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quarta-feira, 31 de março de 2010

Vai indo que eu não vou

"Vai indo que eu não vou" pode, perfeitamente, ser uma expressão de troca de gentileza entre os motoristas da cidade de São Paulo. Pode, por outro lado, provocar ainda mais a ira dos habitantes dessa grande cidade que, em 2009, tinha mais de 11 milhões de moradores e mais de 6 milhões de carros, numa proporção de mais de um carro a cada 2 moradores. "Vai indo" indica que eu desejo que você se mova, se locomova, se adiante a mim no caminho. "Que eu não vou" significa dizer que ninguém vai, ainda que eu e você desejemos avançar.




É assim: nas duas últimas semanas, depois de quase quatro anos afastado do insano tráfego da cidade de São Paulo pelo singelo motivo de trabalhar em casa, tenho saído de carro quase todos os dias nos mais diferentes horários. Claro que não me passa desapercebido o quanto o trânsito em São Paulo fica, ano a ano, mais caótico. Mas a minha percepção não foi ampla o suficiente para a realidade que encontrei: não teve dia ou hora em que eu não ficasse parado, com raiva e, por fim, frustrado por não conseguir fazer metade do que havia programado exclusivamente em função dos congestionamentos da cidade.


Entre 2001 e 2009, ou seja, em apenas oito anos, a frota de veículos na cidade de São Paulo aumentou quase 50%: foi de pouco mais de 4,1 milhões de veículos para 6 milhões de carros. A essa ampliação, obviamente, não correspondeu, de forma alguma, a expansão das artérias urbanas da cidade. São Paulo não comporta mais ruas ou extensas avenidas. O que está feito, está feito. E as velhas soluções de viadutos e recortes de ruas ou avenidas, claramente, não têm sido suficientes para mudar esse cenário.




Está em fase de inauguração o chamado "anel viário" que ligará, feito um círculo, as principais vias de acesso a São Paulo, tanto de estradas federais, quanto interestaduais e estaduais. Os especialistas e defensores dessa obra defendem que, ao tirar os veículos pesados de circulação no perímetro urbano de São Paulo (esses veículos serão proibidos de trafegar dentro dos limites do município), o trânsito responderá imediatamente e nos sentiremos, todos, desafogados. Não acredito nisso. 


Nos dois primeiros meses deste ano, foram vendidos, no Brasil, quase 400 mil veículos, um aumento de cerca de 10% em relação ao mesmo período do ano passado. A cidade de São Paulo foi castigada, este ano, por 44 dias ininterruptos de chuva, o que contribuiu para sucessivas quebras de records de congestionamento: 111 Km, 156 Km, 189 Km, 211 Km, 217 Km. No ano passado, houve um record histórico: 293 Km de congestionamento das vidas da cidade, no mês de junho.




O transporte coletivo, primeira alternativa ao veículo próprio, no entanto, não é uma alternativa: minha faxineira, que vem uma vez por semana, gasta, algumas vezes, 4 horas para se locomover do Jardim São Luís até o Jardim Paulista (distantes cerca de 20 Km). Quer dizer, ela consegue se mover 5 Km/hora! Se conseguisse caminhar essa distância a pé, faria o mesmo percurso em pouco mais de 6 horas (a uma velocidade média de 3 Km/hora, que é a medida normal de caminhada). Sim, demoraria mais mas, certamente, seria mais saudável, já que a cada 15 minutos de caminhada, uma pessoa pode queimar até 35 calorias. Não, não sou um déspota para sugerir que ela deveria vir a pé. Somente quero dizer que, ao passo (sem trocadilhos) que um ônibus avança 5 Km/hora, uma pessoa avança 3 Km/hora. Se viesse a cavalo (velocidade média de 12 Km/hora), ela chegaria em menos de 2 horas!!!




Aposentemos, pois, os carros de São Paulo e vamos a cavalo, todos. Faremos cavalgadas de Apolos e Amazonas, sem pressa. Transformemos as imensas vias congestionadas em prados verdes, em caminhos recobertos de natureza. Deixemos de abastecer os tanques de nossos carros com potência de "X" cavalos para alimentar nossos cavalos com grama que servirá, também, para que a pisemos com pés descalços. Ou vamos nos desejar cada vez mais em intervalos menores: "vai indo que eu não vou" sem que ambos saiamos do lugar.

terça-feira, 30 de março de 2010

Segunda chance

154,8 milhões de votos e quebrou-se um record mundial no programa originalmente criado pela Endemol, da Holanda: o "Big Brother Brasil 10" acabou hoje, 30, e, com o programa, o Brasil, definitivamente, sucumbe ante a TV aberta: o "Big Brother" brasileiro é um programa completamente diferente do formato licenciado há nove anos pela Rede Globo e há dez edições atrai telespectadores que o transformam no assunto do momento e, consequentemente, anunciantes que brigam por uma vaga no espaço nobilíssimo de tamanha audiência.


Não há surpresa: o vencedor, Marcelo Dourado, que leva para casa R$ 1,5 milhão, foi sagrado com as bençãos de 60% do público (mais de 90 milhões de votos). Ficaram, respectivamente, em segundo e terceiro lugares, Fernanda (29% dos votos e prêmio de R$ 150 mil) e Cadu, o fofo, doce e "uma moça" Cadu (11% dos votos e R$ 50 mil). Os três primeiros colocados, além da premiação em dinheiro, levam: um carro, uma moto + R$  5 mil (Dourado), um apartamento de R$ 220 mil + R$ 10 mil (Fernanda) e um carro + R$ 5 mil + R$ 10 mil.




(O vencedor do "Big Brother Brasil 10", Marcelo Dourado)

No discurso de encerramento, o apresentador Pedro Bial aproveitou para enviar os típicos recados, inclusive o de que o "rude" Marcelo Dourado "não é homofóbico". OK. Também não vou aqui tomar ares de um juiz inquisidor e acusar uns e outros. O que importa, de verdade, são outras palavras que o apresentador disse: "segunda chance". A segunda chance é algo a que todos almejamos na vida: uma segunda chance com um amor, com uma pessoa ou várias pessoas, com o trabalho, com uma outra vida etc. etc. Tudo o que se possa imaginar cabe no conceito de segunda chance.



(Fernanda, a segunda colocada)

Não são poucas as fases da vida em que desejamos poder retomar do início e fazer de novo. "Dessa vez, (seria) tudo diferente", nos prometemos. Mas nunca que vem a segunda chance. O vencedor dessa décima edição do "Big Brother Brasil" teve sua segunda chance e obteve o que muitos desejam: a redenção. A redenção de fracassos que se sucederam um após o outro sem que houvesse no horizonte qualquer perspectiva que apontasse para uma segunda chance. E então veio a segunda chance para Dourado: ele, participante eliminado nas primeiras semanas do "Big Brother Brasil 4", teve, de alguma forma insondável, determinismo. E com a atitude rude, troglodita ou seja lá o rótulo que se queira colocar no gaúcho, ele conseguiu.




(Cadu, o terceiro colocado)


Se é possível extrair alguma coisa de um programa que atrai a audiência de milhões de pessoas e ainda bate os records mundiais dos realities shows é isso: ter a segunda chance e cair de boca nela. Só isso. Abaixo, um vídeo bem-humorado exatamente sobre o contrário e, justamente, sobre a vida: há raríssima de haver uma segunda chance.



domingo, 28 de março de 2010

Meu rugido dominical


"Havana, 14 de março de 2010

Ao senhor Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil

Uma vez alguém me contou que os barcos em que se traficavam escravos africanos deixavam parte de sua carga em Cuba e outra na costa atlântica do Brasil. Assim, separavam irmãos, pais e filhos e amigos de toda uma vida. Assim, nessa bifurcação, nossos povos compartilham a mesma raiz.

