mostram disparos em civis (entre estes, dois repórteres da Reuters) e a implosão desnecessária de um prédio de apartamentos.


Antes de se espalhar pelo mundo, o vídeo teve uma cuidadosa estratégia de divulgação. Os dados receberam tratamento editorial elaborado, com criação de hotsite5 e edição de uma versão, compacta, da íntegra da gravação. Para a mídia em geral, foi organizada uma coletiva de imprensa na qual o próprio Assange apresentou as peças jornalísticas criadas por sua equipe, ao mesmo tempo em que oferecia as informações brutas para veículos e jornalistas interessados em investigar a pauta.


Num outro episódio, Assange articulou a publicação de outro vazamento – dessa vez, envolvendo as ações das tropas lideradas pelos Estados Unidos no Afeganistão – com o diário britânico The Guardian e o jornal estadunidense The New York Times, além da revista alemã Der Spiegel. Os dados foram oferecidos antecipadamente aos três veículos, que mobilizaram separadamente pessoal e tecnologia para decodificar as informações, levantar as ações e planos por elas relatados e contrapor esses dados às informações veiculadas pelo Pentágono. Publicados simultaneamente pelo Wikileaks e pela imprensa em 25 de julho de 2010, os inúmeros documentos secretos revelam a ineficiência, ao contrário do oficialmente divulgado, de diversas ações militares dos Estados Unidos no conflito afegão.


A lógica por trás da ação de Assange abrange muitas frentes: além de mobilizar estruturas jornalísticas profissionais para a decodificação dos papéis militares, o processamento editorial (levantar dados relevantes, checar, decidir o que publicar) das informações brutas por três veículos distintos oferece volume para o estabelecimento da pauta como agenda, ao mesmo tempo em que oferece ao público pontos de vista múltiplos. Tudo isso com a essencial vantagem de, ao publicar o furo em diversos meios de comunicação de países diferentes, minimizar o risco de as reportagens sumirem da internet por conta de alguma ação jurídica do governo dos Estados Unidos.


Claro, o Pentágono e o Departamento de Estado dos Estados Unidos não ficaram felizes com as iniciativas do Wikileaks. Mas também não parecem ter encontrado muito o que fazer além das simples ações de controle de danos. Imobilizados pela volátil e altamente pulverizada rede que sustenta o site, pairam ainda sobre os militares os estragos de relações públicas que seriam desencadeados por alguma ação de censura – afinal, as informações mostram que, além de ineficazes, governo e militares estariam, antes de tudo, mentindo.


A notícia, o hack


A princípio, o Wikileaks parece apontar para uma completa descentralização do fazer jornalístico, nivelando o jogo entre o público e veículos da grande mídia. Todos seriam repórteres-editores-gatekeepers-checadores. Cada indivíduo, o jornal de um homem só.


Mas talvez não seja exatamente assim.


Mesmo com o bem sucedido trabalho de divulgação jornalística do vídeo sobre o ataque do helicóptero militar no Iraque, a pauta sobre o fiasco afegão demandaria da equipe do Wikileaks verba e trabalho descomunais. E, ao transferir essa demanda para veículos de imprensa tradicionais, dotados dos aparatos técnico e profissional necessários para a produção de conteúdo a partir de material tão arcano, o Wikileaks ganha pernas para centrar esforços na articulação de sua rede, levantando e checando novos vazamentos e desenhando estratégias de divulgação.


Mais que isso: uma vez decifrados por jornalistas profissionais, os caminhos para os documentos-fonte tornam-se acessíveis para a aferição do público, que pode simplesmente utilizar os métodos e cruzamentos sugeridos pelas reportagens. Num exemplo recente, o britânico The Guardian chegou a produzir matérias explicando aos seus leitores as rotinas, soluções e ferramentas tecnológicas utilizadas por sua equipe de jornalistas e desenvolvedores para decifrar os documentos do Wikileaks sobre a guerra no Afeganistão.


Ao propor à imprensa constituída o papel central na resolução dos cada vez mais complexos quebra-cabeças nos quais se encerra a informação, o Wikileaks resgata, numa nova chave, o há tempos esmaecido aspecto colaborativo da prática jornalística. No ofício das redações, desde sempre constituído em torno da eterna negociação entre os detentores de diferentes conhecimentos e habilidades, o leitor emerge em novo papel, elo essencial do circuito de produção da notícia.


Com acesso aos dados hackeados de documentos primários, o público torna-se eixo central para as negociações de pauta. Toda informação torna-se reprogramável, passível de checagem, complementação, contraposição de dados. O próprio tratamento dado às informações cruas torna-se parte da narrativa jornalística.


Grandes poderes, grandes responsabilidades


Lógico, a premissa da transparência absoluta traz consigo questões editoriais relevantes. Os limites para a publicação jornalística de dados sensíveis tem sua própria ética, articulada em eterna negociação. Afinal, existem fronteiras que, pelas leis das redações, simplesmente não devem ser cruzadas.


