Blog Widget by LinkWithin
Connect with Facebook

domingo, 31 de janeiro de 2010

Meu rugido dominical



"Brasil, País do Futuro", palavra de ordem adotada pela mídia, governo e por muita gente, nasceu e cristalizou-se por conta do livro homônimo escrito por Stefan Zweig em 1941. Você pode ter acesso à obra digital neste link. Ao que parece, essa expressão virou um estigma do Brasil que nunca chegou a ser o que, em 1941, se pregava para o futuro. Estamos em 2010, 69 anos depois que Zweig cunhou a expressão e o futuro, ao que parece, jamais chegou aos trópicos. Vivemos sob a expectativa de que esse futuro chegue, assim como se espera a volta de Dom Sebastião - mito pelo qual se espera que a volta do rei de Portugal reconduza o povo para atingir seus anseios. Esse mito é forte em algumas regiões brasileiras e sobrevive no folclore.


Pelo mito, Dom Sebastião estabeleceria o Quinto Império do Brasil, um reinado que abrangeria os cerrados, caatingas, sertões e pampas brasileiros, ou seja, todas as regiões do País, e abarcaria os ideais mais nobres de justiça, igualdade, prosperidade e amor.


Bem, nem Dom Sebastião retornou para nos guindar ao Quinto Império cheio de riquezas e esperança, e tampouco o Brasil tornou-se o país do futuro. Estamos, tal qual tantos personagens literários, presos ao mito do eterno retorno.


Não sei se sou muito pragmático ou, pior, cético, mas li hoje dois artigos no jornal que, de alguma forma, corroboram a minha própria visão de que somos, sim, um país preso a mitos que jamais se concretizam. O primeiro artigo traz um estudo da consultoria norte-americana Bain & Company que demonstra, por meio de indicadores, que o Brasil é, atualmente, em 2010, o que os Estados Unidos eram entre 1940 e 1950. Ou seja, temos uma defasagem de 60 a 70 anos. OK, há um leve sinal de otimismo no artigo pelo qual a consultoria prevê que, a se continuar o atual ritmo de crescimento econômico, o Brasil passará pelo mesmo estágio de progresso que os EUA atravessaram entre as décadas de 50, 60 e 70. Ainda assim, teríamos, entre 1970 e 2010, um vácuo de 40 anos.


Relaciono abaixo alguns indicadores que a Bain & Company elegeu para efeito de comparação entre Brasil e EUA. A amostra não é científica, como a própria consultoria deixa claro. O estudo foi feito, a princípio, para calcular o potencial de crescimento em alguns setores da economia brasileira. Na relação abaixo, o Brasil atual (dados de 2008) na comparação com dados equivalentes dos EUA nas décadas anteriores e nos anos 2000:


- Produto Interno Bruto (PIB) per capita
. Brasil - US$ 6,5 mil (2008)
. EUA - US$ 9 mil (década de 30) e US$ 44,1 mil (ano 2000)


- Passageiros aéreos domésticos embarcados anualmente
. Brasil - 1 passageiro a cada 4 habitantes (2008)
. EUA - 1 passageiro a cada 4 habitantes (década de 50) e 1 passageiro a cada 1,5 habitante (2000)


- Expectativa de vida
. Brasil - 72,9 anos (2008)
. EUA - 72,3 anos (década de 70) e 77,2 anos (2000)


- Presença de TV
. Brasil - 96,4% dos domicílios (2008)
. EUA - 96,7% (década de 70) e 98,4% (2000)


- Presença de rádio
. Brasil - 87,9% dos domicílios (2008)
. EUA - 85,2% (década de 40) e 99% (2000)


- Telefone
. Brasil - 82,1% dos domicílios (2008)
. EUA - 83,8% (década de 60) e 94% (2000)


- Veículos por habitantes
. Brasil - 0,29 para cada habitante (2008)
. EUA - 0,25 por habitante (década de 40) e 0,81 por habitante (2000)


- Uso de energia por habitante
. Brasil - 0,05 por habitante (2008)
. EUA - 0,23 por habitante (década de 40) e 0,34 por habitante (2000)


- Formação no ensino médio
. Brasil - 32% da população (2008)
. EUA - 29% (década de 40) e 84% (2000)


- Formação universitária
. Brasil - 9% da população (2008)
. EUA - 10% da população (década de 60) e 26% (2000)


A esses dados, relaciono oito séries de opções de modelo de desenvolvimento defendidas por Roberto Mangabeira Unger (que foi ministro extraordinário da pasta de Assuntos Estratégicos do governo Lula entre outubro de 2007 e junho de 2009) como forma de se definir, uma vez mais, o futuro. A propósito, o nome do artigo de Mangabeira é "O Futuro da Nação":


1. Reposicionamento na divisão internacional do trabalho: combinação de produção e exportação de produtos primários como os modelos da Nova Zelândia e do Chile.


2. Financiamento interno do desenvolvimento: aumento da poupança pública e privada.


3. Redefinição da política agrícola: transformação da agricultura familiar em empresarial; agregar valor aos produtos agropecuários; e construir uma classe média rural forte.


4. Reorientação da política industrial: dar acesso às pequenas e médias empresas ao crédito, tecnologia, conhecimento e mercado global.


5. Reorganização das relações entre trabalho e capital: elaborar regras para equilibrar a população economicamente ativa (quase metade está na informalidade).


6. Capacitação do povo brasileiro: unir a gestão local das escolas estaduais e municipais a novos padrões de investimento e qualidade e associar os três níveis de governo (federal, estadual e municipal) para elevar o nível das escolas a patamares aceitáveis de qualidade.


7. Reconstrução do Estado: acabar com o funcionalismo burocrático, buscar a eficiência administrativa e procurar formas alternativas de oferecer serviços públicos como educação e saúde.


8. Institucionalização da cultura republicana: fazer um federalismo cooperativo que una os três níveis - federal, estadual e municipal - e adotar medidas que tragam transparência à política e eliminem a corrupção na política.


Quero deixar claro que não é porque reproduzi as ideias de Mangabeira Unger que concordo integralmente com elas. Não é isso. Meu objetivo é somente demonstrar que as esferas pública e privada do Brasil, seja por meio dos indicadores listados acima ou de algumas ideias como o do articulista, ficam apenas na teoria. E o país do futuro deve estar situado muito adiante, num futuro que nem a melhor cartomante do mundo consegue visualizar na bola de cristal. O futuro do Brasil, para deixar no plano do inexplicável, a Deus pertence. E a ninguém mais.

sábado, 30 de janeiro de 2010

De como ser elegante e arrumar um namorado... em 1938!

Será que o comportamento e as relações mudaram muito de 1938 para 2010? São 72 anos depois e as dicas publicadas em revistas norte-americanas de 1938, às vésperas da II Guerra Mundial, talvez ainda tenham muito a dizer para as gerações atuais. O objetivo das revistas era ensinar às mulheres como se comportar na perspectiva de arrumar um bofe e, com elegância, atraí-lo para compromissos futuros mais duradouros. Ou seja, vender uma imagem e, depois de rendido o marido, revelar facetas mais realistas. Você concorda?


1. Roupas: verifique tudo na sua roupa antes do pretendente chegar. Não arrume as meias na frente dele. Pode pegar mal. Melhor esperar o homem com um sorriso do que com uma cara de preocupação com o vestido.