Por isso nos parece tão perversa qualquer coisa que tente nos separar, por isso sonhamos que algum dia haja livre circulação entre todas as nossas nações americanas, por isso não consigo entender por que as autoridades de meu país me impedem de visitar o seu.

Na primeira ocasião, em outubro de 2009, pretendia fazer o lançamento do meu livro "De Cuba Com Carinho", publicado pela editora Contexto. O escritório de migração que se ocupa de conceder as autorizações de saída do país aos cidadãos cubanos me informou que eu não estava autorizada a viajar. Esta era a quarta vez que me negavam esta autorização.

Anteriormente, me haviam impedido de viajar à Espanha, para receber o prêmio Ortega y Gasset (de Jornalismo), em seguida para a Polônia e depois para os Estados Unidos, onde receberia a menção especial do (prêmio) Maria Moors Cabot na Universidade Columbia. Fui convocada pela segunda vez para ir ao Brasil, agora para o lançamento de um documentário sobre minha pessoa, feito por um grupo de diretores em Jequié (no interior da Bahia). Estou convencida de não encontrar dificuldades para obter o visto de sua embaixada em Havana, mas também tenho a certeza de que as autoridades do meu país voltarão a me negar a autorização de saída.

O senhor deu recentes demonstrações de possuir grande confiança na boa fé do governo cubano. Alimento a esperança de que, talvez, aqueles que governam meu país queiram manter viva esta sua confiança e – para não frustrá-lo – atendam a seu pedido de que me deem a autorização para visitar o Brasil. O senhor somente estaria pedindo em meu nome o que para qualquer brasileiro – e para qualquer ser humano – é um direito inalienável.

Desculpe-me que lhe tenha roubado o tempo que o senhor levou para ler esta carta e me desculpe também por tê-la escrito em espanhol. Não me desculpe, porém, pela minha crença de que o senhor deseja para os cubanos os mesmos direitos que deseja ver cumpridos entre os brasileiros.

Yoani Sánchez Cordero
"

Com essa carta, endereçada ao presidente Lula, a blogueira cubana Yoani Sánchez, responsável pelo blog Generácion Y, impedida de sair de Cuba desde 2004, quer visitar Jequié, cidade da Bahia, e também cidade de Claudio Galvão da Silva, o Dado, que fez um documentário que tem como personagem principal a cubana.

Yoani é opositora do regime de Fidel Castro. Lula e Fidel Castro têm uma relação íntima de amizade. Lula esteve em Cuba no final do mês passado, no exato dia em que o dissidente Orlando Zapata Tamayo morreu depois de ter feito greve de fome por 83 dias.

Lula não se comoveu e ainda comparou dissidentes cubanos a delinquentes comuns, bandidos. Lula postula um cargo de alta representatividade na Organização das Nações Unidas (ONU) depois de encerrar o seu mandato, que acaba exatamente no dia 31 de dezembro deste ano. A política internacional conduzida por Lula e pela chancelaria brasileira tem como objetivo elevar a importância do Brasil no cenário global e, claro, criar condições para que um eventual postulado de Lula em cargo de trânsito (e influência) internacional seja bem-sucedido.

Mas, na minha opinião, o Ministério das Relações Exteriores e, particularmente, o presidente Lula, tem apostado em cartas marcadas que, muito longe de serem coringas para serem usadas no momento certo, são cartas "viciadas", ou seja, aquelas que devem ser descartadas sob o risco de a banca (internacional) expulsar o jogador da mesa sob a suspeita de jogadas ilícitas.

Me refiro especialmente às associações de Lula a líderes que a comunidade internacional quer ver pelas costas e, de preferência, longe. Bem longe. São exemplos desses líderes o próprio Fidel Castro e o irmão e atual presidente de Cuba, Raúl Castro; o virulento e déspota presidente da Venezuela, Hugo Chávez; e o não menos truculento e sombrio Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã.

O Itamaraty (chancelaria brasileira), a meu ver, corteja os líderes errados. Cuba e Irã são considerados, mais ainda que a China, regimes totalmente rarefeitos a um mínimo de princípio democrático. Ao contrário: prega a política desses países que qualquer dissidência política seja punida exemplarmente com a pena de morte. A Venezuela ainda não chegou nesse patamar mas Chavéz tem se esforçado em cercear as liberdades individuais daquele país.

Até onde consta, Lula não recebeu a carta de Yoani. Deveria, antes mesmo de receber o documento, interceder pela blogueira cubana. Deveria agir como um líder que é amparado em pesquisa interna que lhe dá 76% de ótimo/bom (Datafolha, domingo, 28 de março de 2010) e o mostra com a melhor avaliação desde que assumiu o cargo, em janeiro de 2003. Deveria, desde já, fazer ressoar o eventual peso político que acredita ter ante a comunidade internacional e começar uma campanha que reverbere em benefício da democracia. Seria um bom começo para quem tanto almeja ser uma das vozes de expressão na babel da ONU.

P.S. Fui subjugado, neste domingo, por uma contínua dor de cabeça que se transformou em enxaqueca e que me prostrou a ponto de fazer com que este Rugido não fosse concluído, como de costume, no próprio domingo. Quando tenho crises como essas, fico totalmente submetido às sinapses dilacerantes que me destroem qualquer vontade. Vencido, não consegui ao menos pensar e quanto mais defender qualquer ponto de vista. Portanto, a despeito da data do post ser a de ontem, dia 28, somente hoje é publicado este Rugido.

sábado, 27 de março de 2010

O Brasil não saiu do armário

Hoje, sábado, 27, o Brasil assistiu ao confronto final entre Dourado e Dicésar, dois participantes do "Big Brother Brasil 10". Como era de se esperar, Dicésar, gay assumido e drag queen das noites paulistanas, foi derrotado. A derrota lhe foi imposta pelo público: foram mais de 125 milhões de votos (entre TV, celular e internet), dos quais 58% (72,5 milhões de votos) foram pela saída de Dicésar e os restantes 42% (52,5 milhões) eram favoráveis à saída de Dourado.




Eu não tenho as ferramentas e tampouco informações precisas para comentar sobre eventuais manipulações na votação. A única manipulação a que eu testemunho, como a maior parte dos telespectadores, é a edição feita pela direção do programa nos poucos minutos diários que o "BBB10" é apresentado pela Rede Globo na TV aberta.


Uma minoria tem acesso à TV paga (são mais 20 minutos de programa no canal Multishow) e uma parte ainda menor é capaz de acompanhar as 24 horas do programa pelo pay-per-view. Portanto, o que vale mesmo para o grande público é o programete (não chega a ser programa a não ser nos dias de eliminação, às terças-feiras) que vai ao ar diariamente pela TV aberta e gratuita.


Mas, como milhares de outros telespectadores, tenho acesso à internet e, poucos minutos antes da divulgação do resultado final, os portais indicavam que a competição entre os dois emparedados estava quase que meio a meio (50,8% para Dicésar sair e 49,2% para Dourado sair, por exemplo).