Uma vez decodificados os documentos secretos sobre a guerra no Afeganistão, por exemplo, especula-se que milícias afegãs passaram a vasculhar o banco de dados do Wikileaks, listando para extermínio os nomes de possíveis informantes das tropas estadunidenses. O que levou a Anistia Internacional (AI), entre outras entidades, a pedir – sem sucesso – que o site revisse sua política de publicação irrestrita. Curiosamente, a mesma AI premiou Julian Assange, em 2009, pela divulgação de relatórios que expunham a ação de esquadrões da morte no Quênia.


Ainda que informações primárias traduzidas de bancos de dados precisem de certo trabalho especial em seu processamento, seu levantamento irresponsável e sua replicação infinita, sem volta, abre a eterna possibilidade de estragos. De todo modo, é também fato que a prática de vazamentos e dossiês criminosos é (muito) anterior à dinâmica de produção jornalística proposta pelo Wikileaks – o que, se não isenta o site de pontos cegos quanto a algumas de suas implicações editoriais, também não justifica que vista a fantasia de vilão.


O Wikileaks é um projeto em construção, que, ao trazer para o centro de sua nova geometria os velhos atores e circuitos de produção da informação, remodela suas práticas e conceituações. Sintoma dos novos caminhos de poder e da nova participação popular desenhados pela internet, sua rede articula-se para além de seu banco de dados, e acena com a intenção de novos espaços de reflexão e resistência.


Como um iceberg informacional, que esconde sob seu cume arestas prontas a romper a fuselagem da mídia tradicional."

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Até quando?

Na última revista que trabalhei, costumávamos brincar que, quando não nos ocorria um título de forma alguma para a matéria, poderíamos sempre usar a manchete "Até quando?". Por não se referir a nada e abranger tudo, o título caberia em qualquer matéria. Pode fazer o exercício. Serve para tudo e nada ao mesmo tempo.




Brincadeiras à parte, para este post o título é completamente adequado e é uma interrogação que faço da forma mais ampla. Mas dirijo a pergunta, sobretudo, às autoridades. A sociedade não ouso questionar porque, ao que parece, qualquer questão que envolva violência e que não seja diretamente ligada a si ou aos seus, não importa, banalizou-se a ponto de vermos os atos acontecerem na nossa frente e desviarmo-nos prontos para deixar para trás os outros que, hipoteticamente, são estranhos.


Até quando teremos a sensação de insegurança? De impunidade? De medo? Aconteceu de novo, na mesma avenida Paulista que já louvei algumas vezes neste blog. Que palmilhei com meus próprios pés como nenhuma outra rua nesta cidade. Que, se diz, é a avenida mais rica da América Latina. Que é uma das principais marcas desta cidade. Aconteceu de novo, este final de semana, quase no mesmo ponto, de novo na estação Brigadeiro do metrô: um casal de gays foi atacado por uma outra gangue de cinco.


Repare: foram cinco pessoas novamente. Não aqueles cinco - dos quais quatro menores de 18 anos estão recolhidos à Fundação Casa e o maior continua feio, leve e solto por aí e, ao que parece, foragido - de antes, mas outros cinco que se deram, também, o direito de atacar pessoas por serem homossexuais.


Atacaram praticamente da mesma forma. O conteúdo também é o mesmo: homofobia. Até agora, enquanto escrevo, imagino que a poucas quadras daqui de casa, cada gay que passar pelo local terá vivo na mente que pode ser atacado ali, naquele exato lugar que fica, assim, estigmatizado pela gratuidade do preconceito.


Ao que parece, os cinco rapazes da nova gangue houveram por bem substituir a outra desmantelada gangue. E, até aqui, foram bem-sucedidos. Não tiveram receio nem um pouco de uma câmera a lhes filmar o ato: cometeram a violência certos da ausência total de punição.


Dá para acreditar que, depois do primeiro episódio, dissipados os vapores daqueles golpes, um bando de moleques covardes teve a audácia de atacar gratuitamente? Até quando, eu me pergunto, até quando teremos episódios deste tipo, sucessivamente, sem que a polícia interfira? Sem que a avenida mais rica seja capaz de se manter como um local seguro?


E observe que, se policiamento não existe, há câmeras em toda a extensão da avenida, há segurança privada, há pedestres que jamais a deixam deserta. E ninguém foi capaz de fazer nada, uma vez mais. Um dos rapazes correu para pedir ajuda para a polícia e quando voltou o outro estava inconsciente no chão, de novo. Até quando? São Paulo, é a tua avenida que se vestiu de natal, que tem uma praça de natal, que celebrou a própria abertura de natal ontem mesmo, domingo. Domingo que, 15 horas antes, para os dois não foi o natal, e sim a morte. A pequena morte da violência cotidiana que se apresenta sob as mais variadas formas e cujo único fato que a liga a todos os demais fatos semelhantes é a dor dos que, vitimados, sentem-se desprotegidos, pequenos diante de tão grande omissão.


Até quando?