2. Postura: moças elegantes não se sentam de pernas abertas na frente dos homens. E nunca pareça entediada. Se for mascar chiclete (o que não é recomendado), o faça discretamente, de boca fechada. Evite dores de barriga e mau hálito.




3. Intimidade: nada de arrumar sutiã, cabelos e meias na frente dele. E calcinha, jamais! A intimidade pode ser - e, em geral, é - uma coisa indecente.




4. Falatório: mulheres elegantes nunca apelam. Não converse enquanto dança. Quando os homens dançam, gostam apenas de dançar. Portanto, bico calado!




5. Choro: não seja sentimental. Nada de chorar em público. Os homens odeiam. Se preciso for, chore no banheiro. E depois corrija a face com maquiagem.




6. Futilidades: não comente com ele sobre suas roupas. Converse com o homem sobre coisas que ele queira ouvir: o crash da Bolsa de NY, a perspectiva iminente da guerra, a mulher e o trabalho.




7. Bebidas: não beba demais. Você pode parecer esperta e moderninha, mas, de fato, estará apenas sendo bobinha. Se beber, não vomite. Não digo para não dirigir porque, em 1938, você não tem esse direito.




8. Maquiagem: nada de se maquiar na frente dele. Isso é por demais íntimo para ser compartilhado e os homens não gostam de ver que, por detrás do make up, pode haver uma outra pessoa.


sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Duas presidenciáveis numa cajadada só

Tive uma rara oportunidade, como eleitor e como cidadão brasileiro, de contrapor duas eventuais candidatas à presidência do Brasil de uma só vez, com um espaço de poucas horas entre uma e outra. As candidatas são Dilma Rousseff, atual ministra da Casa Civil do governo Lula e, portanto, candidata do governo, e a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, candidata pelo Partido Verde (PV), ex-governista e, portanto, oposição.


Ambas estiveram nesta sexta-feira, 29, na Campus Party, um dos principais eventos de internet do mundo e que tem uma ramificação brasileira. Ambas, embora neguem estar em plena campanha (são pré-candidatas), não têm feito outra coisa que fazer campanha eleitoral. O terceiro candidato também não se furta a fazer campanha mas, dessa vez, ao menos, não deu as caras. Os três - Dilma Roussef, Marina Silva e José Serra (atual governador do Estado de São Paulo) - são, desde já, os principais candidatos à presidência do Brasil, cuja eleição começa no primeiro turno, no dia 3 de outubro deste ano, e cujo(a) vencedor(a) governará o Brasil entre 2011 e 2014, a princípio.




Das candidatas, vi, pela primeira vez ao vivo e in loco, algumas facetas que a propaganda televisiva e o filtro da mídia obliteram, talvez, com ou sem intenção. De qualquer forma, a imagem que se começa a formar a partir do momento em que você pode ver as pessoas e olhar nos seus olhos é bem diferente daquela personagem que vemos de forma difusa na tela da TV.


Nesse confronto entre as duas presidenciáveis, pude observar algumas coisas e ficar ainda com mais dúvidas sobre em qual candidato(a) votar ao cargo executivo máximo do País. Por princípio e por falta absoluta de opções, havia declarado meu voto para Marina Silva. Dilma estava fora do meu espectro de escolhas porque tenho a impressão que a imagem que a ministra tem construído elaboradamente tenderá a ruir aos primeiros sinais mais fortes de confronto. Ainda não tenho muita certeza sobre o perfil político de Dilma. Quanto a José Serra, nunca foi uma opção viável na minha concepção por vários motivos, dentro os quais posso destacar este e este outro.


Do que vi hoje, posso comentar. Marina Silva está na defesa. É natural, dado que a candidata, nas pesquisas de preferência de votos, está na lanterna. E quem está lá embaixo sempre vai morder os que estão acima. Marina criticou Dilma e Serra por anteciparem suas campanhas. Questionada sobre sua aparição num evento em que política chega a ser um ET (exceto pelo Partido Pirata, devidamente representado na Campus Party), Marina defendeu sua ida ao evento porque disse que usará a internet: "Não estou aqui de forma artificial. Usarei a internet durante a campanha e nada melhor do que vir aqui para reconhecer que é uma ferramenta importante", disse. A propósito, um dos palestrantes mais ilustres nesta Campus Party foi Scott Goodstein, o estrategista das redes sociais da campanha bem-sucedida do presidente dos EUA, Barack Obama.




Na minha opinião, Marina passeou pelos temas e não se mostrou ousada. Para uma candidata a presidente, achei que Marina tem uma postura um tanto quanto 'mansa'. Depois, conversei com um taxista sobre ambas e ele foi taxativo: "A Marina só fala em meio ambiente". Quer dizer, a imagem da candidata está totalmente atrelada a uma plataforma da qual ela nem faz mais parte. Não que tenha deixado a questão ambiental de lado, mas um programa presidencial deve abordar inúmeros temas e, sobretudo, fazer o eleitor perceber isso.


Postura completamente oposta tem a outra candidata, Dilma Rousseff. Claro que o fato de Dilma estar amparada pela pesada máquina do governo federal ajuda e muito na construção da sua própria candidatura. Mas as posições de Dilma são vigorosas: "a internet é a ágora de Atenas da modernidade", afirmou, ao ser perguntada sobre a importância da rede para a campanha eleitoral. E desfilou uma série de afirmações sobre democracia, internet, acesso aos meios, banda larga (Plano Nacional de Banda Larga), direitos (marco civil regulatório da internet), direitos autorais, direito de acesso (e se posicionou contra qualquer tipo de restrição ou censura). E emendou com direitos à mulher, ao negro, à cultura etc. etc.


Quer dizer, é uma candidata que já tem uma plataforma eleitoral bem articulada. Do que eu vi, achei que Dilma está muito bem posicionada para debater questões que ora estão na pauta do governo federal e também do mundo.


Medidos os dois cajados - o de Marina é predominantemente verde e curto e o de Dilma é longo e espinhento -, no debate mental que fiz ao comparar as duas, pelo menos no ambiente da Campus Party Dilma ganhou disparado. E houve quem protestasse pela atenção da mídia à candidata Dilma! Oras! Basta acompanhar uma e outra para ver que as diferenças passam longe do grau de atenção que exercem sobre a mídia e eleitores em geral.


Tenho, porém uma reclamação dirigida a Dilma que não divulgou a conta do Twitter: esperamos pela ministra mais de duas horas. Creio que a ministra mobilizou mais de 100 pessoas entre motoristas, seguranças, jornalistas, blogueiros, assessores e produção. Todo mundo na expectativa da chegada da ministra ao evento. Ministra, poder público não é se fazer esperar.


Por outro lado, Dilma afagou os blogueiros (entre os quais me incluo) ao fazer referência várias vezes ao papel de blogs e blogueiros em todo e qualquer processo de informação, inclusive o eleitoral.


Saí das duas entrevistas - de Marina Silva e de Dilma Rousseff - com muita informação para analisar. Mas está OK porque tenho, pelo menos, oito meses para me decidir entre os candidatos que substituirão Lula.


quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Nude do dia

O nu não é exatamente do dia, e sim de um dia futuro. A próxima temporada de "True Blood", cujas filmagens já ocorrem, promete muito mais nudez dos vampiros. Ou seja, mais carne e menos sangue para os seres mortais e imortais do seriado.