Sempre quando acompanho o apresentador Pedro Bial na apresentação do eliminado, os resultados divulgados, no entanto, são completamente diferentes do que acabo de ver na internet. Dessa vez, a diferença foi de 16 pontos percentuais. Não 3 pontos ou 6 pontos. E sim 16 pontos percentuais!


Os usuários do Facebook podem confirmar esses dados. Entre os meus amigos de Facebook, uma maioria expressiva postou os mesmos números que acabei de informar aqui e a paridade entre Dourado e Dicésar era praticamente nula.


Isso é apenas uma observação, já que, como disse, não tenho elementos para confirmar minhas dúvidas quanto à lisura do sistema de votações do "BBB10".




O cerne da questão dessa edição do "Big Brother Brasil", a meu ver, contudo, é outro. Foi o primeiro programa, nos quase dez anos de existência do formato, que três gays assumidos - Dicésar, Serginho e Morango - deram a cara para bater sem meios termos. Houve articulistas que acompanham o programa que celebraram o outing (saída do armário ou, em bom português, assumir a condição de gay) da principal emissora do Brasil, a Rede Globo.


Nunca acreditei que o telespectador médio acompanhasse a emissora nessa 'saída do armário'. Creio que, se os tempos mudaram, como muitos acreditam, não mudaram o suficiente para mudar o comportamento do brasileiro médio e, muito menos, os preconceitos arraigados. E nem é uma questão de geração: basta visitar os tópicos mais populares do Twitter e os posts do Facebook e Orkut para confirmar que a nova geração (a partir dos 12, 13 anos), tão antenada, aparentemente, é a mais reacionária quando trata de se trocar insultos (exemplos são as torcidas de Dourado e Dicésar) fortemente marcados pelo preconceito.


Como o outing da Globo não funcionou (os três gays saíram do programa), Pedro Bial tentou articular num texto aquilo que o programa (e talvez a emissora) queria: que um gay enfrentasse um participante praticamente homofóbico (que declarou que "heteros não pegam AIDS"). O apresentador bem que arquitetou palavras como se fossem, as palavras, capazes de fazer nascer uma convergência que nunca aconteceu. Ao final, porém, o próprio apresentador desistiu de conciliar o gay e o macho e os conclamou (e aos telespectadores) a praticar a paz e a respeitar a diversidade "aqui fora" (na realidade do show da vida, que de show não tem muita coisa não).




A seguir, o texto com o qual o apresentador Pedro Bial comunicou a Dicésar a eliminação:


"Para muita gente esse deveria ter sido o paredão da grande final. Eu não concordo. Prefiro assim: início, fim e meio, nessa ordem. Melhor dizendo, depois de tamanha exposição, vocês se tornam caricaturas de vocês mesmos, protegidos pelo anonimato das torcidas e dos votos. Dourado compreendeu Dicésar, que compreendeu Dourado. O jogo impediu que essa compreensão fosse feita de forma expressa mais vezes. Mas foi feita. Dicésar disse certa vez: 'Eu sempre quis um homem assim. Dourado é para casar' e Dourado afirmou: 'Eu imagino tudo o que o Dicésar passou por ser homossexual, por ser drag queen. Ele tenta agradar a todos porque é chutado em qualquer lugar, por fazer parte de uma sociedade preconceituosa'. Hoje é o fim da guerra entre vocês. Aqui fora vocês têm que encontrar um meio. Um meio de se entender, de conviver, de dividir, de compartilhar. Você sabe Dourado, você aprendeu na dor. Você sabe Dicésar, você aprendeu na dor. Vocês dois sabem que guerra não é a solução. Eu quero pedir uma coisa a vocês dois: que fiquem de pé, um de frente para o outro e façam o bonito cumprimento que os lutadores japoneses fazem (ato contínuo, Dourado e Dicesar fazem o cumprimento, se tocam nas mãos e, por fim, se abraçam). Muito, muito obrigado. Mais do que lindo, foi exemplar. A guerra de vocês acabou. Bandeira branca, amor. Eu peço paz. Vem fazer o que você sempre fez aqui fora. Vem lutar aqui fora, Dicésar."


Mas, a essa altura, o Brasil tinha decidido não sair do armário e qualquer discurso seria, portanto, vazio. São palavras, as de Bial, que serão levadas pelo vento e esquecidas. Porque TV é assim: vã, vazia. Sobrevive  do agora, já. Amanhã, o episódio de hoje é passado e outras polêmicas têm de ser construídas.




E, para confirmar que nem Brasil, nem Rede Globo e tampouco o apresentador aprenderam qualquer coisa com tudo isso, na subsequente prova de liderança que se seguiu imediatamente à saída de Dicésar, Dourado marcou exatos 24 segundos em sua performance. Foi o que bastou para a ironia de Pedro Bial ao ligar o número 24 a Dourado. O número 24, no jogo do bicho, contravenção tipicamente brasileira que é ilegal e bastante popular, corresponde ao veado e, no vocabulário brasileiro, 'viado' é um dos substantivos mais usados para se definir um gay brasileiro. Como se vê, a maior parte de nós continua mesmo é estacionada no número 3 (burro).

sexta-feira, 26 de março de 2010

Yin & Yang

Yang: princípio ativo, diurno, luminoso, quente, masculino.


Yin: princípio passivo, noturno, escuro, frio, feminino.


Esqueça a dualidade macho/fêmea. Aqui, a dualidade é de forças equilibradoras, que vão muito além de estereótipos. Tudo o que se deseja de uma relação e na vida é o equilíbrio, a confiança, o respeito mútuo e a convergência da mesma vontade.


Assista para entender o significado de "juntos".



quinta-feira, 25 de março de 2010

A gente só pensa naquilo mas não faz (ou fazemos sozinhos) - parte 2

Continuo do ponto (que não é exatamente o ponto G) em que parei no post de ontem: masturbação. O assunto deveria ser natural, posto que uma vasta gama da espécie de mamíferos o pratica, como eu disse antes. Mas não é. Em algumas culturas, chega a ser um ultraje, punido tanto com imprecações de ordem religiosa quanto de ordem pública mesmo.


Se você for suscetível a esse tema, é melhor parar por aqui, tanto pelo texto quanto pelas fotos (sim, há fotos explícitas). O fato é que a masturbação carrega, na cultura judaico-cristã, o apêndice de "culpa" ou "pecado". Isso vem de cultura totalmente arraigada no conteúdo da Bíblia que nada mais é que uma falsa moral escondida sob o rótulo de "pecado".




Masturbação é um ato natural: bebês a praticam, sem a respectiva conotação erótica que nós, adultos, damos para o ato, solitário ou não. Masturbação não é crime. Não causa câncer. É do ser humano. Ponto. A seguir, pontuo vários dados obtidos a partir de pesquisas com diferentes públicos e em diferentes épocas sobre o tema:


- Em estudo com estudantes universitários, 98% dos homens e 44% das mulheres disseram nunca ter se masturbado (2002)


- Em outra pesquisa, homens admitiram se masturbar, em média, 12 vezes ao mês e as mulheres, 4,7 vezes por mês (2002)


- Num levantamento com mulheres afro-americanas de 15 a 64 anos, 62% afirmaram que haviam se masturbado em algum momento de suas vidas (2002)


- 60% dos homens e 40% das mulheres relataram que se masturbaram no último ano (1994)


- 85% dos homens e 45% das mulheres que viviam com um(a) parceiro(a) sexual disseram que se masturbaram no último ano (1994)


- 35% dos homens velhos norte-americanos (acima de 65 anos) disseram que não se masturbam mas 37% afirmaram que o fazem algumas vezes e outros 28% disseram que o fazem uma ou mais vezes por semana (1994)


- 53% dos homens e 25% das mulheres se masturbaram pela primeira vez entre os 11 e 13 anos (1993)


- 5% dos homens e 11% das mulheres nunca se masturbaram (1993)


A despeito (ou por causa) da cultura ou das interdições, a masturbação acontece em todas as sociedades. No mundo todo, a masturbação é aprovada ou tolerada em bebês e crianças pequenas, tolerada ou semi-condenada em adolescentes mas ridicularizada ou condenada em adultos. Na infância e adolescência, é vista como fundamental no desenvolvimento da sexualidade humana.