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Nude do dia

Ops! A über model Gisele Bündchen foi para St. Barths, no Caribe, fazer um ensaio fotográfico. Não, não é este que você vê aqui. Aqui um paparazzi esperto fotografou Gisele durante a troca de roupa para o ensaio oficial. Do maridão Tom Brady, que é bom, nem o branco das pupilas se viu, humpf!



segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Filhos da paz

No dia 14 de novembro, um domingo, por volta de 6:30 horas da manhã, a cerca de quatro quadras de onde moro, na estação Brigadeiro do Metrô, avenida Paulista, cinco jovens - um maior, de 19 anos, e os demais menores, entre 16 e 17 anos -, agrediram covardemente pelo menos cinco outros jovens (quatro na região da Paulista e um em Moema). O grupo dos cinco agressores, como você pode ver pelo vídeo abaixo, ataca, com uma lâmpada fluorescente, de forma totalmente gratuita, um dos passantes. Depois, na parte que não aparece no vídeo, os demais chutam e espancam um deles.





A polícia agiu rapidamente e conseguiu identificar os agressores, que ficaram retidos. Mas, por conta de juízes talvez, eles mesmos, eivados de preconceito, os cinco foram soltos. Depois, o vídeo acima e testemunhas confirmaram a gratuidade do ataque e a Justiça determinou que os quatro menores fossem recolhidos à Fundação Casa, que abriga menores infratores no Estado de São Paulo. O quinto agressor deve ser detido porque a polícia pediu sua prisão preventiva.


Por ora, os quatro menores estão detidos. O maior, único que permanece em liberdade, aguarda julgamento do pedido de prisão preventiva. Ontem, domingo, li a entrevista que um dos pais de um dos menores deu a um jornal. E me saltou aos olhos uma das frases: "Meu filho é da paz". Dois outros pais disseram o mesmo de seus filhos, em outras palavras.


Em resumo, são todos da paz, pacíficos, verdadeiras unidades pacificadoras civis, que andam como vândalos pelas ruas e atacam todos os que lhe parecerem "viados", "bichas", "frutinhas" e que ousarem lhes olhar na rua. Foi o que alegaram, aliás: que haviam sido paquerados pelos agredidos.


Fiquei tão indignado ao ler a entrevista desse pai (que tem 43 anos) e é identificado como ator e diretor que me recusei a escrever sobre o tema no meu Rugido. Me calei. A indignação foi tamanha que não coube na expressão das palavras. Achei por bem destilar o ódio noite adentro e deixar de instilar, com isso, mais ódio ao caso.


Não importa o motivo alegado pelos agressores. O que importa é o que um caso desses representa: a mais completa intolerância contra quem age diferente. Fala-se muito no termo "tolerância". Tolerar significa aceitar com indulgência. Percebe a sutileza do "com indulgência"? Indulgência é indulto, perdão e vem do arcabouço teológico católico. Portanto, é um códex cristão, baseado na moral da igreja romana. Sou contrário ao termo tolerância. Sou contrário ao seu verdadeiro significado. Prefiro aceitação. Por favor, não me tolere. Não sou ovelha de rebanho cristão para ser tolerado ou não e muito menos me submeto aos cânones da igreja para ser por ela avaliado e perdoado ou não.


É como se, numa transliteração, me falassem: "perdoai-os (aos agressores), eles não sabem o que fazem". De forma alguma. Sabem e foram cultivados dentro do seio familiar com esse ódio, esse rancor. De algum lugar veio essa completa aversão ao diferente. Se não foi exatamente dos pais, foi da escola, dos amigos, dos pais dos amigos e, por consequência, com a aprovação latente dos pais.


O termo correto é aceitação. Me aceitem ou não. Não me tolerem. E não me agridam com palavras que soam deslocadas nesse contexto. Como uma pessoa que acaba de quebrar lâmpadas na cabeça alheia pode ser da paz? Como um chute em um corpo caído pode vir de um ser da paz? Que incongruência!
Me aceitem ou não. Se não querem me aceitar, danem-se. Tampouco preciso da aceitação alheia. Mas, se eu passar a não aceitar você, você e você, isso não me dá o direito de agredi-los. Não! Olho para você na rua, um(a) estranho(a) e te agrido porque, eventualmente, vi no seu olhar um brilho de cobiça? Que ridículo!


Esse mesmo pai que chama da "paz" a criatura que legou ao mundo afirma que o filho "homenzarrão" (por certo, o pai não sabe o sentido nato dessa palavra), não para de chorar e tem sofrido. Oras! Duas das vítimas ficaram bastante machucadas. Com o rosto e o corpo cheios de hematomas. Desconheço iniciativa de quaisquer um desses pais "da paz" de procurar as vítimas e lhes pedir desculpas. E de reconhecer que quem tem sofrido, no corpo, literalmente, são as vítimas. Não os agressores.


O episódio, por enquanto, criou alguns manifestos e fez com que o Senado Federal, pressionado por entidades ligadas à Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais (ABGLT), liberasse verba de R$ 300 milhões para ações de combate à homofobia.


Em um momento que o Rio de Janeiro combate a violência de forma avassaladora, o episódio da avenida mais famosa da América Latina tem que ser avaliado pelo que significa: é dessas demonstrações de ódio dos "filhos da paz" que se fomentam a grande violência que, de uma forma ou de outra, compõe todo o quadro violento deste País. A tal "tolerância" não existe, estou certo disso. Existe condescendência, numa tentativa velada de esconder o preconceito que, ao primeiro movimento, se expõe da forma mais crua possível.