Um dos que vampiros que deve perder mais roupas do que beber sangue é Eric (vivido pelo ator sueco Alexander Skarsgård, foto acima). Outro é o próprio Bill (o vampiro bom moço interpretado por Stephen Moyer). Além do lobisomem e dono do barzinho onde tudo acontece, Sam (o ator é Sam Trammel). E, claro, Sookie (Anna Paquin), a humana disputada por Eric e Bill.




Outra novidade da série é a entrada do ator Kevin Alejandro (foto abaixo), que entra no seriado para formar o par gay com Lafayette (Nelsan Ellis). "True Blood" tem estreia prevista nos EUA em junho e deve chegar logo depois ao Brasil, pela HBO.




Abaixo, um dos vídeos promocionais da terceira temporada.



quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Picture

Afirmam os especialistas que o máximo de sobrevida que temos sob os escombros é de 96 horas ou quatro dias. Uma adolescente desmentiu enormemente essa teoria: foi encontrada viva sob as ruínas 15 dias depois do terremoto que matou mais de 170 mil pessoas (até segunda-feira, 25) no Haiti.


O que sei, de concreto, é que quando se trata de sobrevivência, o ser humano tem reservas insondáveis ante as lentes de explicações lógicas e definitivas. E a menina haitiana é prova disso.



terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Leda e o cisne

W.B.Yeats (William Butler Yeats) foi um dos grandes nomes da literatura de língua inglesa. Ganhou o prêmio Nobel de Literatura de 1923. Em 1889, fundou, com a escritora Isabella Augusta Gregorym, o Irish Literary Theater de Dublin, transformado em 1903 na Irish National Theatre Society.

A obra de Yeats compõe-se de poesia lírica de caráter simbolista e de diversas peças de teatro, inspiradas essencialmente na mitologia celta. Seus mais célebres poemas são "A Coat" (Um Manto), do livro "Responsabilities" (1914), e "Leda e o Cisne", de "Uma Visão" (1925), também publicado em "The Tower" (1928).


"Leda e o Cisne" mostra um painel histórico. Da união de Leda com Zeus transformado em ave, Leda pôs um ou dois ovos, dos quais nasceram duas irmãs, casadas com dois príncipes gregos. Uma delas foi Helena, cujo rapto originou a guerra de Tróia, e a outra foi Clitemnestra, que, com a ajuda do amante, assassinou o marido. Ou seja, duas mulheres que emolduram a guerra narrada na primeira epopeia homérica. A seguir, quatro versões do poema "Leda e o Cisne", das quais a primeira é na língua original e as seguintes são versões em português por diferentes tradutores.






Leda and the Swan


A sudden blow: the great wings beating still
Above the staggering girl, her thighs caressed
By the dark webs, her nape caught in his bill,
He holds her helpless breast upon his breast.


How can those terrified vague fingers push
The feathered glory from her loosening thighs?
And how can body, laid in that white rush,
But feel the strange heart beating where it lies?


A shudder in the loins engenders there
The broken wall, the burning roof and tower
And Agamemnon dead.
Being so caught up,


So mastered by the brute blood of the air
Did she put on his knowledge with his power
Before the indifferent beak could let her drop?





Leda e o Cisne


Um baque súbito. A asa enorme ainda se abate
Sobre a moça que treme. Em suas coxas o peso
Da palma escura acariciante. O bico preso
à nuca, contra o peito o peito se debate.


Como podem os pobres dedos sem vigor
Negar à glória e à pluma as coxas que se vão
Abrindo-o e como, entregue a tão branco furor,
Não sentir o pulsar do estranho coração?


Um frêmito nos rins haverá de engendrar
Os muros em ruína, a torre, o teto a arder
E Agameênnon, morrendo.
Ela, tão sem defesa,


Brutalizada pelo abrupto sangue do ar,
Se impregnaria de tal força e tal saber
Antes que o bico inerte abandonasse a presa?


(tradução de Augusto de Campos)





Leda e o Cisne


Um golpe súbito: as grandes asas batendo ainda
Sobre a jovem cambaleante, as coxas acariciadas
Pelas plamuras negras, a nuca segura ao bico,
Ele a mantém inerme, o colo contra o colo.


De que modo poderão os gagos dedos temerosos
Repelir, de entre as coxas que já cedem,
Essa glória emplumada?
E que fazer o corpo, entregue à urgência branca
Senão sentir pulsando de onde jaz
O estranho coração?


Um frêmito nos flancos lá engendra
A muralha ruída, tetos em chamas, torre
E Agamenon defunto.
Assim possuída,
Capturada pelo bruto sangue aéreo,
Assumiria o saber dele como seu poderio
Antes que o bico indiferente a deixasse cair?


(tradução de Mário Faustino)





Leda e o Cisne


Súbito golpe: as grandes asas a bater
Sobre a virgem que oscila, a coxa acariciada
Por negros pés, a nuca, um bico a vem reter;
O peito inane sobre o peito, ei-la apresada.


Dedos incertos de terror, como empurrar
Das coxas bambas o emplumado resplendor?
Pode o corpo, sob esse impulso de brancor,
O coração estranho não sentir pulsar?


Um tremor nos quadris engendra incontinenti
A muralha destruída, o teto, a torre a arder
E Agamêmnon, o morto.


Capturada assim,
E pelo bruto sangue do ar sujeita, enfim
Ela assumiu-lhe a ciência junto com o poder,
Antes que a abandonasse o bico indiferente?


(tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos) 

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

17 passos para se converter em uma celebridade

Anualmente, a revista norte-americana "Forbes" publica a lista "The Celebrity 100". São as 100 pessoas mais famosas, principalmente dos EUA, com rankings colhidos na internet, imprensa e TV. Celebridade vem do latim "celebritas" que significa "famoso", "célebre", "celebrado". Para ter o status de celebridade, o requisito principal é ter fama.


Mas em tempos de cross midia (cruzamento de mídias), em que você deve dominar o cenário das mais diversas plataformas - TV, cinema, internet, celular, games, revistas, jornais etc. -, nem sempre ter fama é suficiente. Ao contrário, você pode, inclusive, ter infâmia: ser reconhecido(a) como portador(a) de um perfil controverso, que provoque polêmicas. Baseado nesse contexto, até um criminoso, atualmente, pode ser famoso, por exemplo.


Para atingir o mais alto pedestal de celebridade, você tem que ser amado(a) e/ou odiado(a) pela mídia, em geral, e pelos fãs, em particular. Abaixo, 17 dicas de como transformar-se numa celebridade e chegar à lista da "Forbes":


1. Ter uma personalidade. Qualquer personalidade: o médico e o monstro; apenas o monstro; ser jogador de futebol; ator/atriz/modelo/guerreiro(a), participar do Big Brother Brasil e cavar uma vaga no elenco da Rede Globo e chegar a ser protagonista; elaborar um perfil no Twitter e, por meio de scripts, obter o maior número possível de seguidores.





2. Realizar que você tem talento. Qualquer talento. Você tem: procure, mas procure bastante que, por certo, encontrará: você pode ser um(a) excelente chef de cozinha, um(a) ator/atriz nato(a), um(a) Susan Boyle com ou sem gato de estimação, um(a) escritor(a) escondido por detrás de um blog, um(a) frentista de posto de gasolina que consegue fazer maravilhas com a bomba de gasolina, um(a) engraxate que brilha antes de fazer o sapato alheio brilhar. Procure. Olhe-se por dentro. Você encontrará talentos ocultos nem que for por detrás do intestino.