Os bebês aprendem rapidamente que tocar seus órgãos genitais dá prazer. E, dessa forma, desenvolvem a coordenação motora para esfregar seus órgãos e o fazem, efetivamente. Até o terceiro ou quarto mês, bebês fazem isso com sorrisos e arrulhos.


Já uma criança entre cinco a sete anos não tem fantasias sexuais ao tocar seu próprio órgão. O único objetivo ao fazê-lo é dar prazer a si própria. É a ausência da fantasia que distingue a atividade auto-erótica de uma criança da masturbação erotizada de uma pessoa adulta. Nessa fase, as crianças tomam consciência e são influenciadas pelas atitudes (sexuais, inclusive) dos pais. A forma como os pais respondem à masturbação dos filhos afetará a forma como a criança se sente sobre si mesma e seu comportamento sexual. 


É na adolescência, porém, que todos descobrimos o potencial erótico de cada um de nós. As fantasias sexuais - de todos os tipos - tornam-se frequentes e explícitas nessa fase. Mas também se ouve muita informação confusa sobre o assunto, entre os próprios adolescentes. De novo, o papel dos pais torna-se importante, já que, em última instância, são eles que deverão garantir que a masturbação é uma maneira de experimentar o sexo e a descoberta do próprio corpo de forma segura e controlada.


No adulto, a masturbação tanto pode servir como um jogo entre ambos os sexos (ou entre o mesmo sexo) quanto pode servir para proporcionar prazer solitário ao(à) praticante. Estima-se que 70% dos homens na casa dos 20 anos costumam masturbar-se e mais de 50% das mulheres na casa dos 30 anos o fazem.


E, ao contrário do que se imagina, pessoas que convivem com parceiros(as) sexuais regulares são mais propensas a masturbar-se do que as pessoas que não têm parceiros(as) ou vivem sozinhas. As principais razões apontadas pelos adultos para se masturbar são:


- Aliviar a tensão sexual


- Obter prazer físico


- Ter sexo quando o(a) parceiro(a) não está disponível


- Para relaxar




Em contradição aos mitos que ligam a masturbação a doenças (físicas ou mentais), há uma série de estudos que comprovam justamente o contrário:


- A masturbação ou "sexo solo" pode ser benéfica de forma física, emocional, sexual e para a saúde


- Reduz o stress


- Reduz a tensão sexual


- Proporciona prazer sexual e intimidade entre parceiros(as) e os(as) prepara para o sexo vaginal, anal ou oral


- É uma forma de sexo seguro que evita o risco de doenças sexualmente transmissíveis (DST)


- Fornece vida sexual para pessoas sem parceiros(as), inclusive idosas


- Dá à pessoa a possibilidade de explorar e aprender como gosta de ser tocada e estimulada


- Alivia, para as mulheres, a tensão pré-menstrual (TPM)


- Induz ao sono


- Previne doenças e cria resistência a infecções, aumenta o fluxo de glóbulos brancos do sangue e rejuvenesce a circulação de hormônios


- Fortalece o tônus muscular nas regiões pélvica e anal, o que reduz as chances de perda de urina involuntária (incontinência urinária) e prolapso uterino (caída ou deslizamento do útero para dentro do canal vaginal)


- Aumenta o fluxo de sangue na região genital


- Estimula a produção de endorfina, o que permite melhor metabolismo celular de oxigênio e melhor eficiência de funcionamento do corpo todo


- Cria sensação de bem-estar


- Promove a auto-estima


- Eleva os níveis de satisfação conjugal e sexual


- Fornece tratamento para a disfunção sexual


Todos esses benefícios não são aleatórios: foram apurados com base em pesquisa e observação científica. São fatos comprovados. Ainda assim, as pessoas sentem culpa ou vergonha. Dentre os homens e as mulheres que declararam se masturbar, 50% de ambos os sexos confessam sentir culpa ao fazê-lo.




A masturbação é mesmo um tabu: ao mesmo tempo que provoca prazer, traz, quase sempre, a culpa. Os mitos continuam: a maior parte das pessoas tem medo de se masturbar "demais", embora, evidentemente, não haja uma medida estabelecida para ninguém (no post de ontem, relatei o record do homem que se masturbou 36 vezes em 24 horas). 


O fato, mesmo, é que a masturbação é, como outros aspectos da vida (sexual ou não) - ou deveria ser -, uma escolha. A melhor maneira de aprendermos sobre a nossa própria sexualidade é por meio da masturbação. Ninguém jamais conhecerá o nosso corpo como nós mesmos. Somente por isso, masturbar-se deveria ser tão comum quanto o ato de comer. Trata-se (no contexto homem + mulher = reprodução), tanto quanto o ato de comer, de dar continuidade e, portanto, sobreviver. Se a masturbação é parte disso, por que tem que ser algo tão terrível que não possa ser comentada e, principalmente, praticada?


Dito isso, finalizo o post, iniciado ontem. Acho que dei uma boa abrangência ao assunto. Aliás, creio que aprendi um pouco mais, como me é comum ao escrever sobre um determinado assunto para o qual pesquiso. E encerro por aqui porque não se trata se escrever sobre, e sim de praticar. Publicado o post, desejo que cada um faça o que bem quiser. Eu vou dormir. E não vou, exatamente, contar carneirinhos até o sono chegar...

quarta-feira, 24 de março de 2010

A gente só pensa naquilo mas não faz (ou fazemos sozinhos) - parte 1

Fui admoestado, quer dizer, a palavra certa é "induzido", pelo querido João, do Why Not Now?, a falar sobre os orgasmos (meus e alheios, creio) por conta de terem as pessoas tocado (o sexo de) outras pessoas. Quer dizer, o João comentou isso e deixou ao(à) leitor(a) o trabalho de imaginar. Eu, que não presto, resolvi ir atrás da informação e publico este post em duas partes, dadas as dimensões que o assunto sexo sempre merece.



Esclareço de antemão que não consegui bisbilhotar o suficiente a vida sexual alheia para saber quantas pessoas que têm orgasmos porque são tocadas por outras pessoas (estranhas ou não). Bem que eu gostaria de saber esses meandros também. Porque é notório que as faíscas sexuais de homens e mulheres estão no ar, feito tempestades elétricas prontas para entrar em curto-circuito. Um toque apenas e, conexão feita com a química certa, não é de todo improvável que muitos de nós já tenhamos passado por situações ao mesmo tempo excitantes e assustadoras, daquelas que tememos que nos descubram e, simultaneamente, ativam a nossa libido justamente porque são vedadas em determinados âmbitos públicos ou circunstâncias, por exemplo.


