Meu rugido dominical
"Brasil, País do Futuro", palavra de ordem adotada pela mídia, governo e por muita gente, nasceu e cristalizou-se por conta do livro homônimo escrito por Stefan Zweig em 1941. Você pode ter acesso à obra digital neste link. Ao que parece, essa expressão virou um estigma do Brasil que nunca chegou a ser o que, em 1941, se pregava para o futuro. Estamos em 2010, 69 anos depois que Zweig cunhou a expressão e o futuro, ao que parece, jamais chegou aos trópicos. Vivemos sob a expectativa de que esse futuro chegue, assim como se espera a volta de Dom Sebastião - mito pelo qual se espera que a volta do rei de Portugal reconduza o povo para atingir seus anseios. Esse mito é forte em algumas regiões brasileiras e sobrevive no folclore.
Pelo mito, Dom Sebastião estabeleceria o Quinto Império do Brasil, um reinado que abrangeria os cerrados, caatingas, sertões e pampas brasileiros, ou seja, todas as regiões do País, e abarcaria os ideais mais nobres de justiça, igualdade, prosperidade e amor.
Bem, nem Dom Sebastião retornou para nos guindar ao Quinto Império cheio de riquezas e esperança, e tampouco o Brasil tornou-se o país do futuro. Estamos, tal qual tantos personagens literários, presos ao mito do eterno retorno.
Não sei se sou muito pragmático ou, pior, cético, mas li hoje dois artigos no jornal que, de alguma forma, corroboram a minha própria visão de que somos, sim, um país preso a mitos que jamais se concretizam. O primeiro artigo traz um estudo da consultoria norte-americana Bain & Company que demonstra, por meio de indicadores, que o Brasil é, atualmente, em 2010, o que os Estados Unidos eram entre 1940 e 1950. Ou seja, temos uma defasagem de 60 a 70 anos. OK, há um leve sinal de otimismo no artigo pelo qual a consultoria prevê que, a se continuar o atual ritmo de crescimento econômico, o Brasil passará pelo mesmo estágio de progresso que os EUA atravessaram entre as décadas de 50, 60 e 70. Ainda assim, teríamos, entre 1970 e 2010, um vácuo de 40 anos.
Relaciono abaixo alguns indicadores que a Bain & Company elegeu para efeito de comparação entre Brasil e EUA. A amostra não é científica, como a própria consultoria deixa claro. O estudo foi feito, a princípio, para calcular o potencial de crescimento em alguns setores da economia brasileira. Na relação abaixo, o Brasil atual (dados de 2008) na comparação com dados equivalentes dos EUA nas décadas anteriores e nos anos 2000:
- Produto Interno Bruto (PIB) per capita
. Brasil - US$ 6,5 mil (2008)
. EUA - US$ 9 mil (década de 30) e US$ 44,1 mil (ano 2000)
- Passageiros aéreos domésticos embarcados anualmente
. Brasil - 1 passageiro a cada 4 habitantes (2008)
. EUA - 1 passageiro a cada 4 habitantes (década de 50) e 1 passageiro a cada 1,5 habitante (2000)
- Expectativa de vida
. Brasil - 72,9 anos (2008)
. EUA - 72,3 anos (década de 70) e 77,2 anos (2000)
- Presença de TV
. Brasil - 96,4% dos domicílios (2008)
. EUA - 96,7% (década de 70) e 98,4% (2000)
- Presença de rádio
. Brasil - 87,9% dos domicílios (2008)
. EUA - 85,2% (década de 40) e 99% (2000)
- Telefone
. Brasil - 82,1% dos domicílios (2008)
. EUA - 83,8% (década de 60) e 94% (2000)
- Veículos por habitantes
. Brasil - 0,29 para cada habitante (2008)
. EUA - 0,25 por habitante (década de 40) e 0,81 por habitante (2000)
- Uso de energia por habitante
. Brasil - 0,05 por habitante (2008)
. EUA - 0,23 por habitante (década de 40) e 0,34 por habitante (2000)
- Formação no ensino médio
. Brasil - 32% da população (2008)
. EUA - 29% (década de 40) e 84% (2000)
- Formação universitária
. Brasil - 9% da população (2008)
. EUA - 10% da população (década de 60) e 26% (2000)
A esses dados, relaciono oito séries de opções de modelo de desenvolvimento defendidas por Roberto Mangabeira Unger (que foi ministro extraordinário da pasta de Assuntos Estratégicos do governo Lula entre outubro de 2007 e junho de 2009) como forma de se definir, uma vez mais, o futuro. A propósito, o nome do artigo de Mangabeira é "O Futuro da Nação":
1. Reposicionamento na divisão internacional do trabalho: combinação de produção e exportação de produtos primários como os modelos da Nova Zelândia e do Chile.
2. Financiamento interno do desenvolvimento: aumento da poupança pública e privada.
3. Redefinição da política agrícola: transformação da agricultura familiar em empresarial; agregar valor aos produtos agropecuários; e construir uma classe média rural forte.
4. Reorientação da política industrial: dar acesso às pequenas e médias empresas ao crédito, tecnologia, conhecimento e mercado global.
5. Reorganização das relações entre trabalho e capital: elaborar regras para equilibrar a população economicamente ativa (quase metade está na informalidade).
6. Capacitação do povo brasileiro: unir a gestão local das escolas estaduais e municipais a novos padrões de investimento e qualidade e associar os três níveis de governo (federal, estadual e municipal) para elevar o nível das escolas a patamares aceitáveis de qualidade.
7. Reconstrução do Estado: acabar com o funcionalismo burocrático, buscar a eficiência administrativa e procurar formas alternativas de oferecer serviços públicos como educação e saúde.
8. Institucionalização da cultura republicana: fazer um federalismo cooperativo que una os três níveis - federal, estadual e municipal - e adotar medidas que tragam transparência à política e eliminem a corrupção na política.
Quero deixar claro que não é porque reproduzi as ideias de Mangabeira Unger que concordo integralmente com elas. Não é isso. Meu objetivo é somente demonstrar que as esferas pública e privada do Brasil, seja por meio dos indicadores listados acima ou de algumas ideias como o do articulista, ficam apenas na teoria. E o país do futuro deve estar situado muito adiante, num futuro que nem a melhor cartomante do mundo consegue visualizar na bola de cristal. O futuro do Brasil, para deixar no plano do inexplicável, a Deus pertence. E a ninguém mais.