3. Tente, da melhor forma possível, atingir o maior público. Você pode, por exemplo, desfilar em alguma escola de samba no carnaval do Rio de Janeiro e deixar o tapa-sexo cair quando a câmera da Globo te focalizar. Pode, ainda, se jogar no trilho do metrô da Sé em horário de pico e dizer que estava sob pressão. Pode parar o trânsito na avenida Paulista e dizer que é uma performance. Pode vir a público na internet e publicar um vídeo de um banho de cachoeira, de mar, de piscina ou até mesmo de chuveiro. Desde que haja nudez, o retorno é garantido.





4. Contrate um agente que tenha ainda menos escrúpulos do que você. Se o agente for mesmo bom, ele(a) vai te tentar levar para a cama. Não vá. Não na primeira vez. Na segunda vez, se ele(a) te convidar, aceite. Escrúpulo é bom mas tem limite. Vá para a cama, faça o serviço bem feito e o(a) contrate. Ele/ela lhe será leal em função da sua total entrega.





5. Se você pensa em se lançar na música, invista todo o seu dinheiro (venda a mãe, se preciso for) em uma gravadora para lançar seu próprio álbum. Isso se chama, no mercado fonográfico, co-produção, e pega bem ser alternativo(a). Claro que toda a produção - da letra, música, fotos, capa, edição, masterização, mixagem e prensagem - deve ser centralizada por você. Você é a estrela.





6. Contrate, além do agente, um publicitário. Você deve estar tanto na frente quanto atrás. Calma. Na frente significa estar nas capas das revistas. Atrás quer dizer que você está no anúncio da contracapa da revista. Se você estampar a capa da revista, é importante que, dentro da revista, você ocupe pelo menos umas duas páginas de corpo inteiro. De preferência, com figurinos, cabelo e maquiagem distintos para que você possa mostrar toda a sua versatilidade. Não se iniba: pode ser desde traje de festa até trajes sumários. O corpo é apenas um detalhe e você não é apenas corpo. É, sobretudo, cérebro. E cérebros são racionais. Não se ligam em bobagens do tipo "vergonha", "moral" etc.





7. Comece sua carreira onde for e, sobretudo, principalmente, enfaticamente, sorria. Sorria o tempo todo, sob todas as condições, favoráveis ou adversas. Sorria sempre, mesmo que esteja sozinho(a). Pode ser que haja câmeras indiscretas onde você menos espera e ninguém quer ver uma face contrita. Sorria mesmo que você esteja com dor de barriga, febre, catapora ou congestão. Sorrir, lembre-se, é o melhor remédio. Mas não dê gargalhadas: provocam rugas e deformam seu rosto. O sorriso faz o seu sangue circular e faz com que você não sinta cansaço, dor ou se arrependa, em algum momento, do fato de ser uma celebridade.





8. Participe do maior número de campanhas que puder. Seu rosto, corpo, cabelos, voz, mãos, pés e outras partes, mais ou menos íntimas, devem fazer parte de um conjunto que busca, no todo, o sucesso. Por isso, estampe campanhas em todas as dimensões: um outdoor, uma placa de banheiro, uma garrafa de cerveja e até mesmo nas campanhas institucionais de maços de cigarro. Todos vão se lembrar de você o tempo todo, para o bem ou para o mal. E não caia na besteira de cultivar ideologias: participe de campanhas de proteção aos animais da PETA mas não hesite em desfilar de casacos de pele se assim lhe for requerido. Você é multi. E múltis atuam nos mais diversos segmentos.





9.  Monitore frequentemente sua popularidade. As curvas ascendentes devem ser celebradas e as decadentes devem ser escondidas, varridas para debaixo do tapete. Para melhorar sua popularidade, participe de festas, de lançamentos de produtos, de desfiles de moda, de bailes de debutantes e, se preciso for, vá a algum evento com o governador ou o presidente. Você não é apenas uma carinha bonita. Tem, antes de tudo, conteúdo.





10. Seja rico(a): se não for, torne-se rico(a). Os ricos são famosos apenas pelo fato de serem ricos. Faça de tudo para ser rico(a) a ponto de ninguém ousar lhe dizer "não".





11. Siga o padrão de beleza que a sociedade impõe. Se for para ser magro(a), seja esquálido(a). Se você fosse da época de Giocondo (ah! não se preocupe em saber quem era, ele já morreu), teria que ter um corpo roliço. Mas agora a ordem mundial estabelece que ser magro(a) e não morrer é o que vale. Não inove na moda: copie. Compre uma meia dúzia de revistas, contrate um personal stylist mas não ouse inventar nada. Você pode passar por fashion victim e isso não é legal. Deixe que alguém que entenda de moda te vista. Seu único trabalho é caber nas roupas e, quando for necessário, despi-las. Se for preciso, recorra a um cirurgião plástico.





12. Compreenda de uma vez por todas: você É uma estrela. E, num firmamento em que milhares de estrelas brilham e apagam num piscar de olhos, o que conta é a sua atitude. Atitude é uma palavra que não deve ser esquecida jamais. Tenha a atitude de uma estrela: você acredita em si mesmo(a) e sabe que sua fama é importante para o mundo. Não deixe que ninguém, absolutamente ninguém, lhe diga o contrário. Abafe qualquer onda negativa que pessoas mesquinhas insistem em lhe enviar e comporte-se como o centro do universo. Mas, atenção: seja o centro do universo mas nunca demonstre isso. Faça isso da forma mais natural possível. E, fica a dica, uma vez mais: sorria.





13. Aja como se cada momento seu fosse uma manchete de primeira página nos mais importantes jornais e sites do mundo. Não importa se você dê baixarias. Desde que sejam adequadas para caber nas capas dos jornais, é válido. O importante é o número de vezes e de momentos sobre você que transformam-se, automaticamente, em notícia. Você deve despertar desejos suficientes a ponto de as pessoas quererem ver fotos suas no dentista. Ou durante o processo de limpeza de pele.





14. Pegue, literalmente, alguém famoso. E pegar é pegar: é ficar, transar, namorar publicamente algum(a) affair de alguém tão famoso quanto você. Não tem nada melhor do que ser apanhado(a) com um(a) outro(a) homem/mulher famoso(a). Isso demonstrará que você, finalmente, faz parte daquele meio a que tanto almejou. Para que o efeito desse potencial relacionamento não seja temporário, desdobre-o em pequenos escândalos, crises de ciúme e outras cenas para que, ao menos, você tenha tempo de frequentar, por exemplo, cerimônias com tapetes vermelhos ao lado do(a) parceiro(a) famoso(a). Depois, se quiser, acabe com o enrosco.





15. Dê um jeito de ser preso(a). Nessa nossa época, escandalosos são aqueles que nunca se arriscaram o suficiente para serem presos. Seja por atentado à ordem pública (quebre o quarto do hotel, num ataque de estrelismo) ou atentado violento ao pudor (compareça nu diante da rainha Elizabeth), faça o que tiver que ser feito para ser aprisionado(a). Esse comportamento subversivo tende a valorizar o seu passe. Mas não roube peças de roupa como Wynona. Você cairá rapidamente no ostracismo. Roubos não são uma boa estratégia. Melhor sair bêbado(a) da balada, ser pego(a) com um michê/travesti/prostituta ou bancar lutas livres em que você é o(a) principal boxeador(a). Ah! E se envolver com drogas e depois se entregar à re-hab tem funcionado bem, também. Tome cuidado para não entregar o drug dealer porque, depois da re-hab, você, naturalmente, voltará a ter relações de parceria com ele, eventually.