Assim, já que não obtive esses dados, me contentei com outros que, de forma equivalente, traduzem a sexualidade do mundo. A fabricante de camisinhas Durex fez uma pesquisa global extensa entre 2007 e 2008 (41 países - veja aqui o link) que forneceu subsídios interessantes sobre a prática sexual. O Brasil não estava entre os países pesquisados e os dados brasileiros vêm de pesquisa publicada em 2008, feita por Carmita Abdo, da USP, com 8,2 mil entrevistados de dez cidades brasileiras.

Ao menos no Brasil, as pessoas mais falam de sexo e pensam sobre o assunto do que o fazem. Na média, o brasileiro faz sexo três vezes por semana. Mas gostaria de fazer 6,3 vezes por semana.

Abaixo, os dados de ambas as pesquisas, consolidados conforme o tema:

Número de parceiros sexuais (durante a vida)

- Média mundial: 9
- Maior do mundo: 14,5 (Turquia)
- Menor do mundo: 3 (Índia)

Frequência (vezes por ano)

- Média mundial: 103 vezes
- Maior do mundo: 138 (Grécia)
- Menor do mundo: 45 (Japão)
- Brasil: 160 vezes


Idade em que perdeu a virgindade

- Média mundial: entre 15 e 16 anos
- Brasil: entre 16 e 19 anos

Fetiches (variam conforme a cultura do país)

Fetiche 1 - Pornografia

- Média mundial: 41%
- Maior do mundo: 62% (Tailândia)
- Menor do mundo: 21% (Itália)

Fetiche 2 - Sexo no carro

- Média mundial: 50%
- Maior do mundo: 82% (Itália)
- Menor do mundo: 5% (Vietnã)


Fetiche 3 - Sexo anal

- Média mundial: 35%
- Maior do mundo: 75% (Chile)
- Menor do mundo: 1% (Taiwan)

Fetiche 4 - Sexo tântrico

- Média mundial: 7%
- Maior do mundo: 75% (Hong Kong)
- Menor do mundo: 1% (Turquia e Japão)

Sexo sem camisinha (ou condom)

- Média mundial: 47%
- Maior do mundo: 73% (?)
- Menor do mundo: 21% (?)
- Brasil: 68%


Para não fugir totalmente ao tema proposto pelo querido amigo, abordo, antes de encerrar o post, o tema masturbação. São algumas curiosidades (e fatos, alguns comprovados) apenas mas que dizem muito sobre o que se pensa sobre esse tópico:

- O homem que bateu o record em masturbação contínua é Kaneel Shatters, com 36 orgamos em 24 horas. O 'campeão' anterior tinha atingido 27 orgasmos em 24 horas.

- Masturbação, para o homem, previne o câncer de próstata.

- Masturbação ativa a produção de neurotransmissores e melhora o humor.

- O Japão tem uma escola de masturbação feminina.

- É costume em algumas tribos australianas que os homens se cumprimentem pelo pênis um do outro (com as mãos) mas a masturbação (solitária ou recíproca) é punida com chicotadas.

Para o post não ficar mais longo, retorno amanhã com a parte 2. Prometo que o assunto é de interesse coletivo e terá mais dados masturbatórios, prática de centenas de mamíferos do reino animal. Nó, humanos, apenas somos extensões desse reino e, portanto, também praticamos o que o resto da bicharada faz. Só com um pouquinho mais de pudor (alguns, quer dizer). Porque outros, assim como este que vos escreve, às vezes dá uma escancarada no quarto somente para ver o que há dentro.

terça-feira, 23 de março de 2010

Picture

"Estou aposentada de desfiles". Com essa frase, a top model Gisele Bündchen encerra a carreira nas passarelas. Um dos rostos mais conhecidos do mundo, Gisele, aos 29 anos, esteve nesta terça-feira, 23, em São Paulo, para o lançamento de mais uma campanha publicitária. Fim das passarelas mas não dos recursos: no ano passado, segundo a revista Forbes, Gisele faturou US$ 35 milhões, o mais alto valor entre as top models mundiais.




Além de estrelar a nova campanha de cosméticos, Gisele gravará a nova campanha de uma operadora de TV por assinatura. E, finalmente, no final desta semana, irá ao casamento da irmã, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Família, família, negócios à parte. Ah! Sim, Gisele veio com Benjamin, o rebento, mas não com Tom Brady, o maridão. Este blog também faz fofoca, claro.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Inúmeros números

Que eu não gosto de números e o que eles representam - matemática, cálculos que eu não tenho a menor ideia para que servem, pesos e medidas (principalmente quando estou acima dos meus), valores (particularmente porque o meu saldo nunca está alto o suficiente) etc. etc. -, todos vocês que me leem já sabem, dado que, em algum momento (quer dizer, vários), reclamei dos números.


Mas esses são números que, de tão representativos, significam, até mesmo para mim, que sou nulidade neles (dá para ser 0?), um universo em si mesmo. Veja que curioso:




- 223.115 livros foram publicados até hoje, 22 de março, apenas neste ano, no mundo todo
- 6,5 milhões de jornais circularam hoje
- 7 mil aparelhos de TV foram vendidos hoje
- 1,857 bilhão eram os usuários da internet mundial até a hora em que publico este post
- 3,6 bilhões de e-mails foram enviados até hoje neste ano
- 7,9 mil posts foram publicados até hoje (agora, 7,901) neste ano
- 3,6 bilhões de buscas foram feitas no Google apenas hoje
- 6.833.456.905 éramos os habitantes do planeta Terra até a hora desta postagem
- 30.916 milhões de pessoas nasceram entre o dia 1º. de janeiro até hoje, 22 de março, neste ano
- 13,508 milhões de pessoas morreram entre o dia 1º. de janeiro até hoje, 22 de março, este ano
- 297 mil foram os nascimentos apenas no dia de hoje em todo o mundo
- 26 mil foram as mortes apenas no dia de hoje em todo o mundo (não chegou a 10% dos nascimentos)
- 1,165 bilhão de toneladas de comida foram produzidas até hoje no mundo
- 24 mil pessoas morreram de fome hoje
- 341,566 milhões de pessoas são obesas até este momento
- 1,022 bilhão de pessoas estão desnutridas até este momento
- 1,147 bilhão de pessoas estão acima do peso até este momento (eu entre elas)
- 931,496 bilhões de litros foram consumidos no mundo somente este ano
- 22: hoje, Dia Mundial da Água (*)


E mais não direi porque chega de informações negativas. O mundo é bravo e tampouco eu ando brando.


(*) O fundo do post está em azul para, a exemplo do portal UOL, celebrar o Dia Mundial da Água (ainda que, no meu caso, não seja publicidade, como foi a iniciativa do portal)



domingo, 21 de março de 2010

Meu rugido dominical



Durante a semana que passou, em algum momento, inadvertidamente, joguei fora o meu diploma de jornalista. Tenho o costume de guardar papéis que não devem amassar, anotações, trechos de alguma crítica e até mesmo gravuras dentro daqueles livros imensos que nunca são abertos, a não ser para acolher em seu seio documentos dessa espécie.


O diploma há muito perdeu o lastro. Lembra quando as pessoas emolduravam o papel e o colocavam em destaque na parede? Isso nunca me passou pela cabeça. Mas eu costumava guardar aquele pedaço de papel porque simbolizava, de fato, o início, meio e fim de um período da minha vida que foi sonhado e concretizado.


