Filhos da paz
No dia 14 de novembro, um domingo, por volta de 6:30 horas da manhã, a cerca de quatro quadras de onde moro, na estação Brigadeiro do Metrô, avenida Paulista, cinco jovens - um maior, de 19 anos, e os demais menores, entre 16 e 17 anos -, agrediram covardemente pelo menos cinco outros jovens (quatro na região da Paulista e um em Moema). O grupo dos cinco agressores, como você pode ver pelo vídeo abaixo, ataca, com uma lâmpada fluorescente, de forma totalmente gratuita, um dos passantes. Depois, na parte que não aparece no vídeo, os demais chutam e espancam um deles.
A polícia agiu rapidamente e conseguiu identificar os agressores, que ficaram retidos. Mas, por conta de juízes talvez, eles mesmos, eivados de preconceito, os cinco foram soltos. Depois, o vídeo acima e testemunhas confirmaram a gratuidade do ataque e a Justiça determinou que os quatro menores fossem recolhidos à Fundação Casa, que abriga menores infratores no Estado de São Paulo. O quinto agressor deve ser detido porque a polícia pediu sua prisão preventiva.
Por ora, os quatro menores estão detidos. O maior, único que permanece em liberdade, aguarda julgamento do pedido de prisão preventiva. Ontem, domingo, li a entrevista que um dos pais de um dos menores deu a um jornal. E me saltou aos olhos uma das frases: "Meu filho é da paz". Dois outros pais disseram o mesmo de seus filhos, em outras palavras.
Em resumo, são todos da paz, pacíficos, verdadeiras unidades pacificadoras civis, que andam como vândalos pelas ruas e atacam todos os que lhe parecerem "viados", "bichas", "frutinhas" e que ousarem lhes olhar na rua. Foi o que alegaram, aliás: que haviam sido paquerados pelos agredidos.
Fiquei tão indignado ao ler a entrevista desse pai (que tem 43 anos) e é identificado como ator e diretor que me recusei a escrever sobre o tema no meu Rugido. Me calei. A indignação foi tamanha que não coube na expressão das palavras. Achei por bem destilar o ódio noite adentro e deixar de instilar, com isso, mais ódio ao caso.
Não importa o motivo alegado pelos agressores. O que importa é o que um caso desses representa: a mais completa intolerância contra quem age diferente. Fala-se muito no termo "tolerância". Tolerar significa aceitar com indulgência. Percebe a sutileza do "com indulgência"? Indulgência é indulto, perdão e vem do arcabouço teológico católico. Portanto, é um códex cristão, baseado na moral da igreja romana. Sou contrário ao termo tolerância. Sou contrário ao seu verdadeiro significado. Prefiro aceitação. Por favor, não me tolere. Não sou ovelha de rebanho cristão para ser tolerado ou não e muito menos me submeto aos cânones da igreja para ser por ela avaliado e perdoado ou não.
É como se, numa transliteração, me falassem: "perdoai-os (aos agressores), eles não sabem o que fazem". De forma alguma. Sabem e foram cultivados dentro do seio familiar com esse ódio, esse rancor. De algum lugar veio essa completa aversão ao diferente. Se não foi exatamente dos pais, foi da escola, dos amigos, dos pais dos amigos e, por consequência, com a aprovação latente dos pais.
O termo correto é aceitação. Me aceitem ou não. Não me tolerem. E não me agridam com palavras que soam deslocadas nesse contexto. Como uma pessoa que acaba de quebrar lâmpadas na cabeça alheia pode ser da paz? Como um chute em um corpo caído pode vir de um ser da paz? Que incongruência!
Me aceitem ou não. Se não querem me aceitar, danem-se. Tampouco preciso da aceitação alheia. Mas, se eu passar a não aceitar você, você e você, isso não me dá o direito de agredi-los. Não! Olho para você na rua, um(a) estranho(a) e te agrido porque, eventualmente, vi no seu olhar um brilho de cobiça? Que ridículo!
Esse mesmo pai que chama da "paz" a criatura que legou ao mundo afirma que o filho "homenzarrão" (por certo, o pai não sabe o sentido nato dessa palavra), não para de chorar e tem sofrido. Oras! Duas das vítimas ficaram bastante machucadas. Com o rosto e o corpo cheios de hematomas. Desconheço iniciativa de quaisquer um desses pais "da paz" de procurar as vítimas e lhes pedir desculpas. E de reconhecer que quem tem sofrido, no corpo, literalmente, são as vítimas. Não os agressores.
O episódio, por enquanto, criou alguns manifestos e fez com que o Senado Federal, pressionado por entidades ligadas à Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais (ABGLT), liberasse verba de R$ 300 milhões para ações de combate à homofobia.
Em um momento que o Rio de Janeiro combate a violência de forma avassaladora, o episódio da avenida mais famosa da América Latina tem que ser avaliado pelo que significa: é dessas demonstrações de ódio dos "filhos da paz" que se fomentam a grande violência que, de uma forma ou de outra, compõe todo o quadro violento deste País. A tal "tolerância" não existe, estou certo disso. Existe condescendência, numa tentativa velada de esconder o preconceito que, ao primeiro movimento, se expõe da forma mais crua possível.
Os "filhos da paz" são uma alegoria. Gays não têm paz. E por mais que me afirmem o contrário, insisto em que não evoluímos. Se jovens de 16 a 18 anos se acham no direito de bater em gays gratuitamente, isso significa que a geração Y, tão moderna e plugada, não passa de um bando de brutamontes que mantêm ranços medievais tal qual seus pais, avós, bisavós e demais antecedentes? Espero que não. Filho da paz sou eu que nunca levantei a mão para ninguém na minha vida. Me respeitem!
P.S. Pela lei brasileira, menores não podem ser identificados pela mídia. Mas, na internet, circulam todos os dados dos agressores. Vou chamá-los aqui de A, B, C e D. A mora na Vila Mariana. B mora na Bela Vista (aqui atrás de casa) e o pai dele foi preso no ano passado pela Interpol. C também mora na Vila Mariana, pratica musculação, muay thai e jiu tisu. D mora no Itaim Bibi. O maior, de 19 anos, é Jonathan Lauton Rodrigues, da Vila Mariana, e é instrutor de jiu jitsu. Os bairros são de classe média (alta, eu diria) da cidade de São Paulo e, portanto, não se pode nem argumentar que veem de periferias abandonadas, como é comum alegar nesses casos.