16. Grave - e vaze - um vídeo de sexo no qual você é o(a) protagonista. Atue da melhor forma possível e busque seus melhores ângulos porque esse vídeo estará, para sempre, atrelado a você. Pense nos detalhes os mais pequenos e também nos maiores: se for preciso, faça uso de tecnologia. Grandes angulares, enquadramentos, alta definição, luz, cenário - tudo deve ser pensado para compor o vídeo "doméstico" que será teu portal dos infernos para a fama.


17. Veja a lista abaixo e repita todos os dias, na frente do espelho ou não, que você fará parte dessa lista. Procure ficar, pelo menos, entre os 15 primeiros colocados porque a imprensa sempre tem preguiça de publicar os nomes dos 100 e aí todo esforço irá por água abaixo (a lista abaixo é das 100 Celebridades da Forbes mas publicarei apenas os 15 primeiros pela razão a qual acabei de escrever):


1. Angelina Jolie
2. Oprah Winfrey
3. Madonna
4. Beyoncé
5. Tiger Woods
6. Bruce Springsteen
7. Steven Spielberg
8. Jennifer Aniston
9. Brad Pitt
10. Kobe Bryant
11. Will Smith
12. Dr. Phil McGraw
13. Britney Spears
14. David Letterman
15. Coldplay

domingo, 24 de janeiro de 2010

Meu rugido dominical

No dia 25 de janeiro de 1554, que estava, presumo, úmido e chuvoso como está hoje, foi fundada, oficialmente, a Vila de São Paulo de Piratininga. Os fundadores foram os padres jesuítas José de Anchieta, Manoel da Nóbrega, Manoel de Paiva e mais nove religiosos, da Companhia de Jesus, fundada 20 anos antes para se contrapor, principalmente, à reforma protestante liderada por Martinho Lutero. A Companhia de Jesus foi, ainda, o braço do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição na então colônia Brasil, quando foram presas 1.076 pessoas e assassinadas 29, duas das quais condenadas à fogueira, símbolo extremo da Inquisição.





A fundação de São Paulo de Piratininga foi modesta: um barracão de taipa feito pelos jesuítas para ensinar o catecismo e as primeiras letras aos filhos dos colonizadores. Foi criado, na ocasião, o sítio do Colégio de São Paulo de Piratininga, entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú. A Vila fazia parte da Capitania de São Vicente, primeira cidade brasileira, fundada em 1532, cujo donatário era o português Martim Afonso de Souza. Seis anos depois, em 1560, a Vila São Paulo tinha 80 habitantes. E, 86 anos depois, em 1640, os jesuítas foram expulsos da Vila São Paulo e dos arredores.


Note o uso dos nomes indígenas: piratininga é, em tupi, "peixe seco"; tamanduateí, também em tupi, significa "rio de muitas voltas"; e anhangabaú, do tupi-guarani, quer dizer "rio dos malefícios do diabo" porque os índios acreditavam que as águas do então ribeirão Anhangabaú (atualmente soterrado sob o vale do mesmo nome) provocavam doenças físicas e espirituais.


Registre também a adição de santos: São Vicente, São Paulo, São José dos Campos, São Pedro do Turvo, Santa Catarina, Terra de Santa Cruz (segundo nome dado ao Brasil). Todos veem do catolicismo trazido pelos portugueses ao desembarcarem na costa brasileira.


O nome "Paulo", segundo a origem dos nomes, é latim (Paulus) e foi dado ao apóstolo Saulo após sua conversão ao cristianismo, o que o tornaria Paulo de Tarso. "Paulo" quer dizer pequeno, de baixa estatura, e indica uma pessoa com muita disposição e otimismo contagiante. Teoricamente, Paulo nomina pessoas que encaram cada dia como um novo degrau para obter o desenvolvimento material e social. Pessoas que têm esse nome têm, hipoteticamente, ambição inata e planejam cuidadosamente os passos em direção ao sucesso.


O santo que dá nome à cidade de São Paulo é considerado, dentro da ótica católica apostólica romana, o mais importante discípulo de Jesus e, depois do próprio Jesus, a figura mais importante no desenvolvimento do cristianismo. Há uma outra corrente, dividida entre teólogos, estudiosos, críticos e filósofos (inclusive Nietzsche) que acusam Paulo de Tarso de haver mutilado os ideais cristãos e de ter transformado a mensagem libertária de transformação individual e caridade, originalmente concebida por Jesus e demais discípulos, numa religião de culpa carregada de padrões rígidos. Ou seja, a culpa judaico-cristã.


A cidade de São Paulo completa amanhã, dia 25 de janeiro de 2010, 456 anos de fundação. A primeira parede de taipa (técnica à base de argila), feita pelos jesuítas, ainda permanece conservada, protegida por espessas paredes de vidro no Pátio do Colégio, onde podem ser observadas por qualquer pessoa.


Os jesuítas, expulsos do Brasil no século XVIII, nunca deixaram o País, de fato. Atualmente, estão presentes em quase todo o território nacional, principalmente no ramo da educação, das quais a instituição mais conhecida é a Pontífica Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).


Não consegui encontrar a informação sobre qual era a população indígena da então Capitania de São Vicente, da qual a Vila de São Paulo fazia parte. Mas, acredite, existem índios guarani na cidade de São Paulo de 2010: são 1,1 mil pessoas que vivem em três terras indígenas na capital paulista: Krukutu e Barragem, ambas na região de Parelheiros, extremo sul da zona sul de São Paulo e Jaraguá, na zona oeste da capital.


Dos dois rios - Anhangabaú e Tamanduateí - que, juntos com o Páteo do Colégio (a grafia era assim, na época), formavam o triângulo do qual São Paulo se ampliou, o primeiro nem rio é. É ribeirão. Quer dizer, um ribeirão subterrâneo porque nenhum de nós que habitamos essa cidade, ao que me consta, jamais se recorda de tê-lo visto: o ribeirão Anhangabaú nasce entre os bairros da Vila Mariana e Paraíso, passa sob a avenida São João e desagua no rio Tamanduateí, próximo ao Mercado Municipal. Talvez os índios tivessem razão e o Anhangabaú fosse mesmo um malefício dos diabos. Mas a iniciativa de canalizar o ribeirão e fazê-lo subterrâneo, por certo, deu ao diabo motivos ainda maiores para fazer malefícios e, de quebra, uma moradia discreta. Temo que um dia desabemos sobre nós mesmos ante tanta água que corre no subsolo dessa cidade.


O outro rio, o Tamanduateí, que tem 35 Km de extensão, é um rio morto de tanta poluição. Também foi aprisionado pela cidade e, de vez em quando, suas águas revoltam-se ante a clausura e ousam alagar a horrorosa avenida do Estado que liga a Marginal Tietê ao centro de São Paulo e também faz a ligação com os bairros da zona sudeste da cidade e com os municípios vizinhos - Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, o ABC dos três santos.


A intenção de se dar nome de santo àquela que seria, 456 anos depois, a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo, talvez se deva ao fato de carregar, junto do nome, a benção do santo. Como Paulo de Tarso, na minha opinião, também cometeu seus equívocos, essa intenção foi para aquele outro lugar, o qual está cheio delas, das boas e más. E por certo o significado de "Paulo" não tem nada a ver com São Paulo: a cidade é gigante, de uma estatura colossal!