Recentemente, jornalistas brasileiros perdemos ainda mais: para exercer a profissão de jornalistas, não é mais necessário ter um diploma e muito menos o antes almejado MT (sigla para Ministério do Trabalho, que nada mais é do que um número atribuído ao até então diplomado jornalista). Agora, qualquer pessoa pode ser jornalista. Basta querer.


Bem, não sei explicar os motivos mas sei que o livro, como uma outra grande quantidade de papel, foi ao lixo. Em tempo de mudança, a melhor mudança, de fato, é aquela que fazemos dos nossos interiores, sejam eles domésticos ou d'alma. E eu me desfiz de um monte de coisas. E ainda estou nesse processo, com a paciente precaução (agora que Inês é morta) de olhar papel por papel antes de condená-lo à rota do lixo.


Sei que não fiz isso com o tal do livro e, ao necessitar justamente do diploma, na semana passada, dei falta. E, de escaninho em escaninho (na minha mente, claro), constatei o óbvio: havia jogado o diploma fora. Engraçado que basta nos desfazermos de algo para logo em seguida, feito um castigo, termos extrema necessidade daquilo que ficou anos intocado.


Depois de constatar que, definitivamente, o diploma havia virado pastiche no caminhão dos lixeiros, me dei por vencido e fui à faculdade solicitar um certificado de conclusão. Resolvida essa questão, ficou outra, menos óbvia: joguei fora por desacreditar a profissão, ainda que inconscientemente ou por que diplomas, realmente, conforme já ouvi muito, não valem mais nada?


A resposta veio de forma assustadora e tão rápida que mal deu tempo de tomar um fôlego: uma amiga, em conversa com o mestre de obras de um canteiro de construção de um edifício me disse que o homem reclamou com ela que não há mão de obra suficiente para construir prédios em São Paulo. Veja bem: é uma fonte direta. Segundo o mestre de obras, há, naquele canteiro, 60 homens entre pedreiros e serventes de pedreiros ao passo que deveria haver 120 homens. Mas há escassez de mão de obra de pedreiros. E o mestre do canteiro ainda se riu da situação: disse que no último mês, havia faturado R$ 6 mil para que a obra não fosse abandonada, caso algum concorrente quisesse lhe tirar do atual emprego.


Em outra frente, com a minha própria mudança, fui obrigado a fazer contato com a classe operária em várias instâncias: pedreiro, pintor, encanador, eletricista, chaveiro, técnico de telefonia, de gás e até de refrigeração. Em todos os casos, medido grosseiramente o tempo, as horas trabalhadas não chegaram a 2. Mas o pagamento nunca foi abaixo dos R$ 50. Paguei R$ 50 para um, R$ 70 para outro, R$ 80, R$ 120 e até R$ 150. Motivo: ou contratava aquele que estava à mão ou não haveria outro profissional (!!!) disponível. Eu confirmei isso ao buscar mais de um eletricista, mais de um encanador, mais de um chaveiro!


O problema é que esses (glup!) profissionais não têm um item muito importante: qualidade. Exceto por um ou dois que demonstraram alguma correção, os demais fizeram mal e porcamente serviços que, por conta das minhas limitações em relação a eletricidade, encanamentos e, por que não dizer, total falta de jeito com algumas ferramentas e com leis da física, eu mesmo não pude concluir.


Assim, ao comparar o meu finado diploma e, consequentemente, minha profissão com esse outro universo, em que as mãos são mais importantes do que cérebros, concluí, rapidamente, duas coisas:


- Esses 'profissionais' não formados e, portanto, sem diploma, ganham mais do que eu.


- Trabalham (pedreiros de grandes construtoras) das 9 às 17 horas, tomam banho e saem, felizes, sob a luz do sol (eu constato isso diariamente em frente à minha janela porque há um imenso prédio em construção). Os demais 'profissionais', autônomos, trabalham quando querem (os houve, aqui em casa, os que marcaram e não apareceram ou apareceram dia ou dias depois, sem remarcar hora).


Portanto, o fato do meu diploma ter ido ao lixo não é nada. Concluo que devo eu mesmo ir ao lixo. Não, não para me jogar. Mas talvez para ir buscar lá minha dignidade que essa, tenho convicção, foi ao lixo muito antes do pedaço de papel que me consagrou jornalista seguir caminho semelhante.

sábado, 20 de março de 2010

Luz na minha vida

Exatamente às 14:32 deste sábado, dia 20 de março, começou no Brasil e no Hemisfério Sul o período que, na minha opinião, é o mais bonito do ano: a estação do outono. Não, não tem nada a ver com as folhas douradas (veja foto abaixo) que pontuam o outono do Hemisfério Norte. E sim com a luminosidade.




Por princípio, quer dizer, acho que mais por natureza mesmo, sou totalmente afeito à luz: à luz do sol, à luz da lua, à luz natural ou artificial. Se não a houvesse, a luz artificial, seria eu o primeiro a dizer: "fiat lux" (faça-se a luz, em latim).


Adoro, sobretudo, a luz do sol e a maneira como os raios refletem na própria tez, nos cabelos, na pele. Amo, ainda mais, a intensa luz outonal. Os dias ficam mais cálidos e até mesmo os pássaros serenam. Agora, do alto da minha sacada (sim, eu a tenho, com vista para a minha rua, finalmente), também tenho por companhia a copa frondosa de uma árvore que chega a beirar o sexto andar (quase 18 metros) e, a adensar ainda mais a árvore, uma infinidade de pássaros.


Os mais assíduos são as pombas-rola (não sei qual é a espécie mas é muito semelhante à da foto abaixo). Vi periquitos verdinhos e um outro pequeno pássaro que não sei dizer a espécie. Mas me é familiar. O único inconveniente é que a imensa janela que faz as vezes de parede frontal da minha sala tem que ficar quase que totalmente fechada ou terei, ao final do dia, penas o suficiente para confeccionar um travesseiro de plumas.




Com a luminosidade outonal, a passarada se recolhe mais cedo, percebo. E também nós, os humanos, tenho a ligeira impressão, nos recolhemos, ficamos mais melancólicos. A iluminação do outono é propícia para finais de tarde, com cândidos raios que não incomodam. Apenas uma luz quase que difusa mas ainda com uma certa intensidade. Uma vela que não bruxuleia. Assim vejo a luz do outono.




Para celebrar a data, e, ao contrário do que possa parecer ao primeiro olhar, não, não se trata mais da primavera, estampo na foto anterior (feita por mim, diretamente da minha sala) uma orquídea. Presente de uma amiga que, olha só, chama-se Luz, e não ao acaso. Essa flor é mais permanente do que uma, duas ou três estações: indiferente às estações, essa qualidade de orquídea fica florida o ano todo. Bem-vindo, outono! Que é uma luz na minha vida, assim como a outra Luz, a que me presentou tão simbólica planta.




Se celta fosse eu, estaria agora a entoar louvores a Hécate (foto acima), ou Titanide, grande deusa da magia e dos encantamentos, rainha dos espectros. Pois que essa é, conforme a mitologia grega, a deusa do outono. Que a luz do outono caia sobre mim, se derrame sobre mim. Adoro.

sexta-feira, 19 de março de 2010

O peso do mundo

Há dias que parece que o mundo desaba sobre nós. Hoje estou assim. Não, não aconteceu nada de extraordinário e nem catastrófico. É que depois de duas semanas numa nova casa, tenho a sensação de que as coisas para fazer, arrumar, resolver, pagar, ajustar etc. etc. etc. não acabam nunca.




