2666
Calma, não é um número de candidato a nada. Nem o número da besta em dobro. Tampouco é alguma conta maluca a que eu cheguei ao fazer cálculos mais estranhos ainda. 2666 não significa nada, na verdade. Pelo menos o livro "2666" - Roberto Bolaño - Companhia das Letras - 852 páginas, em si mesmo, não remete a nenhum significado aparente. Se o tem, o número 2666, significado, esse ficou guardado com o autor, que já é morto. Estou a ler o livro há meses. De tempos em tempos, leio um trecho. São cinco romances dentro de um livro. Quero destacar um texto, um textículo pelo qual acabei de passar que muito me agradou:
"Há coisas mais esquisitas que a sacrofobia, disse Elvira Campos, sobretudo se levarmos em conta que estamos no México e que aqui a religião sempre foi um problema, na verdade, eu diria que todos os mexicanos, no fundo, sofremos de sacrofobia. Pense, por exemplo, num medo clássico, a gefirofobia. É algo de que muita gente padece. O que é gefirofobia?, perguntou Juan de Dios Martínez. É o medo de atravessar pontes. É verdade, conheci uma pessoa, bem, na realidade era um menino, que sempre que atravessava uma ponte temia que ela caísse, de modo que atravessava correndo, o que era muito mais perigoso. É um clássico, disse Elvira Campos.
Outro clássico: a claustofobia. Medo dos espaços fechados. Mais outro: a agorafobia. Medo dos espaços abertos. Esses eu conheço, disse Juan de Dios Martínez. Mais outro clássico: a necrofobia. Medo dos mortos, disse Juan de Dios Martínez, conheci gente assim. Se você trabalha na polícia, é espeto. Também tem a hematofobia, medo de sangue.
Certíssimo, disse Juan de Dios Martínez. E a pecatofobia, medo de cometer pecados. E depois tem outros medos, que são mais raros. Por exemplo, a clinofobia. Sabe o que é? Não faço a menor ideia, disse Juan de Dios Martínez. Medo de cama. Como é que alguém pode ter medo ou aversão a uma cama? Pois é, tem gente que tem. Mas isso dá para atenuar dormindo no chão e nunca entrando em um dormitório.
Depois tem a tricofobia, que é medo de cabelo. Um pouco mais complicado, não é? Complicadíssimo. Há casos de tricofobia que acabam em suicídio. E também tem a verbofobia, que é o medo das palavras. Nesse caso o melhor é ficar calado, disse Juan de Dios Martínez. É um pouco mais complicado que isso, porque as palavras estão em toda parte, inclusive no silêncio, que nunca é um silêncio total, não é?
Depois temos a vestiofobia, que é medo de roupa. Parece raro mais é muito mais difundido do que parece. E um relativamente comum: a iatrofobia, que é medo de médico. Ou a ginofobia, que é medo de mulher e de que, naturalmente, só os homens sofrem. Difundidíssimo no México, embora disfarçado com as mais diversas roupagens. Não é um pouco de exagero seu? Nenhum pouquinho: quase todos os mexicanos têm medo das mulheres. Não sei o que dizer, falou Juan de Dios Martínez.
Depois há dois medos que no fundo são muito românticos: a ombrofobia e a talassafobia, que são, respectivamente, o medo da chuva e o medo do mar. E outros dois que também têm um quê de românticos: a antofobia, que é o medo das flores, e a dendrofobia, que é o medo das árvores.
Alguns mexicanos sofrem de ginofobia, disse Juan de Dios Martínez, mas nem todos, não seja tão alarmista, senhora.
O que o senhor acha que é a optofobia?, perguntou a diretora. Opto, opto, uma coisa relacionada com os olhos, na certa, medo de olhos? Pior que isso: medo de abrir os olhos. Em sentido figurado, isso contesta o que o senhor acaba de dizer sobre a ginofobia. Em sentido literal, produz transtornos violentos, perdas de consciência, alucinações visuais e auditivas, e um comportamento em geral agressivo. Conheço, não pessoalmente, é claro, dois casos em que o paciente chegou à automutilação. Arrancou os olhos? Com os dedos, com as unhas, disse a diretora. Puxa vida, disse Juan de Dios Martínez.
Depois temos, é claro, a pedifobia, que é medo de crianças, e a balistofobia, que é medo de bala. Essa é a minha fobia, disse Juan de Dios Martínez. Sim, suponho que seja de senso comum, disse a diretora.
Outra fobia, esta vem aumentando, é a tropofobia, que é o medo de mudar de situação ou de lugar. Que pode se agravar se a tropofobia se torna agirofobia, que é o medo das ruas ou de atravessar uma rua. Sem esquecer da cromofobia, que é o medo de certas cores, nem da nictofobia, que é o medo da noite, nem da ergofobia, que é o medo de tomar decisões. E um medo que está começando a se difundir é a antropofobia, que é o medo de gente.
Alguns índios sofrem de forma acentuada de astrofobia, que é o medo dos fenômenos metereológicos, como trovões, raios, relâmpagos. Mas as piores fobias, a meu ver, são a pantofobia, que é ter medo de tudo, e a fobofobia, que é o medo dos próprios medos. Se o senhor tivesse que sofrer de uma das duas, qual escolheria? A fobofobia, disse Juan de Dios Martínez. Tem seus inconvenientes, pense bem, disse a diretora.
Entre ter medo de tudo e ter medo do meu próprio medo, escolho este último, não se esqueça de que eu sou policial e que se tivesse medo de tudo não poderia trabalhar.
Mas se o senhor tem medo de seus medos sua vida pode se transformar numa observação constante do medo e, se estes se ativam, o que se produz é um sistema que se alimenta a si mesmo, um círculo vicioso de que seria difícil escapar, disse a diretora."
Eu? Padeço de autofobia, que é o medo de si mesmo ou de ficar sozinho, também conhecido como monofobia ou isolofobia. #prontofalei (não que eu não tenha falado antes de 2666 diferentes formas)