Todo esse arrazoado de culturas - jesuítas, índios, crenças católicas e indígenas - e de intervenções - rios que foram escondidos, aldeias indígenas que foram relegadas à extrema periferia -, talvez tenha gerado o que somos hoje como cidade: entre moderna e arcaica, a São Paulo atual ora, oficialmente, segundo o sagrado, mas professa, na prática, o profano. Profanamos diariamente São Paulo. Uma São Paulo que amamos e odiamos na mesma proporção: pesquisa revela que 47% dos moradores estão muito satisfeitos com a cidade e que outros 47% estão pouco satisfeitos com São Paulo.


São Paulo tem um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 388 bilhões (US$ 213 bilhões), o que significa 12% do PIB total do Brasil. Esses recursos, no entanto, não foram suficientes para conter os principais problemas que fazem com que 41% das pessoas pensem, efetivamente, em deixar a cidade. São as enchentes (que, em um mês, mataram mais de uma dezena de pessoas na região metropolitana), o trânsito (cujos congestionamentos se estendem de 87 Km a 121 Km, em média, todos os dias), a segurança (são 11 homicídios para cada 100 mil habitantes; foram 1.305 homicídios em 2008) e o emprego (a taxa de desemprego era, em 2008, de 13,23% da população economicamente ativa).


Somos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 11.037.593 habitantes. Entre a taipa que cobriu as primeiras paredes e a imensa massa monolítica de concreto, vidro e aço que fazem dessa cidade uma floresta de prédios, somos um povo que não sabe se fica ou se parte, se ama ou se odeia essa cidade. Cidade sobre a qual já escrevi loas. Mas que, no momento, somente me inspira tristeza. Sim, tristeza porque parece um gigante destrambelhado, que cambaleia em passos incertos e não tem objetivo ou rumo. Não estou entre os que a querem deixar. Mas também não vejo motivos para me juntar àqueles que estão a celebrar, hoje e amanhã, esses 456 anos. No momento, sou a cidade: úmido, frio e cinzento. Nem de longe ardo em fogueiras por viver aqui. De concreto, por ora, estou com o coração cimentado demais para te cumprimentar, São Paulo querida!

sábado, 23 de janeiro de 2010

Passeio de gôndolas

Venho de um passeio de gôndolas. Melhor dizer, por entre as gôndolas. Não! Nada a ver com as gôndolas de Veneza. Se bem que São Paulo anda tão aquática que não seria de se espantar que saíssemos a navegar de gôndolas pelos canais (poluídos) da cidade. E, além do que, reservo as gôndolas de Veneza para uma ocasião especial (que ainda acontecerá!).


O meu passeio de gôndolas foi bem mais prosaico: se deu entre as gôndolas do supermercado. Depois de quase um mês entregue à própria sorte, resolvi que meu corpo precisa ser retomado pelo cérebro que o comanda. Quero dizer com isso que acabaram as bacanais festivas de comidas e bebidas que encerraram o ano passado e atravessaram quase todo este corrente mês.





Portanto, fui às gôndolas. Tenho uma certa birra de supermercados: preciso deles para produtos de consumo básico mas não gosto desses locais. Bem, quase sempre, não. Às vezes, posso até gostar um pouquinho.


Os supermercados, como os conhecemos no Brasil atualmente, são relativamente novos. E, por algum grau de associações que não vou me questionar agora, o primeiro supermercado surgiu em uma rua muito próxima de onde estou e vivo. Engraçado isso. Essa rua fica a apenas três quadras da minha casa. Era 1953. Mais precisamente, dia 27 de março de 1953. Uma loja foi aberta com uma proposta diferente dos velhos armazéns (que vendiam secos e molhados, como se dizia dos produtos da época). Vendia, simultaneamente, produtos de mercearia, de limpeza, carnes, frutas e verduras.


Essa loja provocou arrepios entre os demais comerciantes e também nas autoridades por 'burlar' o modelo tradicional de armazéns. Somente em 12 de novembro de 1968 os supermercados seriam regulamentados oficialmente na cidade de São Paulo. Quer dizer, isso faz pouco mais de 31 anos. Na entrada da primeira loja havia uma catraca (como as de metrô ou ônibus) para contar o número de clientes e, como tudo era novidade, uma recepcionista explicava como se deveria proceder para fazer as compras: pegar o carrinho, escolher os produtos e ir ao caixa para pagar.





Claro que se São Paulo recebeu o primeiro supermercado oficialmente em 1968, o conceito demorou muito mais para chegar no interior do Estado: na minha cidade, por exemplo, se a lembrança não me turva as datas, creio que o primeiro supermercado chegou entre 1982 e 1983. E fez uma das primeiras revoluções na cidade: acabou, praticamente, com os armazéns remanescentes, assim como havia feito nas grandes cidades. Há uns três anos, os supermercados têm tido êxito em extinguir outro setor: os açougues. Dentro de pouco tempo, açougues serão raridades, pode apostar.


Bem, volto à atualidade e ao meu passeio de sábado por dentre as gôndolas. Supermercados não me atraem porque:


1. Me soam ligeiramente histéricos, com consumidores que ficam entre comprar o que precisam, o que não precisam, o que querem, o que não querem para, no final, ficarem acuados na fila do caixa e torcer para que tudo caiba dentro do dinheiro que têm.


2. Entre as gôndolas, ao contrário da placidez dos canais venezianos, nada num supermercado é pacífico: brigamos pelo tomate mais vistoso, pela picanha mais vermelha, pelo pão mais quentinho, pelo queijo mais fresquinho. Raramente o supermercado está vazio e, se o está, suas gôndolas, consequentemente, estão praticamente desprovidas das melhores ofertas.


3. Os longos corredores, a extensão dos supermercados e o grande número de caixas deveriam facilitar a vida de todos nós. Mas isso não ocorre. Para atender uma cidade gigante, nem o mais gigante dos hipermercados consegue dar vazão às pessoas sem que, em algum momento, haja algum tipo de aglomeração.


4. Existe uma disputa não-declarada como se estivéssemos, os consumidores, numa prova de fórmula 1: quem chegar primeiro, vence. Quem melhor conduzir o carrinho durante o percurso e se safar dos inúmeros obstáculos - outros consumidores, velhinhas que caminham como se estivessem dentro de igrejas, crianças que brincam de pega-pega, velhinhos que penduram seus guarda-chuvas nos carrinhos alheios (isso aconteceu comigo!), pessoas que se acham espertas e tentam furar filas - qualquer fila, inclusive a do caixa e até mesmo aqueles que frequentam os supermercados por considerá-los lugares exóticos a serem visitados. Sim, há de tudo. Já vi de tudo nesses anos de frequência aos supermercados.


5. No final, trata-se de uma logística que não tem lógica: pegar o carrinho, encher o carrinho, esvaziar o carrinho no caixa, encher o carrinho depois que passar pelo caixa, esvaziar o carrinho no porta-malas do carro, encher o novo carrinho que os prédios têm, esvaziar o carrinho na porta de casa, devolver o carrinho do prédio na garagem, esvaziar as sacolinhas, encher os armários e, finalmente, encher-se com toda a tralha, alimentícia ou não, que você manuseou 357 vezes antes de, por fim, dar cabo a tudo. Sim. Porque, passado um breve período de tempo, terá que refazer essa via crucis novamente.