Os "filhos da paz" são uma alegoria. Gays não têm paz. E por mais que me afirmem o contrário, insisto em que não evoluímos. Se jovens de 16 a 18 anos se acham no direito de bater em gays gratuitamente, isso significa que a geração Y, tão moderna e plugada, não passa de um bando de brutamontes que mantêm ranços medievais tal qual seus pais, avós,  bisavós e demais antecedentes? Espero que não. Filho da paz sou eu que nunca levantei a mão para ninguém na minha vida. Me respeitem!


P.S. Pela lei brasileira, menores não podem ser identificados pela mídia. Mas, na internet, circulam todos os dados dos agressores. Vou chamá-los aqui de A, B, C e D. A mora na Vila Mariana. B mora na Bela Vista (aqui atrás de casa) e o pai dele foi preso no ano passado pela Interpol. C também mora na Vila Mariana, pratica musculação, muay thai e jiu tisu. D mora no Itaim Bibi. O maior, de 19 anos, é Jonathan Lauton Rodrigues, da Vila Mariana, e é instrutor de jiu jitsu. Os bairros são de classe média (alta, eu diria) da cidade de São Paulo e, portanto, não se pode nem argumentar que veem de periferias abandonadas, como é comum alegar nesses casos.

sábado, 27 de novembro de 2010

Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós

Uma moradora, singelamente, se aproximou da repórter e lhe entregou uma caixa de fósforos. Não quis se identificar e saiu rapidamente. A repórter abriu a caixa de fósforos e dentro havia uma carta de agradecimento aos oficiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro e da Marinha e passagens do samba-enredo do Carnaval de 1989 da escola de samba Imperatriz Leopoldinense (veja vídeo da música abaixo).





Esse é o trecho, entre tantos, que destaco da ocupação das favelas cariocas pela polícia e Forças Armadas, ou seja, pelo Estado. Porque foi o Estado que deixou isso acontecer e agora precisa agir como se fossemos uma representação de Israel e Palestina, com ocupações de territórios e intifadas.


As pessoas, como a moradora acima, comemoram, agradecem, rezam e acreditam que, agora, o Rio de Janeiro estará livre da pestilência do narcotráfico. Em ação cinematográfica que já dura dias, a ação policial e militar tem sido chamada de "Tropa de Elite 3", como se fosse a continuação do filme que alça a polícia carioca - e o Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) - a patamares inimagináveis. O filme, aliás, consagra o comandante do Bope como um verdadeiro herói.


E herói foi uma das palavras escritas pela moradora no bilhete da caixa de fósforos. Mas, por que heróis, se são apenas agentes desde sempre destinados a nos proteger? E por que o Estado deixou a situação da cidade mais linda do Brasil (e quiçá do mundo) chegar neste estado?


Não vejo como heróicos os avanços no Rio de Janeiro. A imagem mais significativa até agora foi a da debandada de bandidos da Vila Cruzeiro para o Complexo do Alemão (que reúne 15 favelas): tudo registrado pelas câmeras da TV (vídeo abaixo). Os bandidos, longe de se constrangerem, acenavam com as armas para mostrar o eventual poder de fogo que têm.





A explicação para o estado de abandono em que se converteram as favelas do Rio (e de São Paulo, do Recife, Salvador, Fortaleza, Manaus...) é uma só: aonde o Estado não exerce o papel de Estado, outros o farão. No Rio, além dos bandidos do narcotráfico, as pessoas ainda convivem com as milícias, que, na minha opinião, não diferem em grau algum dos bandidos. Pois que milícias não são um poder constituído. São ilegais e, portanto, estão à margem do Estado de direito, assim como estão os marginais.


Não, não celebro ao ver a transmissão em tempo real dessa peculiar Guerra do Golfo brasileira. Me entristeço. Porque estamos a celebrar como se fosse um salvo-conduto para um novo mundo. Obviamente, isso não ocorrerá porque a raiz continua podre. A superfície pode até parecer limpa. Mas, se o subterrâneo que alimenta a raiz não for eliminado, nada mudará. Será apenas o clamor desta operação. Porque o fundamento tem raízes profundas em toda a estrutura desta que se quer uma Nação, que se quer um ator global, com influência no mundo civilizado.


Trabalho ao lado de um outro complexo de favelas em São Paulo. São as favelas do Jaguaré - Rocinha, Moinho, Diogo Pires, Nova Jaguaré (considerada a maior de São Paulo) e outras que nem se sabe ao certo os nomes. É o Complexo do Jaguaré. Eventualmente, à tarde, ouve-se o pipocar de fogos na região das favelas. No Brasil, qualquer um de nós sabe que é o sinal para avisar que novos carregamentos de drogas chegaram. Isso acontece em qualquer lugar do País, inclusive na minha cidade natal que tem, ela própria, a rua do narcotráfico.