E hoje, particularmente, acho que cheguei ao máximo das minhas forças. Estou num estado de exaustão que não tenho forças nem para pensar. Me sinto cansado física e mentalmente. Sim, mudar é bom. Mas são tantas e tão simultâneas coisas a resolver que me sinto em frangalhos. Parece que levei uma surra de cinco lutadores de sumô.


E ainda não acabou. O que me leva a pensar no acúmulo de coisas, de objetos, de desejos e de aspirações que fazemos ao longo da vida. Como se fosse um tesouro pirata que enterramos para depois resgatá-lo. Por que será que nos cercamos de tantas coisas? Por que queremos, queremos e queremos cada vez mais?


Ainda que eu tenho conseguido me desfazer de, calculo, um décimo das minhas coisas nessa mudança, estou pronto para comprar mais dois décimos. Acúmulo.


E talvez por isso o cansaço. Porque nunca paramos. Nunca que nos esvaziamos. E nem digo do supérfluo porque esse, por si só, some do nosso horizonte em dois segundos. Falo mesmo é daquilo que consideramos essencial. Hoje ainda precisei de um determinado documento e, mais ou menos aleatoriamente, realizei que joguei fora meu diploma de jornalista junto com alguns livros imensos que não serviam para nada além de serem usados como aparadores de poeira e, possivelmente, viveiro de traças. Bem, o fato é que não punha os olhos sobre esse diploma desde o momento em que o retirei na faculdade.


Simbolicamente, joguei minha carreira fora? Se assim foi, nem doeu. E agora vou descansar porque preciso. Preciso dormir. Ficar em silêncio. Me desligar do excesso. E sonhar que, junto com o meu diploma que foi ao lixo, foram também alguns sonhos. Não tem importância. Que fique a realidade. E vou sonhar com outras coisas. Menos burocráticas do que uma carreira. Mais prazerosas. Sonhar é preciso.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Eruv e a capacidade de se isolar em universo próprio

"Eruv é um conceito judeu, um expediente ritual tipicamente judeu, um golpe baixo em Deus, esse controlador tão sacana. Tem algo a ver com fingir que postes telefônicos são batentes (de portas) e fios são lintéis (acabamentos das portas). Com postes e cordas, você delimita uma área e a chama de eruv e, então, no shabat, é só fingir que esse eruv demarcado é a sua casa.


Assim, você tem como driblar a proibição de carregar objetos num lugar público no shabat e pode ir à escola com dois envelopes de Alka-Seltzer no bolso sem cometer pecado. Com alguns fios e postes e usando de forma criativa muros, cercas, montes e rios, é possível traçar um círculo em praticamente qualquer lugar e denominá-lo eruv.


...concebe-se um artifício que dure até o pôr-do-sol do dia seguinte, uma extensão do grande muro imaginário do eruv. ...um tubo plástico ao lado de dois postes telefônicos para que os residentes possam ir passear com o cachorro sem pôr a alma a perigo."




O trecho acima, mais ou menos reproduzido (mudei algumas palavras para servir ao propósito do post), é do livro "Associação Judaica de Polícia" - Michael Chabon - editora Cia. das Letras - 471 páginas, que eu tenho lido numa morosidade implacável: desde o dia 07 de março de 2009, ou seja, há mais de um ano. Por que? Porque o meu comportamento com os livros é assim: não tem padrão. Ora eu leio num átimo, em menos de 24 horas, um tomo inteiro de 700 páginas, ora fico a ir e vir entre 230 ou 470 páginas de outros volumes. Sou assim e é só.


Mas não é para falar das nuances da minha literatura que transcrevi o trecho acima. E sim do conceito de eruv. Se o autor o identifica como um artifício tipicamente judeu, eu o expando para outras circunstâncias e povos e, inclusive, posso admitir que o praticava, até então, sem saber do que se tratava e tampouco que havia um conceito como esse (eu li esse trecho precisamente hoje).


Porque venho de, pós-leitura, acreditar que eu mesmo construo eruvs à minha volta. Que, ao contrário dos típicos eruvs judeus, não são para evitar pecados e circunscrever o ambiente sagrado do shabat. E sim para circular meu próprio mundo e fechá-lo com cercas e muros feitos de postes e fios que se entrelaçam para, ao final, virar uma teia da qual não saio e ninguém entra.


O meu eruv foi erigido inconscientemente e, tal qual os personagens de Chabon, pode ser expandido na medida em que preciso ampliar os limites do meu próprio cerco. E assim, de poste em poste, de fio em fio, firma-se um eruv imaginário porém real que me detém tal qual cerca elétrica. Ao contrário dos eruvs judeus, no entanto, eu não tenho restrições divinas impostas para que se cumpram os preceitos do shabat e muito menos temo perder a alma por me levar (e não ao cachorro) para passear nos sábados à tarde.


Pior. Meu eruv já tornou-se, em si próprio, o mundo inteiro e eu, por assim dizer, me eruvizei de tal forma que posso atravessar continentes, suponho, sem que incorra no risco de colocar um pé que seja fora das cercanias dessas limitações. Donde concluo que bem eu me converto ao judaísmo e pratique o tradicional eruv na acepção exata do termo ou que pule, atravesse, desconstrua esse eruv que criei sem imaginar que poderia, um dia, ser atingido por tão ampla erupção. Ou erosão. Depende de como você encara tudo isso.

quarta-feira, 17 de março de 2010

E o mundo fica verde

Fica verde por conta de um símbolo, e não porque, de repente, todo mundo resolveu sair e plantar árvores. E porque hoje não é sexta-feira, e sim quarta-feira, dia 17, também hoje é, sim, dia de celebrar. Claro que, no Brasil, vamos no arrastão porque onde há festa, há brasileiro no meio. E pode até ter a ver, já que o verde domina a bandeira nacional.




Hoje é o St. Patrick's Day (Dia de São Patrício), santo padroeiro da Irlanda e, consequentemente, feriado nacional irlandês. E o que temos a ver com isso? Temos a ver que o que era uma festa religiosa transformou-se numa das mais pagãs celebrações. O Saint Patrick's Day tornou-se o maior motivo para tomar cerveja. Na Irlanda, claro. E nos EUA, no Brasil, Argentina, Canadá e até mesmo no Extremo Oriente, na Coreia do Sul, todo mundo se reúne em bares (preferencialmente, pubs irlandeses) para comemorar a data. São Paulo, por exemplo, tem um excelente pub irlandês, onde é possível degustar a Guinness (somente no dia de hoje, em todo o mundo, estima-se que sejam consumidos mais de 7 milhões de litros da tradicional cerveja irlandesa): é o All Black Irish Pub. Eu já fui, justamente no Dia de São Patrício e avalizo.


Para comemorar o dia do santo que passou a ser da cerveja, o portal R7 postou alguns personagens de desenhos animados que adoram ser vistos na companhia de um bom copo (ou tulipa) de cerveja.




Em outro extremo, foi aberta uma mostra em Madri, "Cerveja e Arte", com pinturas, esculturas, colagens, fotografias e arte digital que têm a cerveja como inspiração. Há de tudo para celebrar essa "loura gelada" da qual a mais polêmica no Brasil ultimamente é uma devassa vendida pela Paris Hilton.