E foi assim, a praguejar e lamentar, que bovinamente, no final das contas, fui ao supermercado enterrar dinheiro, disposição e um pedaço do sábado. Lá dentro, tudo o que eu imaginava: consumidores vorazes (sempre estamos, não?), briga de carrinhos, carrinhos cujas rodinhas travam, velhinhos que têm caixa especial e insistem em ficar no caixa comum, perguntas de consumidores como se todos (consumidores) fossemos atendentes da loja.


De uns tempos para cá, a fim de não sofrer um naufrágio e me ver submerso por entre as gôndolas, tenho adotado o hábito de frequentar o supermercado de madrugada, já que a loja mais próxima da minha casa funciona 24 horas. Mas se isso tem seus benefícios, também tem algumas desvantagens: em geral, nesse horário os funcionários aproveitam para repor os produtos e lavar os corredores. Assim, metade da compra fica por ser feita.


Outra possibilidade é ir em horário chamado comercial: entre 10 e 22 horas. Corre-se o risco de travar embates os mais diversos mas, ao menos, você encontrará o que procura e não terá interdições no meio dos corredores - quando lavam os corredores, os funcionários os bloqueiam.


De tal maneira que fico cada vez mais longe dos supermercados. Sim, já fiz compra de supermercado pela internet. Até funciona. Mas quem melhor do que você para saber qual é a textura da carne, o estado da banana ou a possibilidade de escolher entre cinco ou seis diferentes tipos de detergente? As gôndolas virtuais são bastante maçantes e, ao menos por enquanto, ainda prefiro eu mesmo fazer minhas compras.





Terminado o passeio expresso - geralmente, o faço o mais rápido que posso -, quando finalmente guardo tudo o que comprei, sempre fica um vazio. É como se depois de navegar por entre os canais de Veneza, simplesmente você chegasse à conclusão que as águas são iguais em todos os lugares e que os canais da cidade são apenas isso. O que os torna diferentes são as gôndolas e os gondoleiros. Mas isso já é outra viagem. O fato de eu associar supermercados à mesmice incorre na velha questão humana de repetir gestos porque temos de fazê-lo, e não porque os apreciamos. Porque se navegar é preciso, uma vez mais, navegar de gôndolas em Veneza me é mais do que preciso: é necessário.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

As cidades-fênix e a chama sagrada que as mantêm

Seja por hecatombes naturais ou provocadas pela ardilosa mão do homem, a destruição de cidades inteiras acompanha a humanidade há, pelo menos, dois mil anos. Porto Príncipe, capital do Haiti, une-se a outras cidades no triste rosário de destruição. Mas há esperança! Sempre há porque, se não existisse esse sentimento tão humano, não haveria o desafio grandioso de se levantar das cinzas e, tal qual uma fênix de vastas proporções, reerguer-se uma vez e mais e mais, tantas vezes quantas forem necessárias. Porque assim é o homem, para o bem ou para o mal: apanha, bate e, com a mesma teimosia, debate-se em meio aos clamores da natureza e do próprio homem.


A seguir, em ordem cronológica, listo algumas cidades que, desde o ano 64 d.C., foram praticamente aniquiladas e, ainda assim, bateram as asas incineradas e renasceram. Porque a palavra "cidade" deriva de civilização, do latim "civitas". E civilização significa agrupamento humano, cuja ocorrência gera, na maior parte das vezes, a evolução social nas mais diversas áreas: científica, política, econômica, artística e, por que não o dizer, também humanitária?


- Roma, 64 d.C.


No dia 18 de julho de 64 d.C., a cidade foi tomada pelo Grande Incêndio de Roma, que começou na região do Circo Máximo. As ruas de Roma não eram ruas, e sim ruelas. Como que dutos condutores de fogo, essas ruelas fizeram com que o incêndio se alastrasse rapidamente nos insulares (ou cortiços), edifícios de três, quatro ou cinco andares construídos à base de madeira. O incêndio durou seis dias mas, depois de controlado, novos focos fizeram com que o fogo se propagasse por mais três dias. Ficaram destruídos dois terços de Roma.





A versão mais conhecida sobre o incêndio de Roma é a de que o imperador Nero teria ordenado o evento com o objetivo de reconstruí-la segundo seu próprio projeto arquitetônico. Essa versão é desmentida pelos historiadores. Nero, na ocasião do incêndio, não estava em Roma e, ao voltar, abriu os jardins de seu palácio para acolher os desabrigados. Isso contaria a seu favor, não fosse o fato de que, após o incêndio, Nero aproveitou para adquirir terrenos circunvizinhos ao palácio a preços vis, o que revoltou a população e a levou a considerá-lo suspeito. O certo é que Nero elaborou um novo plano de desenvolvimento urbano para aquela que seria a capital do Império Romano do Ocidente e também a cidade eterna.


Outra versão dá conta de que os moradores usavam o fogo para se aquecer e, claro, preparar a comida. Como as residências eram de madeira, houve algum tipo de acidente que, somado aos fortes ventos da cidade, fez com que o incêndio se alastrasse por toda Roma.


Segundo os historiadores da época, três bairros de Roma foram completamente destruídos e outros sete ficaram bastante danificados. Roma tinha, na época, 1,7 mil casas particulares e 47 mil insulares. E, embora não haja estatísticas confiáveis, estima-se que mais de 10% da cidade foram destruídos.


- Pompéia, 79 d.C.


Antiga cidade do Império Romano, situada a 22 Km de Nápoles, Pompéia foi destruída pela erupção do vulcão Vesúvio no dia 24 de agosto de 79 d.C. Por mais de 1,6 mil anos, a antiga Pompéia ficou encoberta pelas cinzas, até ser reencontrada por acaso. E, quando redescoberta, mostrou os horrores encobertos pela lava vulcânica, com habitantes em pleno processo de fuga e, tal qual a mulher de Lot transformada em estátua de sal, cerca de 3 mil habitantes ficaram entalhados na pedra vulcânica para contar a destruição de Pompéia para a posteridade.





Atualmente, Pompéia é uma comuna da região de Campania, na Itália, com pouco mais de 25 mil habitantes. Ao redor do vulcão, vivem cerca de 600 mil pessoas. O Vesúvio continua em atividade. Antes de soterrar a antiga Pompéia, o Vesúvio ficou inativo por mais de 1,5 mil anos. A última erupção fatal do Vesúvio ocorreu em 1944 e a cidade de Nápoles, que tem 2 milhões de habitantes, também vive sob a constante ameaça de novas erupções.


- Londres, 1666


O Grande Incêndio de Londres destruiu uma imensa parte da capital britânica entre os dias 2 e 5 de setembro de 1666. Consumiu, em quatro dias, 13,2 mil casas, 87 igrejas, 44 prédios púbicos e a Catedral de Saint Paul. Não há um número preciso das vítimas, mas os registros da época relatam um total de 100 mil desabrigados e apenas nove mortes! Infelizmente, esse número - e pesquisas mais atuais - não foi tão baixo: estima-se que morreram, sim, milhares de pessoas, já que Londres, naquela ocasião, não registrava as pessoas pobres e de classe média.





Segundo a história, o incêndio começou numa padaria em Pudding Lane e se propagou por toda a vizinhança. A rápida ação do incêndio foi favorecida pela estrutura medieval de Londres: ruas estreitas e construções de madeira, bastante próximas umas das outras. À época, os incêndios eram combatidos com a derrubada de construções para impedir que o fogo se alastrasse. E essa técnica arcaica, ainda assim, foi atrasada por um político da cidade que, evidentemente, subestimou as proporções do incêndio. Quando, finalmente, o político autorizou as demolições, já o fogo havia se convertido em labaredas gigantescas e não podia ser detido.