Não importa para onde se olhe, portanto, a capilaridade da violência é superior a qualquer outro sistema no Brasil. A violência - drogas, armas, roubos, assassinatos - tem densidade mais alta do que a água, a luz, o telefone, os esgotos. É o maior feito desse País: a inclusão social pela violência. É apenas nesse nível que, verdadeiramente, somos, classes A, B, C, D e E, todos iguais, enfim, sob as asas que se querem da liberdade, mas são, verdadeiramente, da violência.

domingo, 21 de novembro de 2010

Meu rugido dominical



Existe um conceito chamado "amizade" que, na escala de importância na vida, em minha opinião, perde apenas para aqueles que nos fecundaram e nos deram a própria vida. Amigos nós formamos, feito uma árvore. Que pode ser frondosa ou secar, conforme o trato que se dá a essa árvore ao longo da vida.


Durante esse processo de viver, alguns galhos ficam fortes e criam vínculos profundos que nenhuma tempestade é capaz de podá-los. Outros, mais raquíticos, às vezes caem, se quebram, trincam ou apenas secam e se descolam. É natural, exatamente como ocorre com as árvores.


Ontem, sábado, e hoje, domingo, ouvi de duas amigas que são galhos fortes duas coisas sobre mim mesmo: a primeira disse que sou ouro a ser descoberto. A segunda, que brilho.


Pela centésima vez, antes de tudo, deixa eu contextualizar: sou leonino. Tais predicados, no entanto, longe de me envaidecer e fazer eriçar a juba, apenas me fizeram pensar. E, ao pensar, resolvi interiorizar essas reluzentes opiniões a meu respeito.


Minha amiga que comentou sobre o brilho disse mais. Que temos, ela e eu, esse brilho. E que, se as pessoas que nos interessam são incapazes de perceber tal brilho, devemos passar reto, ir brilhar em outra freguesia. "Porque não temos mais idade para isso", me alertou. Concordo. A grosso modo, temos, ela e eu, urgência. Que a vida urge, rápida, e não há tempo em consumir a chama (ou o brilho) com potenciais velas voláteis, ainda que as velas e chamas sejam, por princípio, voláteis em si mesmas.


O que quero dizer é que entendi perfeitamente o recado de ambas e não estou (e não é de agora) mais disposto a brilhar feito um vagalume perdido no meio do mato. Aliás, nem mesmo o vagalume emite luz sem razão: o inseto o faz para atrair a parceira e, até onde eu entendo do reino dos vagalumes, são bem-sucedidos com seus brilhos.


Então é isso: vou assumir que valho ouro e que brilho. Tanta riqueza assim deve ser desfrutada por quem o mereça. Não, não vou aqui me colocar em um pedestal. Tampouco vou rastejar por migalhas. Quero o que me cabe. Nem mais nem menos. Quero o que mereço. Pelo que sou, pelo que valho. E valho muito. Eu sei. Aproveito para colocar um vídeo que reproduz essa sensação que sinto neste momento:





sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Simples assim

Um curta made in Taiwan para amansar a tensão desta semana e para começar o sábado com algo leve. O curta tem pouco mais de cinco minutos e vale a pena.



quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Os novos queridinhos da América (e meus também)

Embora eu já tenho mais que evidenciado minhas pretensões de ser adotado pelo exuberante casal Angelina Jolie & Brad Pitt, e prometido me comportar decentemente com ambos enquanto filho, devo dizer que é difícil, mas, volúvel e instável, meu coração (e corpo) pende para o novo casal queridinho da América.


Os eleitos da vez (e espero com urgência que ambos tenham pendores humanitários quanto à adoção de brasileiros carentes) são os gatíssimos Scarlett Johansson & Ryan Reynolds, casados na vida real. Ela foi eleita a "gata do ano" pela revista GQ. Ele ganhou o título de o homem mais sexy do mundo pela revista People. Ela eu já amo desde "Lost and Translation". Ele, desde que mostrou o bumbum em "Quando a Vaca Vai para o Brejo". Hummmm... A vaca foi e eu continuo na lama, tstststststs!!!




Como o meu interesse não é nenhum outro a não ser afetivo, cedo aos encantos do casal e me coloco prontamente pronto para a adoção que, espero, ocorra em seguida. Affeeee!!!!

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Ordinariazinhas

A vida é assim: algumas vezes você está por cima, outras, por baixo. De vez em quando, você é caça. Depois, torna-se caçador(a). E, o melhor de tudo, se pode ser flexível o bastante para ludibriar eventuais inimigos(as).


A foto abaixo é autêntica e foi feita nesta terça-feira, 16, pelo fotógrafo Vadim Ghirda, da Associated Press (AP), em Bucareste, capital da Romênia. No cartaz, em romeno, a inscrição: "cuidado: cão bravo!". Olha a cara de medo do felino!


segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Young Blood

O young blood (sangue jovem) do título deveria ser burning blood (sangue ardente) porque é o que sinto, por vezes, dentro de mim. Um sangue latejante, como se as veias pudessem, todas, saltar do controle que a pele e a epiderme as mantêm.