De minha parte, quero dizer que a cerveja e eu nos damos muito bem, sempre nos falamos e mantemos uma relação afetiva de dois amantes fogosos. Ora caímos juntos, ora caímos de novo, separados que somos pela minha falta de coordenação motora nesses momentos. O importante é que essa loura gelada não despreza. Ai que sede!

terça-feira, 16 de março de 2010

Não tente fazer isso em casa!

Há pouco mais de duas semanas, dei início a um movimento involuntário. Logo eu que estava a reclamar de uma inércia espessa que se me toldava o passo, fui devidamente movido por algumas leis não-escritas que movem as engrenagens da nossa própria vida e, enfim, que fazem com que uma pessoa acelere ou reduza a marcha, conforme o contexto.




Oficialmente, fui informado, de uma hora para outra, que o apartamento em que eu vivia há dez anos seria vendido. E nada mais me foi dito. Claro que, tomado de assalto por tão definitiva notícia, eu, que não sofro de ansiedade, me investi de um ânimo que não tinha e reagi.


Procurei apartamentos, falei com algumas pessoas e, em resposta, ligeiríssima, me foi oferecida a locação de um apartamento três andares abaixo do meu. Até então, eu morava no nono andar. Antes, ainda, morei no 12º. andar deste mesmo prédio. Agora, estou no sexto andar. Prevejo que descerei ainda mais três pisos nos próximos anos para, enfim, chegar ao nível da rua e ir viver em outra freguesia.


Quando me mudei do 12º. andar para o 9º. andar - e lá se vão alguns bons anos -, eu mesmo fiz a minha mudança. Não havia muita coisa para transportar e a mudança não me foi assim tão danosa. Dessa vez, ao passar do 9º. andar para o 6º. andar, calculei que poderia fazer o mesmo. Ao contrário do homem que calculava, de Malba Tahan, os meus cálculos são sempre imprecisos e, no fundamento, me levam a resultados bastante cansativos e nunca satisfatórios.


Depois de alguns entreveros, há dez dias, comecei a mudança. Antes, porém fiz o que todo mundo tem que fazer quando chega numa nova casa: ver a energia elétrica, o gás, o telefone, a internet e o serviço de TV paga. Afora a energia elétrica e o gás, que são essenciais, eu esperava que serviços de telefone, de internet e de TV paga fossem me dar mais trabalho do que o usual.


A seguir, para, uma vez mais, contrariar os meus equivocados cálculos, relato o calvário que me foi imposto pelas empresas as quais, exceto a de TV paga, são concessionárias de serviços públicos e, portanto, deveriam ter o mínimo de respeito com o consumidor que, religiosamente, paga suas faturas:


- Energia elétrica: foram 13 dias úteis para conectar o relógio que conecta a minha residência à rede da rua. Foram mais de 20 dias no total, intercalados por cobranças quase que diárias de minha parte. Ao telefone, em média, fiquei 16 minutos a cada contato, o que deu, segundo minhas anotações (sim, sou escaldado), 120 minutos ou duas horas para pedir, implorar que me ligassem à rede de energia elétrica. O problema é que a proprietária anterior, numa atitude mesquinha, fez com que a companhia retirasse o relógio medidor. A empresa é a AES Eletropaulo, controlada pela norte-americana AES. Quando o funcionário ligou, enfim, levou apenas 3 minutos para fazê-lo!


- Gás: assim como ocorreu com a energia elétrica, a proprietária anterior solicitou o desligamento do gás, que é encanado. Mas, ao contrário da companhia elétrica, a Comgás, controlada pela britânica British Gas e pela holandesa Shell, demorou menos de 17 minutos para registrar meu pedido ao telefone e, em menos de 20 horas, o gás estava religado. De qualquer forma, tive que arcar com a instalação da rede de gás da rua até a minha casa.


- Banda larga e TV paga: a provedora desses serviços é a NET, controlada pela mexicana Telmex, do homem mais rico do mundo (segundo a Fortune), Carlos Slim. Em diversos contatos, a empresa me consumiu quase 2 horas ao telefone e uma infindável dose de paciência para fazê-los entender que eu apenas mudaria de andar e de apartamento, e não de país! Me atenderam, de qualquer forma, no prazo estabelecido.


- Telefone: fiquei cerca de 16 minutos ao telefone para pedir a portabilidade do meu número para o novo endereço e me deram três dias úteis (previstos pela lei) para transferir a linha. Sim, o fizeram. Mas também, assim como com a Comgás, tive que pagar um técnico particular (que é funcionário da operadora, por sinal) para fazer a conexão entre a rede telefônica externa e a minha residência. A operadora é a Telefônica, controlada pela espanhola homônima Telefónica que, exceto pela diferença de acentuação, carecem, ambas, brasileira e espanhola, de excelência na prestação de serviços.


Tomadas essas providências, mudei. Mudei, mudei, mudei e mudei. Foram tantas viagens entre o 9º. e o 6º. andares que muitas vezes recitei o mantra "antes cair das nuvens do que do terceiro andar" sem nem perceber. O elevador foi o meu caminhão de mudança. Foram dois dias de braçadas de tralhas de todos os tipos, de roupas a livros, de pratos a almofadas. Não fosse a simpática e providencial ajuda de um servente do prédio, eu ainda estaria a carregar os mais pesados móveis. O fato é que em dois dias eu dei conta de esvaziar um apartamento e encher o outro.


A partir daí - e eu não sabia - começou uma nova etapa: tal qual uma procissão de formigas, vi passar dentro da minha casa, de domingo a domingo, os mais diversos profissionais que, de repente, se fazem necessários nessas ocasiões: encanador, chaveiro, eletricista, desentupidor, marceneiro, vidraceiro, técnico de telefonia, técnico de refrigeração, técnico de gás etc. etc. Eu já não sabia mais se a rua estava na minha casa ou eu é que havia feito uma fusão com a classe operária, num perfeito entrosamento com toda a casta que faz com que as casas funcionem.


Hoje, terça-feira, dia 16 de março, faz apenas 10 dias que vivo, efetivamente, no novo apartamento. E apenas hoje o apartamento entrou em operação. Quase. Faltam alguns detalhes mas que não absolutamente prioritários.


Depois desse longo relato, quero dizer que não tente fazer isso em casa! Não ouse fazer isso. Me disseram que eu parecia um fantasma num dado momento. Eu passei ao menos cinco dias sem uma alimentação decente (na transição entre um apartamento e outro fiquei sem fogão a gás e sem micro-ondas), uns dois dias sem banho (não faça cara de nojo!) e com tantas dores que daria para fazer um colar de contas inteirinho com três voltas ao pescoço. Portanto, não faça isso em casa. É tudo muito cruel e, ao final, basta ter um leito para repousar o esqueleto que luta para permanecer em pé.


Se sou um novo homem depois disso? Logicamente que não! Estou mais alquebrado e, com certeza, com algumas rugas novas.


Se estou feliz? Logicamente que estou! Meu novo apartamento apara o sol da manhã perfeitamente! É branco! De uma brancura extrema. Lindo. Me sinto renovado, branco também eu depois de tantas águas turvas que rondaram tanto a cidade de São Paulo quanto eu mesmo.


Roda, estou em movimento. No final das contas (e sou ruim de fazer contas), se os cálculos não me saíram com precisão, o resultado final é positivo. Estou mais baixo, três andares mais baixo e mais perto da terra e das pessoas. Por que não haveria de me sentir bem, hein?

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