Vai indo que eu não vou
"Vai indo que eu não vou" pode, perfeitamente, ser uma expressão de troca de gentileza entre os motoristas da cidade de São Paulo. Pode, por outro lado, provocar ainda mais a ira dos habitantes dessa grande cidade que, em 2009, tinha mais de 11 milhões de moradores e mais de 6 milhões de carros, numa proporção de mais de um carro a cada 2 moradores. "Vai indo" indica que eu desejo que você se mova, se locomova, se adiante a mim no caminho. "Que eu não vou" significa dizer que ninguém vai, ainda que eu e você desejemos avançar.
É assim: nas duas últimas semanas, depois de quase quatro anos afastado do insano tráfego da cidade de São Paulo pelo singelo motivo de trabalhar em casa, tenho saído de carro quase todos os dias nos mais diferentes horários. Claro que não me passa desapercebido o quanto o trânsito em São Paulo fica, ano a ano, mais caótico. Mas a minha percepção não foi ampla o suficiente para a realidade que encontrei: não teve dia ou hora em que eu não ficasse parado, com raiva e, por fim, frustrado por não conseguir fazer metade do que havia programado exclusivamente em função dos congestionamentos da cidade.
Entre 2001 e 2009, ou seja, em apenas oito anos, a frota de veículos na cidade de São Paulo aumentou quase 50%: foi de pouco mais de 4,1 milhões de veículos para 6 milhões de carros. A essa ampliação, obviamente, não correspondeu, de forma alguma, a expansão das artérias urbanas da cidade. São Paulo não comporta mais ruas ou extensas avenidas. O que está feito, está feito. E as velhas soluções de viadutos e recortes de ruas ou avenidas, claramente, não têm sido suficientes para mudar esse cenário.
Está em fase de inauguração o chamado "anel viário" que ligará, feito um círculo, as principais vias de acesso a São Paulo, tanto de estradas federais, quanto interestaduais e estaduais. Os especialistas e defensores dessa obra defendem que, ao tirar os veículos pesados de circulação no perímetro urbano de São Paulo (esses veículos serão proibidos de trafegar dentro dos limites do município), o trânsito responderá imediatamente e nos sentiremos, todos, desafogados. Não acredito nisso.
Nos dois primeiros meses deste ano, foram vendidos, no Brasil, quase 400 mil veículos, um aumento de cerca de 10% em relação ao mesmo período do ano passado. A cidade de São Paulo foi castigada, este ano, por 44 dias ininterruptos de chuva, o que contribuiu para sucessivas quebras de records de congestionamento: 111 Km, 156 Km, 189 Km, 211 Km, 217 Km. No ano passado, houve um record histórico: 293 Km de congestionamento das vidas da cidade, no mês de junho.
O transporte coletivo, primeira alternativa ao veículo próprio, no entanto, não é uma alternativa: minha faxineira, que vem uma vez por semana, gasta, algumas vezes, 4 horas para se locomover do Jardim São Luís até o Jardim Paulista (distantes cerca de 20 Km). Quer dizer, ela consegue se mover 5 Km/hora! Se conseguisse caminhar essa distância a pé, faria o mesmo percurso em pouco mais de 6 horas (a uma velocidade média de 3 Km/hora, que é a medida normal de caminhada). Sim, demoraria mais mas, certamente, seria mais saudável, já que a cada 15 minutos de caminhada, uma pessoa pode queimar até 35 calorias. Não, não sou um déspota para sugerir que ela deveria vir a pé. Somente quero dizer que, ao passo (sem trocadilhos) que um ônibus avança 5 Km/hora, uma pessoa avança 3 Km/hora. Se viesse a cavalo (velocidade média de 12 Km/hora), ela chegaria em menos de 2 horas!!!
Aposentemos, pois, os carros de São Paulo e vamos a cavalo, todos. Faremos cavalgadas de Apolos e Amazonas, sem pressa. Transformemos as imensas vias congestionadas em prados verdes, em caminhos recobertos de natureza. Deixemos de abastecer os tanques de nossos carros com potência de "X" cavalos para alimentar nossos cavalos com grama que servirá, também, para que a pisemos com pés descalços. Ou vamos nos desejar cada vez mais em intervalos menores: "vai indo que eu não vou" sem que ambos saiamos do lugar.