Sim, cronologicamente, a idade passa. Mas, duvido que o sangue envelheça. Duvido. Porque o meu ferve, oh! Ferve feito um erupção subcutânea, um vulcão prestes a saltar das profundas.


P.S. Você, frequente por aqui, deve ter notado que nem tive a audácia suficiente para postar o Rugido de ontem. Estava tão febril no sangue que achei melhor poupar o(a) leitor(a) de pensamentos delirantes por demais.


by The Naked and Famous




sábado, 13 de novembro de 2010

Você tem pressa do quê?

Sabe aquela lenda da construção do mundo em seis dias? Algo similar, logicamente em proporções completamente diferentes, aconteceu na China. A cidade de Changsha, na China, construiu um hotel de 15 andares em seis dias!


Foram dois dias para erguer a estrutura e mais quatro para o acabamento. O processo todo foi filmado e postado no YouTube, conforme você pode ver abaixo. O hotel de seis dias foi feito com material pré-fabricado, suporta terremotos de magnitude 9, é à prova de som e tem isolamento térmico.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

O que vem do Coração

Dizem que o que vem de coração é sempre uma coisa boa, ligada à pureza, a bons sentimentos, bons fluidos, desejos salutares e autênticos. Mas, será que aquilo que vem do Coração reflete essa percepção? Um olhar mais apurado, melhor, um aprofundamento no coração (e na mente) das pessoas revela que o coração não está nem aí para esses estereótipos, esses maniqueísmos de bom-ruim. Ou, dito de forma mais apropriada, o Coração mostra que é autêntico mesmo, ainda que cruel.




Por Coração, entenda-se Hospital do Coração, o HCor, de São Paulo. A entidade acabou de divulgar uma pesquisa estarrecedora quando se trata do que vai no coração alheio: metade dos paulistanos e dos cariocas afirmaram que não se casariam com uma pessoa obesa. Paradoxalmente, 49% da população brasileira estão acima do peso, conforme indicam dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Esse dado inclui tanto quem está cima do peso quanto quem é, de fato, obeso.


Os homens são os que mais rejeitam a ideia de se casar com uma pessoa gorda: 54% responderam que não se casariam, ante 46% das mulheres. E é aqui que já começa o descompasso, com 8% do público feminino em desvantagem. E quanto mais instruído, maior é o preconceito: 66% dos homens da classe A, 44% da classe B e 51% da classe C se disseram refratários ao casamento com mulheres com sobrepeso. Para o total de entrevistados, 81% afirmam que o excesso de peso interfere no sucesso profissional.


Para 51% dos homens, a obesidade é uma doença. E para 73% das mulheres também. A obesidade interfere diretamente nas relações sociais. Para 78% dos homens e mulheres, a obesidade interfere no casamento. Para 77%, prejudica a escolha do transporte público (?!). E para outros 77%, dificulta a prática de esportes. E a pesquisa avança: 66% dos respondentes disseram que a obesidade é um obstáculo para a escolha do veículo para aquisição e outros 57% relacionaram a obesidade à dificuldade de se estabelecer roteiros de viagem (acessos a locais complicados, por exemplo).


A Catho, que é uma empresa de recrutamento profissional, demonstrou em estudo que a obesidade é a terceira causa de objeção do empregador na hora de contratar as pessoas. A obesidade fica atrás apenas da inconstância (mudança de emprego contínua) e do tabagismo.


E a morbidez da obesidade, aliada à morbidez do preconceito, faz ainda mais mal para quem está cima do peso ou está gordo: especialistas relatam que o preconceito em relação aos obesos é tão nocivo quanto os problemas de saúde atrelados à própria obesidade. Isso pode deixar os obesos mais doentes. E, para finalizar esse descarrego do Coração sobre os corações acima do peso, a mulher sofre ainda mais preconceito do que o homem quando se trata de sobrepeso ou obesidade. E, portanto, são também as maiores vítimas da anorexia. Tem coisas que coração algum suporta, com ou sem sobrepeso.

domingo, 7 de novembro de 2010

Meu rugido dominical



Paul McCartney, Eminem, Black Eyed Peas, Jonas Brothers, Lou Reed, Starts With You (SWU), Ultra Music Festival (UMF), Planeta Terra e até a Fórmula 1 (F1). Esses eventos e shows aconteceram ou acontecem por esses dias em São Paulo e não teve um, nenhum sequer, que acontecesse sem que houvesse problemas, fosse de transporte, de infraestrutura ou de organização.


E afirmo isso com propriedade: amigos que foram a um ou mais eventos ou eu mesmo pudemos constatar a total precariedade da cidade e mesmo do Estado (no caso do SWU, que aconteceu em Itu, interior de SP) quando se trata de (des)organizar um show ou evento de grandes proporções.


Dos acima relacionados, fui apenas ao show do Black Eyed Peas, que aconteceu na última quinta-feira, 4, no Estádio do Morumbi, em SP.