O rei Carlos II, que governava o Império Britânico, temeu a reação pública e determinou a imediata reconstrução de Londres. Ao invés de aproveitar a catástrofe, no entanto, e se reinventar, a cidade foi reconstruída nos mesmos moldes do modelo anterior, ou seja, em madeira e ruas estreitas. Foi nessa época que surgiu o que é, atualmente, a City of London. A Catedral de Saint Paul, completamente destruída, foi levantada novamente, sob nova arquitetura. A ponte de Londres, que já havia sido parcialmente destruída por outro incêndio em 1663, foi definitivamente consumida pelas chamas. A biblioteca de teologia do Sion College perdeu um terço dos livros.


- Lisboa, 1755


Foi no Dia de Todos os Santos, em 1º. de novembro de 1755, que Lisboa amanheceu com o sismo cujo epicentro - nunca foi precisada a exatidão do epicentro - aconteceu no mar, entre 150 e 500 Km a sudoeste de Lisboa. Mas a magnitude do terremoto - 9 graus na escala Richter - foi tamanha que os abalos foram sentidos em Lisboa entre 6 minutos a 2:30 horas, conforme o local, e provocou fissuras que ainda hoje estão presentes na capital de Portugal.





As regiões mais atingidas foram a própria Lisboa e o Cabo de São Vicente. Os sobreviventes buscaram refúgio na zona portuária e, segundo o padre Manuel Portal, que tem relatos completos sobre o terremoto, instantes após o tremor, um tsunami, que pode ter atingido 6 metros de altura, fez submergir o porto e o centro de Lisboa, com as águas a avançarem 250 metros cidade adentro. De modo que, onde a água não chegou, lá estava o incêndio, que durou cinco dias, e contribuiu para dizimar estimadas 90 mil pessoas, da população que contava, em 1755, com 275 mil habitantes.


Esses eventos destruíram 85% das edificações de Lisboa. Foram abaixo palácios, bibliotecas, conventos, igrejas e hospitais. O Palácio Real, completamente destroçado, abrigava uma biblioteca com 70 mil volumes e centenas de obras de arte, inclusive quadros de Ticiano, Rubens e Correggio. O Arquivo Real, com documentos que registravam as explorações oceânicas de Portugal, foi completamente destruído, bem como registros históricos das viagens de Vasco da Gama e Cristóvão Colombo, ambos exploradores das Américas.


- New Orleans, 2005


A pressão foi insuportável e, no dia 30 de agosto de 2005, dois dos diques que cercavam New Orleans, que foi fundada numa região abaixo do nível do mar, não aguentaram e cederam sob as águas do Lago Pontchartrain. New Orleans é cercada por águas: além do próprio Lago Pontchartrain, que foi o responsável pela sua devastação, a cidade fica próximo do Golfo do México e do Rio Mississipi. Quando as barreiras romperam, 89% da cidade foram inundados a uma profundidade de até 8 metros.





Nunca ficou claro o número de vítimas mas calcula-se que foram milhares de pessoas. O responsável por tudo isso foi o furacão Katrina, que elevou o nível de água dos reservatórios que circundavam New Orleans e provocou o transbordamento. Em 2000, apenas a cidade tinha mais de 500 mil habitantes e toda a região metropolitana de New Orleans concentrava quase 1,5 milhão de pessoas. Pelo menos 200 mil casas foram destruídas pelas águas. Alguns moradores puderam retornar apenas um ano depois à cidade e muitos foram transferidos para cidades dos estados vizinhos como Louisiana, Texas e Missouri e até mesmo mais distantes como Washington, Ontário e Illinois. Dessas pessoas, a maioria jamais retornou a New Orleans que, passados quase cinco anos, ainda tem muitas áreas desabitadas. Após a passagem do furacão, que atingiu ventos de 200 Km/hora, muitas lojas foram saqueadas e houve roubo generalizado. A lei marcial foi instituída em New Orleans para assegurar o controle de toda a região.


- Porto Príncipe, 2010


Na terça-feira, 12 de janeiro, precisamente às 16:53 horas de Porto Príncipe, teria início aquele que pode ser, a se confirmar a estimativa do governo de 200 mil mortos, uma das dez piores tragédias mundiais em termos de vítimas. Com epicentro a 15 Km de Porto Príncipe e 7 graus na escala Richter, o terremoto devastou a capital do Haiti e todo o entorno e desabrigou pelo menos mais 1,5 milhão de pessoas. Apenas na capital, viviam 3 milhões de haitianos.





Fundada em 1749 pelos franceses, Porto Príncipe (ou Port-au-Prince) ainda conta os mortos, os feridos e começa, em meio a novos tremores e muito medo, a tentar reconstruir aquela que é a capital de uma das primeiras nações independentes da América do Sul. O Haiti tornou-se independente em 1804 mas nunca foi, de fato, independente. Neste momento, é, ao contrário, totalmente dependente do mundo inteiro para se reconstruir e tentar, ao menos, sobreviver nos escombros da cidade.


As seis cidades acima descritas, em diferentes épocas da história e nas mais diversas regiões da Terra, passaram, todas, pela fúria do fogo, da água, de vulcões, de terremotos e de tsunamis. Sobreviveram. Reconstruíram-se das cinzas, feito fênix que insistem em viver. Ou apenas sobreviver. Porque há uma chama sagrada que as mantêm: se chama homem.


Não entenda 'chama' como um triste trocadilho. Não é nada disso. Chama é uma metáfora para fé, para força, resistência, vontade, esperança. E o homem - e acredito mesmo nisso - é mais construção do que destruição, mais unidade do que divisão. As catástrofes que acometeram Roma, Pompéia, Londres, Lisboa, New Orleans e Porto Príncipe contabilizaram toda sorte de destruição e a perda de milhares de vidas. Nunca, contudo, foram capazes de conter o sentimento do homem em se reerguer dos escombros, sacudir a poeira e começar a vasculhar, a limpar, a resgatar e, finalmente, a reconstruir à sua volta.


Porque se a natureza promove eventos incontroláveis, é da natureza humana manter a chama acesa. Nem que for um fio apenas a iluminar por debaixo da ruína. Nem que for para surpreender na voz da senhora que canta ao ser resgatada sete dias depois de enterrada viva. Nem que for para ouvir o choro do bebê que sobreviveu a sete dias sem água, luz, leite e a mãe. Nem que for para constatar essas pequenas chamas que insistiram em se manter acesas. Porque é da natureza humana não se apagar. Exatamente porque não são infinitas, posto que chamas, são eternas enquanto duram. E a eternidade é o tempo em que cada uma dessas chamas permanece acesa. É tempo o bastante para ser fênix.

Autor e redes sociais | About author & social media

Autor | Author

Minha foto
Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

De onde você vem? | From where are you?

Aniversário do blog | Blogoversary

Get your own free Blogoversary button!

Faça do ócio um ofício | Leisure craft

Está no seu momento de descanso né? Entao clique aqui!

NetworkedBlogs | NetworkedBlogs

Siga-me no Twitter | Twitter me

Quem passou hoje? | Who visited today?

O mundo não é o bastante | World is not enough

Chegadas e partidas | Arrivals and departures

Por uma Second Life menos ordinária © 2008 Template by Dicas Blogger Supplied by Best Blogger Templates

TOPO