O show começava às 21 horas, com a participação do DJ David Guetta e do rapper Akon, com palhinha da musa do Black Eyed Peas, Fergie. Pois conseguimos entrar no estádio apenas às 21:45 horas. O Black Eyed Peas começou a tocar pontualmente às 22 horas. Antes de chegar ao estádio, um calvário: trânsito entupido, motorista do microonibus desinformado e perdido e confusão sobre qual o portão correto a que teríamos acesso ao estádio. Não fosse a providência gentil das centenas de organizadores, eu teria que ter saído e tentado entrar por outro local. Pessoas simpáticas e prestativas me conduziram prontamente para a pista. Mas, isso apenas aconteceu porque o meu ingresso me dava acesso a local privilegiado. Se não fosse por isso, tenho certeza que teria que procurar por mim mesmo e talvez tivesse perdido uns 30 minutos.


Depois, para sair, levamos mais de uma hora entre a saída e a chegada na ponto de encontro de onde havíamos partido. Ao redor do estádio, uma completa desorganização, muita desinformação e, a despeito de não ter tido problema, tenho certeza que muitos por ali tiveram transtornos com a falta de segurança. Engraçado que, para entrar, a polícia é mais do que eficiente: eu portava uma mochila cheia de canetas e cadernos de notas, já que fui direto da redação. O policial que me revistou ficou intrigado com tanta caneta e caderno e me questionou várias vezes sobre o conteúdo. Sossegou apenas quando lhe mostrei meu crachá de jornalista. Na saída, não vi a menor pegada de policiais.


No SWU, que se queria um festival, sobretudo, de sustentabilidade e, portanto, com forte apelo ecológico, tudo o que se viu, segundo amigos, foram montanhas de lixo para todo lado, poeira e lama, alternadamente, já que o local onde o evento se realizou foi uma fazenda. Claro que é um local adaptado nas coxas para receber milhares de pessoas.


Outro local que abriga shows internacionais em São Paulo é a Chácara do Jóquei, zona oeste da cidade. Lama e poeira se alternam no local, que já recebeu, inclusive, o meu queridinho Radiohead. E quem quiser que coma pó ou se lambuze com a lama porque, até chegar ao local, há que se empreender uma verdadeira trilha quase rural no meio do nada.


Finalmente, na sexta-feira, 5, o Eminem fez show em São Paulo, no Jockey Club da cidade, que fica na zona sul, na beira da Marginal Pinheiros, local dos mais inóspitos quando se trata de trânsito de São Paulo e, notadamente, numa sexta-feira. Eminem estava no set do F1 Rocks, novo evento musical atrelado à Fórmula 1, que aconteceu neste domingo na cidade. Desde manhã, a marginal Pinheiros esteve congestionada. Passei duas vezes pelo local, por força do trabalho, e vi apenas congestionamentos sem trégua.


Ontem, sábado, houve desdobramentos ainda do F1 Rocks e do treino para a própria F1. Claro que a confusão se estendeu. Ontem também aconteceu a primeira fase do Enem (Exame Nacional do Ensimo Médio), com 4,6 milhões de alunos inscritos em todo o País este ano. Em São Paulo, a confluência de eventos fez com que muitos alunos, presos por 4 horas no trânsito, perdessem a prova e, com isso, um ano de estudos: a nota obtida no Enem é obrigatória para os que prestarão vestibular para as universidades de todo o Brasil.


Todos esses fatos acima relatados são para comprovar, para mim mesmo, que a cidade de São Paulo não está preparada, em absoluto, para receber eventos de grande magnitude. Especialmente um evento como a Copa do Mundo, da qual São Paulo será uma das doze cidades-sede. Pior: São Paulo, muito provavelmente, fará a abertura e o encerramento da Copa do Mundo.


Se não damos (a prefeitura, o Estado, a iniciativa privada) conta de shows com 60 mil pessoas, o que dizer de uma Copa do Mundo, com milhares de visitantes estrangeiros, caóticos congestionamentos, absoluta falta de transporte coletivo e um deficiente sistema de táxis que não são capazes de escoar o público?


Pode parecer birra minha, eu que, desde o princípio, fui contra o Brasil (e não apenas São Paulo, note) sediar uma Copa do Mundo. Não estamos preparados. E nem estaremos, estou certo disso. E se você passa por São Paulo ou vive por aqui, sabe muito bem disso: para ir da zona sul (Berrini, Nações Unidas etc.) para o aeroporto de Cumbica (Guarulhos), em pleno horário de pico (17 e 18 horas) é bom que o seu voo seja a partir das 21 horas. Do contrário, você perde o avião, a paciência e um pouco (ou muito) da razão. São Paulo torna-se, por vezes, um círculo do inferno no qual você roda, roda e roda e não sai do lugar.

sábado, 6 de novembro de 2010

I Gotta Feeling (em São Paulo)

Direto do show do Black Eyed Peas em São Paulo, I Gotta Feeling, gravado por mim em condições precárias. Como eu queria dançar e gravar ao mesmo tempo, as imagens, claro, seguem essa indecisão. A despeito da qualidade do show em termos de música não ser exatamente um primor, a animação do líder da banda, Will.I.Am, e a presença corporal de Fergie, e também o aparato futurista de palco, o Black Eyed Peas não deixou ninguém parado.


O show, no último dia 4, quinta-feira, deu para espanar a poeira. Fazia tempo que eu não me divertia tanto num show. E, claro, faço uma participação especial no clipe.



domingo, 31 de outubro de 2010

Meu rugido dominical



Às 20:12 horas deste domingo, pouco mais de três horas após o término do segundo turno das eleições, tínhamos, no Brasil, a primeira mulher eleita para o cargo de presidente da República. Dilma Rousseff é, portanto, a nova presidenta do Brasil, a partir de 1º. de janeiro de 2011.


Esta eleição foi, sem dúvida, a mais emporcalhada já vista neste País desde a redemocratização, em 1985. O lixo começou a se amontoar no primeiro turno e terminou neste segundo turno como um aterro sanitário saturado. Abutres de todas as espécies sobrevoaram o montulho e ajudaram a colocar mais carniça na montanha de sujeiras em que se converteu a política brasileira.


Não sou militante de partido algum e tampouco me posiciono à esquerda ou à direita do espectro político. Me cobram isso a todo o momento. Como se eu precisasse de um rótulo para dar cabo das minhas convicções. Não, não preciso ser esquerdista ou direitista. Não preciso ser militante ou afiliado. Não preciso estar aliado a qualquer nomenclatura para ter um pequeno discernimento do que acho correto ou não para mim e o meu próprio País.


Me perguntaram muitas vezes em quem eu votaria. Declarei, desde cedo, meu voto em Dilma Rousseff. Não, também não sou lulista. Antes, sou anti-serrista. Sou anti-PSDB. Mas, nem por isso, sou PT. Tenho claramente para mim mesmo que o derrotado candidato do PSDB, José Serra, é um homem cujos princípios beiram o totalitarismo. Contudo, isso não me toldou o suficiente a visão para enxergar que Lula, como militante, era melhor ter ficado calado.


Que desconfio enormemente dos avanços petistas sobre a liberdade de imprensa deste País. Mas, também sei, em larga escala, de uma meia dúzia de vezes que José Serra ligou em pessoa para algumas das redações mais importantes deste Brasil e pediu a cabeça de uma série de colegas jornalistas. E foi atendido.


Não comungo com aqueles que exaltam os feitos do governo Lula, da decantada elevação de 20, 24 ou 27 milhões de brasileiros à classe C. Para mim, em que pesem algumas iniciativas dos oito anos do governo Lula, a atual conjuntura brasileira é uma soma de feitos que se acumula nos 25 anos de democracia neste País. E Lula não fez nada sozinho. Ao contrário, é bom que se recorde que se aliou, inclusive, a pessoas com as quais lutou como Sarney e Collor. Imagina! Chamou de amigos alguns cães que morderam seus calcanhares durante anos.


Então, não tentem me convencer de que o governo Lula é maravilhoso. Acho que é o que é porque, mais do que o governo, quem faz este país somos nós, o povo. E justifico meu voto em Dilma porque acredito que a presidenta tem mais consistência de levar o projeto todo adiante do que o Serra, além das óbvias razões já citadas acima.


Agora, não tenho dúvida alguma de que, em algum momento, quando Lula vestir o pijama, Dilma mostrará a que veio. Talvez não haja uma cisão radical. No entanto, duvido que a intimidade entre Dilma e Lula permaneça nos três primeiros meses de governo.


Não tenho ilusões com políticos e, aqui mesmo neste espaço, já defendi o fim da obrigatoriedade do voto e o faço de novo. Não compartilho da chamada "festa cívica". O que é obrigatório não pode ter coloração de festa.


Ao mesmo tempo, confesso que passei os últimos meses enojado. Dos candidatos, da falta total de compromisso em divulgar verdadeiros planos e, principalmente, das pessoas que, ao me questionarem o voto e receber a resposta, tentaram, por inúmeras vezes, me demover.


De novo: não sou militante. Ainda que eu tenha votado em Dilma nos dois turnos, nunca tentei convencer ninguém das minhas idéias. Acho horrível isso. Eu tenho opinião. Não preciso que me digam o que fazer. E, agora, vejo, já agora, pouco mais de duas horas após a confirmação do resultado, dezenas de pessoas em luto, indignadas, prestes, praticamente e de novo, a se dirigirem ao aeroporto mais próximo e deixar o País. Vão, façam boa viagem! Levem consigo o comportamento paroquial e incivilizado. Odeio esse discurso. Assim como não imputo meu desejo, minhas crenças (ou falta de) ou minhas ideologias (se as tenho, que nem sei), desejo, ardentemente, que não me escarrem esse sentimento pequeno, falto de qualquer civilidade, por serem maus perdedores.


Já perdi muito mais na vida do que um reles voto. E, sinceramente, não é um político locado em Brasília que fará qualquer diferença na minha vida que segue sua rota independentemente (e a despeito) de quem ocupa o cargo de maior projeção política no Brasil. Minha própria vida é maior do que uma eleição. Por favor, os cães ladram e a caravana passa. Sou caravana nessa condição literal: passo pela vida e os cães me ladram e eu os observo e os vejo diminuir de tamanho até sumirem-se com o horizonte. Sou mais eu.

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